Quatro meses havia transcorrido desde o dia da compra da casa. Nas
últimas oito semanas, Rodrigues trabalhara com as lajotas dos pisos e os
azulejos das paredes dos banheiros e da cozinha. Por fim, cumpriu sua promessa
de transformar a propriedade na casa mais bonita da rua, usando seus
conhecimentos de paisagista para decorar o pátio. E o terreno ficou realmente
bonito: alguns canteiros eram circulares, outros retangulares; trilhas de
tijolos maciços distribuíam-se pelo local; estátuas de diversos tamanhos foram
estrategicamente posicionadas; uma casinha de madeira, de seis metros quadrados
e dois pavimentos fechava com chave de ouro a bela decoração do ambiente.
..........- Finalmente
tudo está pronto, querida – disse Rodrigues a sua mulher, ao vê-la entrar na
cozinha.
..........- A casa está
lindíssima, amor. Você vai ganhar dinheiro como paisagista nesta cidade.
..........Rodrigues
sorriu, satisfeito com o comentário. Ele e sua mulher adoraram a casa. Maria
Alice não demonstrara ânimo, mas nunca dissera nada contra a mudança. O maior
problema seria Tassiane...
..........- Bem,
querida, agora que está pronta, acho que nem a Tassi irá reclamar.
..........- Eu espero
que não – concordou a mulher.
..........- Talvez
tenha sido um erro trazê-la aqui no dia em que a compramos. A casa estava
horrível, por esse motivo a Tassi não se sentiu bem.
..........- Querido, já
falamos sobre isso, não quero vê-lo se culpando, está bem? A casa estava feia,
agora não está mais. Você se esforçou muito para deixá-la linda.
..........Rodrigues
abraçou a sua mulher. Júlia era uma ótima esposa e mãe. Dedicava-se ao marido e
às filhas de um modo notável.
..........- A sorte
sorriu para mim no dia em que te encontrei – falou o homem à mulher, agradecido
por suas palavras de consolo.
..........- Vamos,
amor, as meninas estão nos esperando.
..........-Amanhã será
o grande dia, meninas! Casa nova, vida nova – falou Rodrigues à mesa, enquanto
jantavam.
..........Tassiane
sentiu suas costas ficarem arrepiadas. Há quatro meses, quando visitara a casa
na companhia dos pais e da irmã, sentira-se mal. Algo naquela casa era maligno.
Sentiu-se aterrorizada. Era como se uma coisa muito ruim fosse lhe acontecer.
Lembrava-se que saíra às pressas, como se estivesse fugindo. Não queria voltar
mais lá. Nunca mais. Mas os seus pais estavam enfeitiçados pela casa. Sua mãe
lhe dissera muitas vezes para que parasse com histórias bobas de fantasmas.
Falava sempre do esforço do pai, do trabalho que ele estava tendo para
proporcionar uma vida melhor a todos.
..........Uma vida
melhor. Ah, que piada! A menina sabia que sua vida iria piorar quando morasse
naquela casa amaldiçoada. O que sentira, no dia em que a visitara, não era um
sentimento natural. Alguma coisa estava terrivelmente errada naquela casa e
apenas Tassiane percebera. Mas seus pais não acreditavam nela. Seu pai achava
que era por causa do aspecto que a casa tinha, que Tassiane havia se sentido
daquele jeito. A mãe, por sua vez, atribuía esse estado de espírito à saudade
que a filha tinha dos amigos que deixara em Uruguaiana.
..........- Você verá
como a nossa casa vai ser boa, querida – falou Rodrigues, olhando em direção a
Tassiane. – Lá cada uma de vocês terá o seu próprio quarto.
..........- E que
quarto! – completou Júlia.
..........Tassiane
observou que tanto os pais quanto a irmãzinha pareciam bem animados.
..........- O meu
quarto é bem grande. Eu poderia ter uma estante para guardar todos os meus
livros, pai?
..........- Claro, Alice.
O quarto é tão grande que poderá ter uma estante enorme – respondeu o pai.
..........- É mesmo?
..........- Claro,
querida. Vamos fazer assim: eu vou comprar as madeiras para fazer uma estante
que caibam muitos livros, sua televisão, o rádio e o material escolar.
..........- Obrigada, pai – respondeu a garotinha, feliz.
..........- E você, meu
bem, vai querer alguma coisa para o seu quarto novo? – perguntou o homem,
olhando na direção de Tassiane.
..........- Não,
obrigada, pai.
..........- Amanhã
vocês verão como a casa está bonita. Ninguém, que a veja agora, acreditaria que
estivesse do jeito que nós vimos há quatro meses – comentou Júlia, com um largo
sorriso. – E seu pai fez tudo sozinho – acrescentou a mulher.
..........- Eu posso me
deitar agora? – perguntou Tassiane, com um olhar abatido.
..........- Sente-se
bem, filha? Você mal tocou na comida...
..........- Só estou cansada, mãe. E também sem fome.
..........- Só estou cansada, mãe. E também sem fome.
..........- Tudo bem,
querida, vá dormir.
..........Júlia
observou Tassiane retirar-se da mesa em direção ao seu quarto. Tomara que não
seja nada relacionado à nova casa, pensou a mulher.
..........- Pai, e para
guardar os meus brinquedos? – perguntou Maria Alice. – Eu não vou deixá-los no
chão, não é?
..........- É claro que
não. Já está na minha lista as madeiras que tenho que comprar, para fazer um
grande armário.
..........- Legal, pai.
..........- É, também
acho legal. Mas agora está na hora de dormir, mocinha – falou a mulher.
..........Maria Alice
abraçou seus pais e foi para o quarto. Viu Tassiane deitada de costas, as mãos
cruzadas sob a nuca, o olhar parado, mirando para o alto. Parecia que estava
dormindo de olhos abertos.
..........- Em que está
pensando? – perguntou Maria Alice, enquanto subia à beliche.
..........- A partir de
amanhã, dormiremos sozinhas, pois cada uma terá o seu quarto. Você não está com
medo?
..........- É claro que
não – respondeu Maria Alice na mesma hora. – Eu quero ter um quarto só para
mim.
..........Eu sou a
única que está com medo, pensou Tassiane, infeliz. Por que somente ela havia
sentido algo ruim na casa? Isso não fazia o menor sentido. Se a casa fosse
realmente maligna, todos deveriam se sentir daquele jeito, refletiu a menina.
..........Eram cerca de
sete horas da manhã quando o caminhão de mudanças encostou em frente a casa
alugada pelo Sr. Rodrigues.
..........- Querido,
deve ser o caminhão – falou Júlia, ao ouvir a buzina.
..........- Ótimo. Você
leva as crianças à escola que eu vou ficar aqui, ajudando a transportar os móveis.
..........Júlia
dirigiu-se ao quarto das garotas. As duas ainda dormiam.
..........- Tassiane, Alice,
acordem, vamos!
..........- O que é essa barulheira? – perguntou Tassiane, sonolenta.
..........- O que é essa barulheira? – perguntou Tassiane, sonolenta.
..........- Os homens
estão começando a carregar os móveis, Tassi. Você e sua irmã devem se arrumar
agora. O café está na mesa – falou a mulher, saindo do quarto.
..........- Ei, sua
dorminhoca, acorde – falou Tassiane a Maria Alice, que ainda estava deitada.
..........Maria Alice
reclamou um pouco, mas logo estava em pé, trocando a roupa. Em minutos, as
meninas se encontravam à mesa para o café.
..........- Gurias,
quando eu for à escola hoje para buscá-las, iremos direto para a nova casa.
..........Maria Alice
sorriu, mas Tassiane empalideceu. Seus pais trabalhariam na mudança pela manhã
e, à tarde, já estariam naquele lugar detestável.
..........Quando
visitara a casa, quatro meses atrás, Tassiane passou as duas semanas seguintes
tentando convencer a mãe a falar com o pai para que desistisse da propriedade.
Mas sua mãe não quis escutá-la e o seu pai a ignorou por completo na primeira
tentativa, ao final da segunda semana. Percebendo que não podia impedir o
inevitável, Tassiane desistiu. Então passou para uma outra linha de raciocínio:
tentava não pensar na casa, nem no dia em que iria morar lá, na esperança de
que tal dia nunca chegasse. Mas ele chegou. Era hoje.
..........- Vai ficar
aí, com essa cara de abobada? A mamãe está esperando no carro – disse Maria
Alice, trazendo Tassiane de volta à realidade.
..........Tassiane
percebeu que segurava o sanduíche. Não havia comido nem a metade. Olhou para a
xícara de café, observado que mal o havia tocado. Colocou o sanduíche num
prato, levantou-se da cadeira e foi para o carro.
..........- Meninas,
chegamos. A partir de agora, iniciaremos uma nova vida – falou Júlia, acionando
o dispositivo para abrir o portão.
..........De dentro do
carro, Tassiane observava o caminhão da mudança, ainda parado em frente à nova
casa. O carro começou a andar, entrando no pátio, cujo nível era bem mais
elevado que o da rua. A garota observou o terreno muito bem decorado e a casa
completamente reformada. Desta vez, não sentiu nenhum mal-estar. Parecia uma
casa como outra qualquer. Não, não era uma simples casa, mas sim um casarão
lindo.
..........- Olá,
garotas, gostaram da casa? – perguntou Rodrigues às filhas, que ainda não a
tinham visto completamente reformada.
..........Ao ver que
não só Maria Alice, mas Tassiane também sorria, o homem sentiu-se aliviado.
Terminou de acertar o pagamento com os homens da mudança e aproximou-se das
filhas.
..........- E então?
Está muito bonita, não?
..........- Essa casa é
linda, pai – respondeu Maria Alice.
..........- É, eu
também gostei – concordou Tassiane.
..........Rodrigues e
Júlia se entreolharam e sorriram. Tudo havia dado certo, afinal de contas.
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