- Mais uma
cidade conquistada, querida. Nosso império é bem poderoso. Mais algumas guerras
e logo não precisaremos temer qualquer reino que tiver a ousadia de se opuser a
nós – comentou o rei Xavier, levantando a taça e brindando com sua esposa.
Era hora da janta. Estavam todos
sentados à mesa: o rei, a rainha Tamara e a princesa Ana Clara Moretti. Também
acompanhavam o rei: o seu irmão Martin, a esposa Ariadne e as filhas Aléxia e
Jaíne. O rei estava muito feliz, pois mais uma de suas empreitadas dera certo:
acabara de anexar a cidade de Tulipa aos seus domínios.
- Pai, eu não entendo o porquê de
tantas guerras. Por que o nosso reino está sempre invadindo outros? – perguntou
a princesa Ana Clara, de repente, surpreendendo a todos.
- Ora, filha, já discutimos isto
antes. Quero que a minha família tenha um lugar seguro para morar. Se o nosso
reino não se tornar um grande império, a qualquer momento uma cidade muito bem
destacada militarmente poderá declarar guerra contra nós e aí muitas coisas
ruins podem acontecer.
- Mas, pai, os reis das cidades que
o senhor invade não se sentem desse jeito? Como se tivessem enfrentando coisas
ruins?
Com um largo sorriso, o rei
explicou:
- No começo, imagino que sim. Mas
logo as pessoas veem que eu sou um homem justo. Meu objetivo não é pilhar os
reinos invadidos, mas apenas anexá-los aos meus domínios.
- Mas os reis deixam de ser reis quando perdem a guerra, não?
- Sim, filha, mas lhes dou novas ocupações e, acredite, são ótimos
cargos.
A princesa ficou quieta. Não gostava de ver seu pai envolvido em guerras
e conquistas, ainda que por motivos justificáveis. Porém, como dissera seu pai,
se o reino Flor-de-lis não fosse à guerra, então a guerra viria até o reino.
Tudo parecia fazer sentido, no fim das contas.
Ana Clara desviou a atenção de seu pai e voltou a conversar com as
primas. A princesa adorava Aléxia e Jaíne. Nunca dissera nada a elas, mas as
invejava – no bom sentido, é claro. Acontece que Ana Clara queria muito ter uma
irmãzinha, mas isso nunca acontecera. Sempre fora filha única e, assim,
sentia-se muito só. Porém, ficava muito feliz quando suas primas vinham
visitá-la. Divertia-se muito na companhia daquelas garotas, cujas idades eram
parecidas com a sua. A filha do rei estava com dezessete anos. Aléxia também
estava com dezessete e Jaíne era um ano mais nova.
Martin e Ariadne estavam entretidos com as histórias do rei. A rainha Tamara,
por sua vez, parecia estar atenta aos contos do marido, mas na verdade estava
com o pensamento distante, imaginando se a sua filha não estava certa em querer
que o pai parasse com tantos planos de conquista. A mente da rainha a situava
no reino de Bromélias, um dos últimos conquistados por seu marido.
A janta iniciou e terminou em ritmo de alegria. Ao passo que o rei
contava suas proezas aos hóspedes, Martin e sua mulher narravam seus
investimentos em terras, agricultura e pecuária, que lhes davam muito lucro. O
rei sentia-se orgulhoso do irmão e vice-versa.
- Muito bem, é hora de ir para a cama, meninas – falou o rei às garotas.
- Boa-noite, pai – falou a princesa, abraçando-o e lhe dando um beijo.
Com um sorriso, o homem cumprimentou a filha. Em seguida, a menina beijou
a sua mãe e abraçou alegremente o tio e sua esposa. As primas também
cumprimentaram o rei e a rainha com um abraço e, em seguida, seus pais. As três
garotas se dirigiram aos seus quartos, passando por alguns corredores e
atravessando algumas salas.
- Ana, Jaíne e eu queremos lhe revelar um segredo – falou Aléxia, enquanto
caminhavam.
A princesa ficou curiosa em relação à fala de Aléxia. Um segredo? O que
teriam suas primas para lhe contar?
- Jaíne e eu estamos namorando.
- O quê? – perguntou a garota, parando de andar.
- Eu lhe disse que ela ficaria surpresa – lembrou Jaíne, toda feliz. –
Faz dois meses que Aléxia conheceu o Gérson e eu comecei a namorar o Afonso
semana passada.
- Fico contente por vocês. Venham aqui, abracem-me – falou a princesa,
abraçando as duas ao mesmo tempo.
A princesa chegou ao seu quarto, trocou de roupa e deitou-se. Um
sentimento de tristeza tomou-lhe os pensamentos. A garota, que se sentia
sozinha, agora experimentava um sentimento de solidão maior ainda. Aléxia e Jaíne,
além de terem uma a outra, agora também tinham a companhia de alguém que
poderia lhes oferecer outro tipo de amor. Mas ela tinha que ser tão só...
Lágrimas rolaram pelo rosto de Ana Clara antes de dormir. O sonho que
tivera naquela noite estava mais para pesadelo: sonhou que estava presa em uma
ilha, totalmente só. Para onde quer que olhasse, via apenas água. Não havia
navios ou barcos que pudessem ser avistados para resgatá-la. A princesa estava
sozinha naquela rocha, no meio do oceano.
Quando acordou, Ana Clara estava suando. Ainda faltava um pouco para o galo
cantar, anunciando a chegada de um novo dia. Mas a garota não quis voltar a
adormecer. O sonho, ou melhor, o pesadelo que tivera, refletia bem seu estado
de espírito: um sentimento de solidão.
Embora naquele dia tivesse acordado mais cedo que todos os outros, Ana
Clara foi quem chegou mais tarde à mesa para a primeira refeição do dia.
- Olá, querida, ainda chegou a tempo de nos acompanhar para a refeição –
disse o rei, sorrindo para a filha.
A princesa forçou um sorriso, deixando transparecer que não estava se
sentindo muito à vontade.
- Você está bem, querida? – perguntou a mãe, preocupada.
- Claro, apenas acho que dormi demais e ainda assim estou sentindo sono.
A princesa cumprimentou o tio e as primas. Em seguida, sentou-se e
começou a refeição. Como na noite anterior, o momento foi de descontração. O
rei estava muito feliz e demonstrava orgulho pela família que tinha. De repente,
o mensageiro aproximou-se.
- Majestade, peço-lhe perdão por interromper este momento, mas há sete
homens, fortemente armados, que desejam lhe falar.
O rei olhou para o mensageiro, surpreso com a notícia. Sete homens
armados?
- Muito bem. Tamara, vamos. Martin, Ariadne, garotas, terminem a refeição
sem nossa presença.
Dizendo isso, o rei e a rainha dirigiram-se à sala do trono. Chegando lá,
solicitou ao mensageiro que chamasse os homens. Momentos depois, o rei
observava as grandes portas do castelo serem abertas e por elas passarem homens
que pareciam ser guerreiros temíveis: cada um possuía duas espadas afixadas em
suas costas, formando um X. Além das espadas, havia uma pequena lança, cuja
ponta ultrapassava a altura dos homens; diversas outras armas estavam
estrategicamente posicionadas em seus uniformes pretos, que cobriam quase todo
o corpo – apenas a cabeça estava desprotegida. O rei também observou que um
daqueles homens segurava um saco.
- Majestade – falou um dos homens, dando um passo à frente dos demais e
inclinando um pouco o corpo. Os outros também se inclinaram.
- Quem são vocês e o que desejam em meu reino?
- Somos os guerreiros negros, rei Xavier. Temos uma proposta a lhe fazer
– falou o homem que estava à frente dos outros.
- Uma proposta? – perguntou o rei, desconfiado. Alguma coisa naqueles
homens parecia errada.
- Sim, majestade, mas antes queremos lhe dar uma demonstração.
- Muito bem, prossiga – disse o rei.
- Chame dez dos seus melhores lutadores.
O rei olhou para a sua esposa. Em seguida, decidiu:
- Chame o capitão – falou, olhando na direção do mensageiro.
- Sim, senhor – respondeu o mensageiro, com uma reverência, retirando-se
da sala.
Momentos depois, o capitão entrava na sala do trono.
- Majestade, rainha – cumprimentou o homem, inclinando o corpo.
- Capitão, reúna seus dez melhores soldados e traga-os aqui.
- Imediatamente, senhor – respondeu o capitão, retirando-se.
Pouco tempo depois, o homem voltava à sala com seus mais habilidosos soldados.
- Muito bem, e agora? – perguntou o rei, olhando na direção do guerreiro
negro.
- Randal – chamou o homem.
Um dos guerreiros de seu grupo deu um passo à frente.
- Randal enfrentará seus dez homens, todos ao mesmo tempo. Se perder, lhe
entregaremos isto e iremos embora – disse, recebendo de um de seus companheiros
o saco que segurava.
O homem aproximou-se do rei e, abaixando-se, abriu o saco para mostrar o
seu conteúdo: rubis, safiras, pérolas e diamantes esparramaram-se pelo chão. O
rei olhou cobiciosamente para a fortuna aos seus pés, imaginando que se
encontrava em seu dia de sorte.
- E se o seu homem ganhar, o que acontecerá? – perguntou a rainha.
O rei olhou para ela abismado, incapaz de acreditar que sua esposa
houvesse feito aquela pergunta. Um único homem bater em seus dez maiores
guerreiros? Ridículo, simplesmente ridículo...
- Se o meu homem ganhar, rainha, então vossas majestades ouvirão a
proposta que temos a lhes fazer.
Rapidamente, os outros cinco guerreiros aproximaram-se do trono, abaixaram-se
e começaram a colocar as joias de volta ao saco. Em instantes, tudo estava
recolhido.
- Estou ansioso para ver o combate – disse o rei.
O guerreiro negro balançou a cabeça, em sinal de concordância. Em
seguida, olhou para Randal, que se afastou um pouco de todos. O rapaz foi
cercado pelos dez homens do rei, esperando que começassem a atacá-lo.
Os dois primeiros homens que avançaram na direção do guerreiro foram
rapidamente eliminados por ele. Randal pulou, girou o corpo e acertou um
fortíssimo chute no rosto de um dos soldados. Ao tocar o chão, girou o corpo
mais uma vez e acertou as pernas do segundo adversário. Dois estavam
nocauteados.
Vendo a habilidade do monge, três homens resolveram atacar em grupo, um
ao lado do outro. Com velocidade e força surpreendente, Randal levantou um dos
guerreiros que nocauteara e o atirou na direção dos soldados, acertando os
três. Os homens seguraram o companheiro nocauteado, mas logo foram derrubados
pelo adversário, que pulou e acertou um chute nas costas do guerreiro
desacordado, fazendo os três soldados serem lançados a vários passos.
Os cinco restantes atacaram em conjunto. Dois estavam armados com grandes
bastões e os outros com espadas. Atacavam Randal de todos os lados, mas o
guerreiro era rápido e ágil demais. Valendo-se de técnicas de esquiva,
combinadas com socos e chutes nos momentos certos, defendia-se e atacava com
perícia singular. Momentos depois, dez homens jaziam no chão.
O rei olhava para seus soldados, incapaz de acreditar no que via. Como
era possível que um único homem derrotasse uma dezena de seus melhores
combatentes? Olhou para sua esposa, que parecia pensativa, em seguida mirou o
olhar no guerreiro que lhe dirigiu a palavra.
- Qual a sua proposta? – perguntou o rei, com a sensação de que aquilo
que ouviria nos próximos momentos traria muito sofrimento a ele e a sua
família.
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