domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 4

Quase três semanas havia se passado, e tudo estava normal na nova casa. Tassiane gostava de seu quarto que ficava no segundo pavimento, próximo a uma palmeira. Tinha uma boa vista. Tassiane também gostava de olhar de lá do alto para o terreno, cuja decoração fora elaborada por seu pai.
..........A garota sorriu ao lembrar como havia sido tão infantil ao tentar dissuadir seus pais da ideia de morarem ali. Que bobagem teria sido aquela? A casa era perfeita – pensou Tassiane. Ainda não recebera a visita de nenhum colega de sua escola porque todos moravam longe, mas estava planejando algo assim com suas amigas prediletas.
..........Naquele momento, encontrava-se em seu quarto, curtindo a paisagem pela janela. Embora estivesse escuro, o pátio estava bem iluminado, pois o pai distribuíra vários pequenos postes ao longo das trilhas. À noite, com a iluminação dos postes, o terreno parecia ficar mais bonito ainda.
..........As batidas na porta do quarto desviaram a atenção de Tassiane.
..........- Tassi, mamãe mandou avisar que a janta está pronta – disse Maria Alice, sem abrir a porta.
..........- Já vou – respondeu Tassiane.
..........A garota aproximou-se da porta e a abriu. Olhou para os dois lados do corredor. Maria Alice não se encontrava mais à vista. Ela deve estar com fome, imaginou Tassiane, numa tentativa de explicar porque motivo a irmãzinha teria sumido tão rápido.
..........Tassiane saiu do quarto, fechou a porta e andou pelo corredor em direção à escada. Descendo a escadaria, chegou à sala. Ao entrar na cozinha, viu sua mãe de costas, junto ao fogão. Seu pai e sua irmã estavam sentados à mesa.
..........- Querida, vá chamar a Tassiane para o jantar.
..........- Já cheguei, mãe, não precisa mandar a Alice me chamar outra vez.
..........A garota percebeu a irmãzinha olhando-a de um modo estranho.
..........O pai continuava concentrado na leitura de uma revista de decoração.
..........- Ah, você está aí, querida – disse a mulher virando-se. – Bem, vamos jantar.
..........Todos agora estavam sentados à mesa, comendo. No momento em que Júlia iniciou uma conversa com o marido sobre decoração, Maria Alice olhou para a irmã mais velha e perguntou:
..........- Que negócio é esse de te chamar outra vez? Hoje eu não fui ao seu quarto avisar que a janta estava pronta.
..........Tassiane estremeceu.

..........- Você não vai dormir, querido? – perguntou Júlia a Rodrigues, horas mais tarde, quando se encontravam no quarto. O homem estava parado na janela, apreciando a decoração do pátio.
..........- Tem razão, é melhor eu ir me deitar – respondeu, fechando a janela.
..........Rodrigues deitou-se, cruzando as mãos atrás da cabeça, olhando fixamente para o teto.
..........- O que foi?
..........- Sei lá, Júlia. Por algum motivo, aquela galinha não me sai da cabeça.
..........Rodrigues se referia à galinha que atropelara em sua calçada, ao tentar entrar com o carro.
..........- É só uma galinha, amor. Deixe isso pra lá.
..........- Júlia, nossos vizinhos não têm galinheiros.
..........- Eu sei disso. Vai ver alguém comprou galinhas em um aviário e uma delas escapou.
..........- Essa é a única explicação racional, não?
..........- Acho que sim, querido.
..........Júlia tinha falado a mesma coisa ao marido pela manhã, após o incidente. Alguém pelo jeito ia dar uma festa e comprara várias galinhas. Uma delas devia ter escapado.
..........- Seja como for, querido, era só uma galinha. Esqueça o assunto, tá?
..........O homem fez silêncio.
..........- Olha, em vez de ficar preocupado com a galinha do vizinho, que tal cuidar de sua esposa?
..........Rodrigues riu e abraçou sua mulher. Não pensou mais no assunto.
..........- E aquela sua amiga, Júlia, não virá nos visitar?
..........- Ah, a Luciana? Ela está viajando, amor. Retorna só mês que vem.
..........- Estamos aqui há quase um mês e ainda não tivemos uma visita.
..........- Querido, a Luciana é a única pessoa que conhecemos que mora nesta cidade.
..........- É, tem razão. Acho melhor descansarmos, tivemos um dia cheio.

..........Era sexta-feira. Tassiane estava em seu quarto, sentada na cama, lendo o livro “As Crônicas de Nárnia”, retirado da biblioteca pública. Tratava-se de um volume único, com mais de setecentas páginas.
..........- Tassiane, hora da janta – falou Maria Alice, batendo à porta, sem abri-la.
..........- Já vou – respondeu a garota, colocando o marcador de página e deixando o livro sobre a cômoda.
..........Tassiane chegou à cozinha e viu sua mãe de costas, abaixada, tirando com calma o assado do fogão.
..........- Querida, vá chamar a Tassiane. A janta está servida.
..........- A Alice já me chamou, mãe – falou Tassiane, sentando-se à mesa.
..........- É claro que eu não te chamei – disse Maria Alice, irritada.
..........- Chamou, sim. É a segunda vez que você faz isso.
..........- Meninas, que discussão é essa?
..........- A Alice bate à minha porta para me chamar pra jantar e sai correndo. Quando eu chego à cozinha, ela diz que não me chamou. A primeira vez que ela fez isso foi na segunda-feira. Hoje ela fez de novo.
..........- É mentira. Você está inventando isso – retrucou Maria Alice, com raiva.
..........- Alice! Gurias! Parem!
..........Júlia olhou para o marido, absorto na leitura de uma revista de decoração.
..........- Rodrigues! Rodrigues!
..........- Hã? Ah, a janta está servida! Vamos comer?
..........Júlia e as filhas olharam espantadas para o homem. Rodrigues não havia se dado conta da confusão. Ficara o tempo inteiro hipnotizado pela revista.
..........- O que foi? – perguntou o homem, confuso com o fato de todos o encararem daquele jeito.
..........- Vamos comer – disse a mulher.

..........- Querido, acho que tem alguma coisa errada com esta casa – falou a mulher quando ela e o marido estavam no quarto.
..........- Do que está falando, Júlia?
..........- Você não percebeu que as meninas discutiram. Tassiane havia afirmado que Alice a tinha chamado duas vezes para jantar e Alice negava.
..........- Querida, é bobagem delas, você sabe disso.
..........- Talvez. Mas, e se não for?
..........- O que quer dizer, Júlia?
..........- Tassiane falou que Alice a chamou segunda-feira e a outra vez foi hoje.
..........- E daí?
..........- Daí que segunda-feira você atropelou a galinha na calçada. A partir daí, Tassiane começou a ficar estranha.
..........- Querida, não vamos fazer uma tempestade em um copo d'água, está bem? Galinhas são atropeladas, meninas discutem, a vida é assim. Vamos esquecer o assunto, tá?
..........- Tudo bem, amor. Prometo esquecer.
..........- Mesmo?
..........- Mesmo!

..........Tassiane encontrava-se em seu quarto. Retomara a leitura do livro “As Crônicas de Nárnia”. Mas um ruído chamou-lhe a atenção: um de seus ursinhos caíra da estante e acionara a voz “Eu te amo, eu te amo, eu te amo”, como se alguém tivesse pressionado sua barriga. A garota sobressaltou-se. Deixou cair o livro sobre a cama, aproximou-se da estante e sorriu ao ver o ursinho no chão. Colocou-o de volta à estante, deixando-o mais afastado da beirada. Voltou à cama para continuar a leitura.
..........Mal a menina começou a ler, ouviu outro ruído: uma das gavetas do roupeiro estava aberta. Tassiane ficou assustada. A noite estava estranha. Primeiro havia sido a sua irmã, em seguida o urso e agora a gaveta. A menina saiu da cama, com o objetivo de fechar a gaveta. Ao fechá-la, tomou um grande susto: a televisão ligou-se sozinha, com o volume ao máximo.
..........Tassiane começou a gritar. Foi até a porta e tentou abri-la, mas estava trancada. Forçou a maçaneta ao máximo que pôde e finalmente abriu a porta. Correu até o quarto dos pais.
..........- Mãe, abra a porta – gritava Tassiane, socando e chutando violentamente a porta.
..........- Tassi, mas o que...
..........A menina nem deixou o pai terminar a frase. Correu em direção à mãe.
..........- Eu não quero mais dormir naquele quarto – gritou a menina, desatando a chorar.
..........Júlia aproximou-se da filha e a abraçou. Alguma coisa a tinha perturbado profundamente. Era necessário acalmá-la.
..........- Tassi, está tudo bem. Acalme-se e nos conte o que está acontecendo, para que possamos ajudá-la.
..........- Tem alguma coisa errada naquele quarto, mãe – falou a garota, em meio aos gemidos. – Eu tenho ouvido vozes, meu ursinho caiu no chão, a gaveta do roupeiro abriu sozinha e a televisão se ligou por si.
..........- Tassi, você não vai começar outra vez com histórias de fantasmas, não é?
..........- Pai, tem alguma coisa errada naquele quarto. Por que não querem acreditar em mim?
..........- Filha, não há nada de errado com o quarto. Venha, eu vou lhe mostrar – disse a mãe, indo em direção à porta.
..........- Vamos, Tassi – falou o pai, vendo que a menina não se mexia.
..........Com relutância, Tassiane começou a andar. Deixou seus pais irem à frente. Esperou que entrassem em seu quarto. Aproximou-se da porta e ficou chocada com o que viu.
..........- Mas o que é isso? – perguntou Tassiane, perplexa.
..........- Agora chega. Que tipo de jogo está fazendo com a gente, mocinha? – perguntou o pai, irritado. A mãe também estava indignada.
..........- Tassiane, o que significa isso?
..........A garota não respondeu. Estava mais surpresa que seus pais ao ver a bagunça que estava seu quarto: tudo o que havia no roupeiro, na cômoda e na estante estava espalhado pelo chão. A televisão, de 29 polegadas, de alguma maneira tinha parado em cima de sua cama.
..........- Eu não sei por que você fez isso, Tassiane, mas trate de arrumar agora – falou o pai, saindo do quarto, logo após devolver a enorme televisão à estante.
..........- Mãe, eu não fiz isso.
..........- Pare com histórias, Tassiane. Ninguém está gostando disso.
..........- Mas, mãe...
..........- Chega. Vá arrumar o seu quarto.
..........Tassiane fechou a porta do quarto e começou a chorar. Desde segunda-feira, coisas estranhas começaram a acontecer com ela. Mas seus pais não acreditavam. Eles achavam que ela estava fazendo isso para que se mudassem. Naquele momento, Tassiane pensou no quanto gostaria de ir embora daquele lugar. Estava se sentindo tão mal quanto no dia em que visitou a casa pela primeira vez.
               
..........Eram cerca de 11h30min da manhã quando Tassiane acordou. Ficara até altas horas da madrugada arrumando o quarto. Levantou-se e trocou de roupas. Ouviu batidas na porta.
..........- Oi, Tassi – falou Maria Alice, entrando no quarto. – Já é quase meio-dia, a mãe me pediu para avisar você que o almoço está pronto.
..........- Ah, tá, já vou.
..........- Tem mais uma coisa.
..........Tassiane olhou para a irmãzinha, que procurava algo em seus bolsos.
..........- Quero te dar isso – disse a menina, mostrando a Tassiane a correntinha de prata, cujas extremidades se uniam em um pequeno coração.
..........- Nossa, como conseguiu isso?
..........- Você não gostou?
..........- É claro que gostei. Mas como conseguiu? Não parece ser uma bijuteria.
..........- Eu achei naqueles móveis antigos do porão.
..........- Você foi ao porão? Mas não é perigoso?
..........- Não tem nada lá, a não ser aqueles móveis velhos.
..........A menina pensou um pouco e prosseguiu:
..........- Vamos lá depois do almoço? Pode ser que a gente encontre mais coisas.
..........- Tudo bem, Alice, combinado.
..........A garotinha começou a sair do quarto da irmã mais velha, mas Tassiane a chamou:
..........- Alice.
..........A menina virou-se
..........- Obrigada pela pulseira.
..........Maria Alice sorriu e foi para a cozinha.
..........Tassiane olhou para a televisão, tentando imaginar como seus pais acreditaram que ela tivesse colocado o aparelho sobre a cama. Como conseguiria erguer algo tão grande e pesado? Ela tinha 29 polegadas! Mas o fato é que, mesmo pensando que tinha sido arte da filha mais velha, o pai a devolvera à estante, pensou a garota.
..........A menina foi para a cozinha. Sentia muita fome, pois trabalhara boa parte da madrugada. Sentou-se, receosa de que seus pais começassem a interrogá-la sobre a noite anterior. O que diria? Que fantasmas estavam deixando-a aterrorizada? Tassiane não fazia ideia do que responder, mas o fato é que seus pais não tocaram no assunto.
..........- Vamos lá? – perguntou Maria Alice à irmã mais velha, após o almoço.
..........- Tudo bem – respondeu Tassiane, levantando-se.
..........Tassiane nunca havia entrado no porão. Nunca tivera a curiosidade de saber o que encontraria lá, até agora.
..........- Quanta velharia. De onde vieram essas coisas?
..........- O pai disse que esses móveis estavam na casa. Quando começou reformá-la, trouxe tudo para cá – respondeu Maria Alice.
..........A garota mais velha ficou olhando os móveis. Havia armários, roupeiros, camas, mesas, cadeiras, uma escrivaninha e um fogão à lenha. Parecia um museu histórico.
..........- Venha, vamos ver se encontramos alguma coisa – convidou Maria Alice, começando a mexer em portas e gavetas.
..........Tassiane começou a vasculhar o ambiente. Encontrou um colar e um anel que pareciam ser de prata. Maria Alice achou roupas, revistas e livros. Reuniram todo o material sobre uma mesa.
..........Vai ficar com alguma coisa, Tassi?
..........- Eu gostei das coisas que encontrei. Sim, vou ficar. E você?
..........- As roupas são muito grandes e feias, não vou querer. Mas os livros e as revistas vão entrar para a minha coleção – respondeu a garotinha, feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário