domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 3

Quatro meses havia transcorrido desde o dia da compra da casa. Nas últimas oito semanas, Rodrigues trabalhara com as lajotas dos pisos e os azulejos das paredes dos banheiros e da cozinha. Por fim, cumpriu sua promessa de transformar a propriedade na casa mais bonita da rua, usando seus conhecimentos de paisagista para decorar o pátio. E o terreno ficou realmente bonito: alguns canteiros eram circulares, outros retangulares; trilhas de tijolos maciços distribuíam-se pelo local; estátuas de diversos tamanhos foram estrategicamente posicionadas; uma casinha de madeira, de seis metros quadrados e dois pavimentos fechava com chave de ouro a bela decoração do ambiente.
..........- Finalmente tudo está pronto, querida – disse Rodrigues a sua mulher, ao vê-la entrar na cozinha.
..........- A casa está lindíssima, amor. Você vai ganhar dinheiro como paisagista nesta cidade.
..........Rodrigues sorriu, satisfeito com o comentário. Ele e sua mulher adoraram a casa. Maria Alice não demonstrara ânimo, mas nunca dissera nada contra a mudança. O maior problema seria Tassiane...
..........- Bem, querida, agora que está pronta, acho que nem a Tassi irá reclamar.
..........- Eu espero que não – concordou a mulher.
..........- Talvez tenha sido um erro trazê-la aqui no dia em que a compramos. A casa estava horrível, por esse motivo a Tassi não se sentiu bem.
..........- Querido, já falamos sobre isso, não quero vê-lo se culpando, está bem? A casa estava feia, agora não está mais. Você se esforçou muito para deixá-la linda.
..........Rodrigues abraçou a sua mulher. Júlia era uma ótima esposa e mãe. Dedicava-se ao marido e às filhas de um modo notável.
..........- A sorte sorriu para mim no dia em que te encontrei – falou o homem à mulher, agradecido por suas palavras de consolo.
..........- Vamos, amor, as meninas estão nos esperando.
               
..........-Amanhã será o grande dia, meninas! Casa nova, vida nova – falou Rodrigues à mesa, enquanto jantavam.
..........Tassiane sentiu suas costas ficarem arrepiadas. Há quatro meses, quando visitara a casa na companhia dos pais e da irmã, sentira-se mal. Algo naquela casa era maligno. Sentiu-se aterrorizada. Era como se uma coisa muito ruim fosse lhe acontecer. Lembrava-se que saíra às pressas, como se estivesse fugindo. Não queria voltar mais lá. Nunca mais. Mas os seus pais estavam enfeitiçados pela casa. Sua mãe lhe dissera muitas vezes para que parasse com histórias bobas de fantasmas. Falava sempre do esforço do pai, do trabalho que ele estava tendo para proporcionar uma vida melhor a todos.
..........Uma vida melhor. Ah, que piada! A menina sabia que sua vida iria piorar quando morasse naquela casa amaldiçoada. O que sentira, no dia em que a visitara, não era um sentimento natural. Alguma coisa estava terrivelmente errada naquela casa e apenas Tassiane percebera. Mas seus pais não acreditavam nela. Seu pai achava que era por causa do aspecto que a casa tinha, que Tassiane havia se sentido daquele jeito. A mãe, por sua vez, atribuía esse estado de espírito à saudade que a filha tinha dos amigos que deixara em Uruguaiana.
..........- Você verá como a nossa casa vai ser boa, querida – falou Rodrigues, olhando em direção a Tassiane. – Lá cada uma de vocês terá o seu próprio quarto.   
..........- E que quarto! – completou Júlia.
..........Tassiane observou que tanto os pais quanto a irmãzinha pareciam bem animados.
..........- O meu quarto é bem grande. Eu poderia ter uma estante para guardar todos os meus livros, pai?
..........- Claro, Alice. O quarto é tão grande que poderá ter uma estante enorme – respondeu o pai.
..........- É mesmo?
..........- Claro, querida. Vamos fazer assim: eu vou comprar as madeiras para fazer uma estante que caibam muitos livros, sua televisão, o rádio e o material escolar.
..........- Obrigada, pai – respondeu a garotinha, feliz.
..........- E você, meu bem, vai querer alguma coisa para o seu quarto novo? – perguntou o homem, olhando na direção de Tassiane.
..........- Não, obrigada, pai.
..........- Amanhã vocês verão como a casa está bonita. Ninguém, que a veja agora, acreditaria que estivesse do jeito que nós vimos há quatro meses – comentou Júlia, com um largo sorriso. – E seu pai fez tudo sozinho – acrescentou a mulher.
..........- Eu posso me deitar agora? – perguntou Tassiane, com um olhar abatido.
..........- Sente-se bem, filha? Você mal tocou na comida...
..........- Só estou cansada, mãe. E também sem fome.
..........- Tudo bem, querida, vá dormir.
..........Júlia observou Tassiane retirar-se da mesa em direção ao seu quarto. Tomara que não seja nada relacionado à nova casa, pensou a mulher.
..........- Pai, e para guardar os meus brinquedos? – perguntou Maria Alice. – Eu não vou deixá-los no chão, não é?
..........- É claro que não. Já está na minha lista as madeiras que tenho que comprar, para fazer um grande armário.
..........- Legal, pai.
..........- É, também acho legal. Mas agora está na hora de dormir, mocinha – falou a mulher.
..........Maria Alice abraçou seus pais e foi para o quarto. Viu Tassiane deitada de costas, as mãos cruzadas sob a nuca, o olhar parado, mirando para o alto. Parecia que estava dormindo de olhos abertos.
..........- Em que está pensando? – perguntou Maria Alice, enquanto subia à beliche.
..........- A partir de amanhã, dormiremos sozinhas, pois cada uma terá o seu quarto. Você não está com medo?
..........- É claro que não – respondeu Maria Alice na mesma hora. – Eu quero ter um quarto só para mim.
..........Eu sou a única que está com medo, pensou Tassiane, infeliz. Por que somente ela havia sentido algo ruim na casa? Isso não fazia o menor sentido. Se a casa fosse realmente maligna, todos deveriam se sentir daquele jeito, refletiu a menina.

..........Eram cerca de sete horas da manhã quando o caminhão de mudanças encostou em frente a casa alugada pelo Sr. Rodrigues.
..........- Querido, deve ser o caminhão – falou Júlia, ao ouvir a buzina.
..........- Ótimo. Você leva as crianças à escola que eu vou ficar aqui, ajudando a transportar os móveis.
..........Júlia dirigiu-se ao quarto das garotas. As duas ainda dormiam.
..........- Tassiane, Alice, acordem, vamos!
..........- O que é essa barulheira? – perguntou Tassiane, sonolenta.
..........- Os homens estão começando a carregar os móveis, Tassi. Você e sua irmã devem se arrumar agora. O café está na mesa – falou a mulher, saindo do quarto.
..........- Ei, sua dorminhoca, acorde – falou Tassiane a Maria Alice, que ainda estava deitada.
..........Maria Alice reclamou um pouco, mas logo estava em pé, trocando a roupa. Em minutos, as meninas se encontravam à mesa para o café.
..........- Gurias, quando eu for à escola hoje para buscá-las, iremos direto para a nova casa.
..........Maria Alice sorriu, mas Tassiane empalideceu. Seus pais trabalhariam na mudança pela manhã e, à tarde, já estariam naquele lugar detestável.
..........Quando visitara a casa, quatro meses atrás, Tassiane passou as duas semanas seguintes tentando convencer a mãe a falar com o pai para que desistisse da propriedade. Mas sua mãe não quis escutá-la e o seu pai a ignorou por completo na primeira tentativa, ao final da segunda semana. Percebendo que não podia impedir o inevitável, Tassiane desistiu. Então passou para uma outra linha de raciocínio: tentava não pensar na casa, nem no dia em que iria morar lá, na esperança de que tal dia nunca chegasse. Mas ele chegou. Era hoje.
..........- Vai ficar aí, com essa cara de abobada? A mamãe está esperando no carro – disse Maria Alice, trazendo Tassiane de volta à realidade.
..........Tassiane percebeu que segurava o sanduíche. Não havia comido nem a metade. Olhou para a xícara de café, observado que mal o havia tocado. Colocou o sanduíche num prato, levantou-se da cadeira e foi para o carro.
               
..........- Meninas, chegamos. A partir de agora, iniciaremos uma nova vida – falou Júlia, acionando o dispositivo para abrir o portão.
..........De dentro do carro, Tassiane observava o caminhão da mudança, ainda parado em frente à nova casa. O carro começou a andar, entrando no pátio, cujo nível era bem mais elevado que o da rua. A garota observou o terreno muito bem decorado e a casa completamente reformada. Desta vez, não sentiu nenhum mal-estar. Parecia uma casa como outra qualquer. Não, não era uma simples casa, mas sim um casarão lindo.
..........- Olá, garotas, gostaram da casa? – perguntou Rodrigues às filhas, que ainda não a tinham visto completamente reformada.
..........Ao ver que não só Maria Alice, mas Tassiane também sorria, o homem sentiu-se aliviado. Terminou de acertar o pagamento com os homens da mudança e aproximou-se das filhas.
..........- E então? Está muito bonita, não?
..........- Essa casa é linda, pai – respondeu Maria Alice.
..........- É, eu também gostei – concordou Tassiane.
..........Rodrigues e Júlia se entreolharam e sorriram. Tudo havia dado certo, afinal de contas.

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