domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 2

- Ei, acorde, sua dorminhoca!
            A princesa abriu os olhos, sonolenta. Na noite anterior, dormira muito pouco e agora sentia o corpo reclamar. Ao lado de sua cama estavam suas primas, rindo com a tentativa de tirá-la do mundo dos sonhos.
            - Mas o que... – começou a dizer a princesa, sendo logo interrompida por Jaíne.
            - Já tomamos café e você ainda nem saiu da cama!
            - É, vamos aproveitar o dia. Lembre-se de que amanhã cedo estaremos indo embora – disse Aléxia.
            - Ah, é verdade – concordou a princesa. – Vocês chegaram aqui sexta à noite e já estão indo. Como o tempo passou rápido...
            - Sim, e é por isso que não temos tempo a perder. Tome – disse Jaíne, tirando algumas roupas do armário da princesa.
            - Por que estas roupas? – perguntou a princesa.
            - Por mais encantador que seja o seu castelo, Ana, não queremos ficar o dia todo trancadas aqui.
            - Meu pai não gosta de me ver sair do castelo sem os guarda-costas – comentou a princesa.
            - Ana, você não estará sozinha. Além disso, andaremos apenas por locais movimentados – respondeu Jaíne.
            - Mas...
            - Nada de “mas”. Você é filha e não prisioneira do rei. Venha, vamos viver um pouco – continuou Jaíne. - E não se preocupe, nós falaremos com o tio.
            Momentos depois, a princesa e suas primas estavam passeando pelas ruas da cidade.
            - Aonde iremos? – perguntou a princesa.
            - Diga-nos você. Esta parte da cidade é sua, não esqueça que moramos longe daqui. Você, querida prima, deve ser a nossa guia – respondeu Aléxia.
            - Tudo bem. Vamos à praça. Acho que gostarão de lá.
            O trio dirigiu-se à praça. Lá observaram as crianças brincando, pessoas de idade passeando com seus animais de estimação e mães amamentando seus filhos recém-nascidos. De repente, dois casais, de mãos dadas, passaram por elas. Jaíne e Aléxia começaram a rir baixinho, mas Ana Clara sentiu-se triste. A solidão sempre a atormentara, agora mais do que nunca. Mas estava disposta a não estragar o dia das primas. Assim, forçou um sorriso.
            Passearam mais um pouco e foram fazer um lanche em uma pequena casa de alimentação, situada dentro da praça.
            - Ei, moça – chamou Jaíne.
            A garota aproximou-se.
            - Os seus pedidos, por favor.
            - Queremos três sanduíches completos e, para beber, leite.
            Momentos depois, a garota chegava com uma bandeja. Depositou sobre a mesa três sanduíches e três copos de leite.
            - Isso está uma delícia – comentou Ana Clara, após algumas mordidas.
            - Bem diferente da comida de sua casa, não? – perguntou Aléxia.
            - E como – respondeu a princesa. – Meu pai jamais me deixaria comer isso!
            - Nada como umas coisas gordurosas de vez em quando – falou Jaíne, apontando para o sanduíche feito com bife e um molho bem forte.
            - Agora entendo esse negócio de viver um pouco... – disse a princesa, fazendo as outras rirem gostosamente.
            - Alguma ideia de onde podemos ir depois? – perguntou Jaíne.
            - Que tal voltarmos à praça? Há um pequeno zoológico lá dentro.
            - Nossa, é mesmo? E que animais tem lá? – quis saber Aléxia.
            - Não me recordo, prima, faz muito tempo que não visito aquele lugar.
            - Muito bem, gostei da ideia – disse Jaíne.
            As garotas terminaram a refeição, pagaram o lanche e voltaram à praça. Ficaram admiradas com o tamanho do lugar e a quantidade de animais ali expostos. Quando a princesa falou que se tratava de um pequeno zoológico, imaginaram algo pelo menos três vezes menor.
            - É melhor retornarmos ao castelo. Meu pai disse para voltarmos em tempo de almoçar – disse a princesa, após um bom tempo.
            Jaíne e Aléxia concordaram e as três começaram a voltar para o castelo.
            - O passeio estava bom? – perguntou a rainha, gentilmente.
            Aléxia e Jaíne comentaram alegremente os locais visitados. Ana Clara ficou em silêncio, apenas sorrindo e balançando a cabeça em sinal de concordância.
            - Gostaríamos de passear mais um pouco pela tarde, tio. Há muito para se ver por aqui.
            - Hum, tudo bem – respondeu o rei, pensativo.
            Após o almoço, as garotas saíram animadas do castelo. Passeariam a tarde toda.
            - Aonde vamos agora? – quis saber Aléxia.
            - Que tal visitarmos algumas lojas? – sugeriu Jaíne.
            - Ótima ideia. Conheço algumas muito legais. Vamos?
            As garotas acompanharam Ana Clara, mas estranharam o caminho.
            - Ana, vamos entrar novamente no zoológico? – quis saber Jaíne.
            - Ah, sim, pegaremos um atalho. Se não fôssemos por aqui, teríamos que caminhar muito.
            - Mas não há lojas mais perto?
            - Claro que sim, Aléxia. Há muitas outras bem mais próximas, mas são sem graça. Vou levá-las a lugares bem interessantes.
            A princesa e suas primas conversavam alegremente. O local onde se encontravam agora apresentava uma vegetação rasteira, com poucas árvores. Entretidas na conversa, não perceberam que não estavam sozinhas naquele ambiente. Foi com surpresa que ouviram uma gargalhada não muito atrás delas.
            - Ana, é melhor corrermos – falou Aléxia, avaliando rapidamente a situação – meia dúzia de rapazes as observavam com notável interesse, alguns gargalhando de forma grotesca.
            Rapidamente as meninas viraram-se, prontas para correr. Eram meninas e tinham uma boa distância a percorrer, mas aqueles rapazes não estavam muito perto. Certamente teriam chance de escapar deles, caso tivessem intenções não muito boas para com elas. Porém, as garotas não chegaram a dar um único passo. Estacaram, observando nervosamente que vários rapazes vinham de todas as direções, cercando-as por todos os lados.
            Ana Clara começou a sentir-se muito mal. Por sua causa, Jaíne e Aléxia estavam encrencadas. Por que tinha que vir por aqui? Não estando com seus guarda-costas, o mais sensato teria sido evitar este caminho. Agora aqueles rapazes aproximavam-se lentamente delas, demonstrando malícia em seus olhos. Que tipo de perigo representavam?
            Encurraladas, sem ter o que fazer e para onde ir, as meninas não tiveram escolha a não ser ficarem paradas, esperando pelo pior. Quando os rapazes estavam bem próximos, Ana Clara estava aterrorizada. Sua mente era incapaz de pensar racionalmente. Sabia apenas que ela e suas primas estavam perdidas.
            - Mas o que temos aqui? – perguntou um dos rapazes, virando uma garrafa na boca.
            As garotas sentiram o mau hálito do rapaz, imaginando o que viria a seguir.
            - Parece que as franguinhas se perderam, Carlo.
            O rapaz bêbado entortou a boca quando riu.
            - É, mas não se preocupem, damas. Nós as encontramos e achado não é roubado – falou o rapaz, rindo com escárnio.
            Os outros também pareceram achar graça, pois riam muito.
            O bêbado aproximou o seu rosto do rosto de Ana Clara.
            - Vocês são deliciosas.
            Em outras circunstâncias, a princesa teria virado o rosto por causa do cheiro extremamente desagradável da boca daquele garoto. Mas estava horrorizada para esboçar qualquer reação. Apenas ficou parada, olhando fixamente para o rosto daquele rapaz terrível.
            - Por favor, deixem-nos passar – falou Aléxia, tentando não demonstrar medo.
            - Ah, alguém aqui sabe falar – disse o rapaz, virando-se na direção de Aléxia. – Já essas duas aqui – apontou para Ana Clara e Jaíne – são mudas. Que desperdício, lindas e deficientes...
            Alguns começaram a rir, mas pararam ao ver a mão do bêbado ser erguida.
            De você, princesa, eu cuido mais tarde – falou, apontando para Aléxia. – Agora eu quero esta belezura aqui – disse, olhando fixamente para Ana Clara.
            - Por favor, eu só quero...
            Ana Clara ia dizer que queria apenas continuar a caminhada, mas o rapaz a interrompeu:
            - Eu sei o que você quer, menina – falou o rapaz, abraçando fortemente a princesa.
            Ana Clara começou a soluçar. Jaíne e Aléxia pularam em cima do rapaz, numa tentativa de fazê-lo soltar a prima. Aléxia chegou até mesmo a arranhar o rosto dele com as unhas. O garoto gemeu.
            - Malditas – gritou o rapaz, empurrando-as. Ambas caíram no chão e, antes que pudessem se levantar, Carlo já estava sobre elas, ameaçando-as. - Querem mais, meninas? Estão gostando? Eu sei do que vocês estão a fim, suas nojentas. Eu vou...
            - Ei, mas o que está acontecendo aqui?
            O garoto não conseguia acreditar que alguém estava estragando sua diversão. Virou-se e olhou raivosamente na direção da voz.
            - Quem diabos é você?
            - O que pensam que estão fazendo? – retrucou o outro rapaz. – Deixem estas garotas em paz!
            O bêbado abaixou a cabeça e a abanou para os lados, lentamente.
            - Você deve ser retardado, cara. Não aprendeu a contar, não? Esta aqui é a minha quadrilha. Somos dezesseis e você é apenas um. Vou lhe dar a oportunidade de ir embora. Desapareça da minha frente.
            Dizendo isso, o rapaz virou-se para Jaíne e Aléxia, que ainda se encontravam caídas no chão.
            - Onde é que estávamos mesmo? Ah, sim, eu ia...
            - Solte as meninas.
            O outro virou-se furioso, mais uma vez.
            - É inacreditável. Você novamente?
            Olhou para os seus amigos e falou:
            - Vocês viram. Eu fui legal com ele, deixei que seguisse caminho e por duas vezes, vejam bem, por duas malditas vezes o infeliz me atrapalhou.
            O garoto parou um pouco, em seguida prosseguiu.
            - Meu velho, essa eu não vou deixar passar. Vou lhe dar uma lição que nunca mais esquecerá. Prepare-se.
            Dizendo isso, o bêbado deixou sua garrafa com um de seus amigos e foi para cima do imbecil que o desafiara. Mas o bêbado nem percebeu o que o atingiu, tamanha a velocidade do golpe. Apenas sentiu seu corpo ser lançado longe e tudo escurecer.
            Todos ficaram pasmos com a reação rápida e violenta do rapaz. Numa fração de tempo, derrotara o seu líder que, mesmo bêbado, era um excelente lutador. Porém, aquele desconhecido, sem esforço algum, o nocauteara.
            Sem aviso, o rapaz deu vários saltos mortais para trás, deixando seu corpo em posição de combate e convidando os quinze integrantes da gangue a uma luta feroz. Lentamente, os marginais se aproximaram dele e fizeram um círculo a sua volta. Os bandidos sacaram suas armas – espadas e bastões – e partiram para cima do rapaz, num ataque brutal. Mas o garoto era muito forte, rápido e ágil. Seus movimentos eram tão precisos que usava as armas dos adversários contra eles mesmos.
            Ana Clara e suas primas estavam abismadas. Com facilidade surpreendente, o desconhecido vencia uma quadrilha inteira e ainda por cima desarmado. Quem seria aquele rapaz?
            A luta não demorou muito. Quando acabou, havia marginais desmaiados por todos os lados. O rosto daquele rapaz, que esbanjava uma fúria sem igual, agora adquiria um aspecto bonito, atraente – pensamento que se passou pela cabeça da princesa.
            - Vocês estão bem? – perguntou, de maneira educada, com um sorriso encantador.
            - Obrigada, muito obrigada – respondeu Aléxia.
            - Qual o seu nome? – quis saber Jaíne.
            - Eu me chamo Cristofer. E vocês?
            - Eu sou Jaíne.
            - Meu nome é Aléxia.
            Cristofer olhou na direção da princesa, esperando saber seu nome, mas tudo o que a garota disse foi:
            - Como você consegue?
            - O quê? Desculpe, mas não entendi sua pergunta.
            - Como consegue lutar e derrotar tantas pessoas ao mesmo tempo?
            - Ah, isso. Bem, não é tão difícil assim, eu sou um monge muito bem treinado.
            - Monge? Você é um monge?
            - Claro – disse o rapaz, divertido com a confusão da garota.
            - Mas eu sempre pensei que fosse algum tipo de lenda, nunca cheguei a acreditar que existissem realmente.
            - Ora, e por quê? Tudo bem que quase não passeamos pela cidade, mas não somos lenda.
            - Mas por que se escondem? Quero dizer, onde moram?
            - Ah, você quer dizer o templo – falou o rapaz, sorrindo. – É um pouco afastado da civilização. Parece estar no sangue o nosso desejo pela paz.
            Jaíne e Aléxia mantinham-se em silêncio. Quando o rapaz falou no desejo de paz, a reação das duas foi idêntica: olharam para os dezesseis marginais desmaiados e se entreolharam. Mas Ana Clara parecia compreender melhor.
            - Olha, por que não vamos andando e eu explico um pouco melhor as tradições dos monges pelo caminho?
            As garotas concordaram e passaram a andar ao lado de Cristofer. O rapaz tinha uma conversa agradável, sabia como ser divertido. Contou alguns casos do mestre que fizeram as meninas rirem gostosamente. Ao final do caminho, as garotas estavam em frente a uma das lojas que queriam visitar, e o monge precisava seguir até o templo.
            - Bem, tenho que ir andando. Se me atrasar, serei castigado. Meu mestre é muito severo.
            - Espere, você gosta da praça? – perguntou a princesa, de repente.
            - É um lugar muito bonito. Sim, eu gosto de lá.
            - Eu visito a praça todos os domingos, pela tarde – falou Ana Clara.
            O monge balançou a cabeça, em sinal de concordância.
            - Bem, foi uma satisfação muito grande conhecer vocês, mas eu realmente tenho que ir. Até qualquer dia, meninas.
            Ana Clara observou o rapaz se afastar. Mas alguns passos depois, ele parou, virou-se e olhou em sua direção.

            - Espere, você ainda não me disse o seu nome.

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