domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 1

- Mais uma cidade conquistada, querida. Nosso império é bem poderoso. Mais algumas guerras e logo não precisaremos temer qualquer reino que tiver a ousadia de se opuser a nós – comentou o rei Xavier, levantando a taça e brindando com sua esposa.
            Era hora da janta. Estavam todos sentados à mesa: o rei, a rainha Tamara e a princesa Ana Clara Moretti. Também acompanhavam o rei: o seu irmão Martin, a esposa Ariadne e as filhas Aléxia e Jaíne. O rei estava muito feliz, pois mais uma de suas empreitadas dera certo: acabara de anexar a cidade de Tulipa aos seus domínios.
            - Pai, eu não entendo o porquê de tantas guerras. Por que o nosso reino está sempre invadindo outros? – perguntou a princesa Ana Clara, de repente, surpreendendo a todos.
            - Ora, filha, já discutimos isto antes. Quero que a minha família tenha um lugar seguro para morar. Se o nosso reino não se tornar um grande império, a qualquer momento uma cidade muito bem destacada militarmente poderá declarar guerra contra nós e aí muitas coisas ruins podem acontecer.
            - Mas, pai, os reis das cidades que o senhor invade não se sentem desse jeito? Como se tivessem enfrentando coisas ruins?
            Com um largo sorriso, o rei explicou:
            - No começo, imagino que sim. Mas logo as pessoas veem que eu sou um homem justo. Meu objetivo não é pilhar os reinos invadidos, mas apenas anexá-los aos meus domínios.
- Mas os reis deixam de ser reis quando perdem a guerra, não?
- Sim, filha, mas lhes dou novas ocupações e, acredite, são ótimos cargos.
A princesa ficou quieta. Não gostava de ver seu pai envolvido em guerras e conquistas, ainda que por motivos justificáveis. Porém, como dissera seu pai, se o reino Flor-de-lis não fosse à guerra, então a guerra viria até o reino. Tudo parecia fazer sentido, no fim das contas.
Ana Clara desviou a atenção de seu pai e voltou a conversar com as primas. A princesa adorava Aléxia e Jaíne. Nunca dissera nada a elas, mas as invejava – no bom sentido, é claro. Acontece que Ana Clara queria muito ter uma irmãzinha, mas isso nunca acontecera. Sempre fora filha única e, assim, sentia-se muito só. Porém, ficava muito feliz quando suas primas vinham visitá-la. Divertia-se muito na companhia daquelas garotas, cujas idades eram parecidas com a sua. A filha do rei estava com dezessete anos. Aléxia também estava com dezessete e Jaíne era um ano mais nova.
Martin e Ariadne estavam entretidos com as histórias do rei. A rainha Tamara, por sua vez, parecia estar atenta aos contos do marido, mas na verdade estava com o pensamento distante, imaginando se a sua filha não estava certa em querer que o pai parasse com tantos planos de conquista. A mente da rainha a situava no reino de Bromélias, um dos últimos conquistados por seu marido.
A janta iniciou e terminou em ritmo de alegria. Ao passo que o rei contava suas proezas aos hóspedes, Martin e sua mulher narravam seus investimentos em terras, agricultura e pecuária, que lhes davam muito lucro. O rei sentia-se orgulhoso do irmão e vice-versa.
- Muito bem, é hora de ir para a cama, meninas – falou o rei às garotas.
- Boa-noite, pai – falou a princesa, abraçando-o e lhe dando um beijo.
Com um sorriso, o homem cumprimentou a filha. Em seguida, a menina beijou a sua mãe e abraçou alegremente o tio e sua esposa. As primas também cumprimentaram o rei e a rainha com um abraço e, em seguida, seus pais. As três garotas se dirigiram aos seus quartos, passando por alguns corredores e atravessando algumas salas.
- Ana, Jaíne e eu queremos lhe revelar um segredo – falou Aléxia, enquanto caminhavam.
A princesa ficou curiosa em relação à fala de Aléxia. Um segredo? O que teriam suas primas para lhe contar?
- Jaíne e eu estamos namorando.
- O quê? – perguntou a garota, parando de andar.
- Eu lhe disse que ela ficaria surpresa – lembrou Jaíne, toda feliz. – Faz dois meses que Aléxia conheceu o Gérson e eu comecei a namorar o Afonso semana passada.
- Fico contente por vocês. Venham aqui, abracem-me – falou a princesa, abraçando as duas ao mesmo tempo.
A princesa chegou ao seu quarto, trocou de roupa e deitou-se. Um sentimento de tristeza tomou-lhe os pensamentos. A garota, que se sentia sozinha, agora experimentava um sentimento de solidão maior ainda. Aléxia e Jaíne, além de terem uma a outra, agora também tinham a companhia de alguém que poderia lhes oferecer outro tipo de amor. Mas ela tinha que ser tão só...
Lágrimas rolaram pelo rosto de Ana Clara antes de dormir. O sonho que tivera naquela noite estava mais para pesadelo: sonhou que estava presa em uma ilha, totalmente só. Para onde quer que olhasse, via apenas água. Não havia navios ou barcos que pudessem ser avistados para resgatá-la. A princesa estava sozinha naquela rocha, no meio do oceano.
Quando acordou, Ana Clara estava suando. Ainda faltava um pouco para o galo cantar, anunciando a chegada de um novo dia. Mas a garota não quis voltar a adormecer. O sonho, ou melhor, o pesadelo que tivera, refletia bem seu estado de espírito: um sentimento de solidão.
Embora naquele dia tivesse acordado mais cedo que todos os outros, Ana Clara foi quem chegou mais tarde à mesa para a primeira refeição do dia.
- Olá, querida, ainda chegou a tempo de nos acompanhar para a refeição – disse o rei, sorrindo para a filha.
A princesa forçou um sorriso, deixando transparecer que não estava se sentindo muito à vontade.
- Você está bem, querida? – perguntou a mãe, preocupada.
- Claro, apenas acho que dormi demais e ainda assim estou sentindo sono.
A princesa cumprimentou o tio e as primas. Em seguida, sentou-se e começou a refeição. Como na noite anterior, o momento foi de descontração. O rei estava muito feliz e demonstrava orgulho pela família que tinha. De repente, o mensageiro aproximou-se.
- Majestade, peço-lhe perdão por interromper este momento, mas há sete homens, fortemente armados, que desejam lhe falar.
O rei olhou para o mensageiro, surpreso com a notícia. Sete homens armados?
- Muito bem. Tamara, vamos. Martin, Ariadne, garotas, terminem a refeição sem nossa presença. 
Dizendo isso, o rei e a rainha dirigiram-se à sala do trono. Chegando lá, solicitou ao mensageiro que chamasse os homens. Momentos depois, o rei observava as grandes portas do castelo serem abertas e por elas passarem homens que pareciam ser guerreiros temíveis: cada um possuía duas espadas afixadas em suas costas, formando um X. Além das espadas, havia uma pequena lança, cuja ponta ultrapassava a altura dos homens; diversas outras armas estavam estrategicamente posicionadas em seus uniformes pretos, que cobriam quase todo o corpo – apenas a cabeça estava desprotegida. O rei também observou que um daqueles homens segurava um saco.
- Majestade – falou um dos homens, dando um passo à frente dos demais e inclinando um pouco o corpo. Os outros também se inclinaram.
- Quem são vocês e o que desejam em meu reino?
- Somos os guerreiros negros, rei Xavier. Temos uma proposta a lhe fazer – falou o homem que estava à frente dos outros.
- Uma proposta? – perguntou o rei, desconfiado. Alguma coisa naqueles homens parecia errada.
- Sim, majestade, mas antes queremos lhe dar uma demonstração.
- Muito bem, prossiga – disse o rei.
- Chame dez dos seus melhores lutadores.
O rei olhou para a sua esposa. Em seguida, decidiu:
- Chame o capitão – falou, olhando na direção do mensageiro.
- Sim, senhor – respondeu o mensageiro, com uma reverência, retirando-se da sala.
Momentos depois, o capitão entrava na sala do trono.
- Majestade, rainha – cumprimentou o homem, inclinando o corpo.
- Capitão, reúna seus dez melhores soldados e traga-os aqui.
- Imediatamente, senhor – respondeu o capitão, retirando-se.
Pouco tempo depois, o homem voltava à sala com seus mais habilidosos soldados.
- Muito bem, e agora? – perguntou o rei, olhando na direção do guerreiro negro.
- Randal – chamou o homem.
Um dos guerreiros de seu grupo deu um passo à frente.
- Randal enfrentará seus dez homens, todos ao mesmo tempo. Se perder, lhe entregaremos isto e iremos embora – disse, recebendo de um de seus companheiros o saco que segurava.
O homem aproximou-se do rei e, abaixando-se, abriu o saco para mostrar o seu conteúdo: rubis, safiras, pérolas e diamantes esparramaram-se pelo chão. O rei olhou cobiciosamente para a fortuna aos seus pés, imaginando que se encontrava em seu dia de sorte.
- E se o seu homem ganhar, o que acontecerá? – perguntou a rainha.
O rei olhou para ela abismado, incapaz de acreditar que sua esposa houvesse feito aquela pergunta. Um único homem bater em seus dez maiores guerreiros? Ridículo, simplesmente ridículo...
- Se o meu homem ganhar, rainha, então vossas majestades ouvirão a proposta que temos a lhes fazer.
Rapidamente, os outros cinco guerreiros aproximaram-se do trono, abaixaram-se e começaram a colocar as joias de volta ao saco. Em instantes, tudo estava recolhido.
- Estou ansioso para ver o combate – disse o rei.
O guerreiro negro balançou a cabeça, em sinal de concordância. Em seguida, olhou para Randal, que se afastou um pouco de todos. O rapaz foi cercado pelos dez homens do rei, esperando que começassem a atacá-lo.
Os dois primeiros homens que avançaram na direção do guerreiro foram rapidamente eliminados por ele. Randal pulou, girou o corpo e acertou um fortíssimo chute no rosto de um dos soldados. Ao tocar o chão, girou o corpo mais uma vez e acertou as pernas do segundo adversário. Dois estavam nocauteados.
Vendo a habilidade do monge, três homens resolveram atacar em grupo, um ao lado do outro. Com velocidade e força surpreendente, Randal levantou um dos guerreiros que nocauteara e o atirou na direção dos soldados, acertando os três. Os homens seguraram o companheiro nocauteado, mas logo foram derrubados pelo adversário, que pulou e acertou um chute nas costas do guerreiro desacordado, fazendo os três soldados serem lançados a vários passos.
Os cinco restantes atacaram em conjunto. Dois estavam armados com grandes bastões e os outros com espadas. Atacavam Randal de todos os lados, mas o guerreiro era rápido e ágil demais. Valendo-se de técnicas de esquiva, combinadas com socos e chutes nos momentos certos, defendia-se e atacava com perícia singular. Momentos depois, dez homens jaziam no chão.
O rei olhava para seus soldados, incapaz de acreditar no que via. Como era possível que um único homem derrotasse uma dezena de seus melhores combatentes? Olhou para sua esposa, que parecia pensativa, em seguida mirou o olhar no guerreiro que lhe dirigiu a palavra.

- Qual a sua proposta? – perguntou o rei, com a sensação de que aquilo que ouviria nos próximos momentos traria muito sofrimento a ele e a sua família.

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