Quase três semanas havia se passado, e tudo estava normal na nova
casa. Tassiane gostava de seu quarto que ficava no segundo pavimento, próximo a
uma palmeira. Tinha uma boa vista. Tassiane também gostava de olhar de lá do
alto para o terreno, cuja decoração fora elaborada por seu pai.
..........A garota
sorriu ao lembrar como havia sido tão infantil ao tentar dissuadir seus pais da
ideia de morarem ali. Que bobagem teria sido aquela? A casa era perfeita –
pensou Tassiane. Ainda não recebera a visita de nenhum colega de sua escola
porque todos moravam longe, mas estava planejando algo assim com suas amigas
prediletas.
..........Naquele
momento, encontrava-se em seu quarto, curtindo a paisagem pela janela. Embora
estivesse escuro, o pátio estava bem iluminado, pois o pai distribuíra vários
pequenos postes ao longo das trilhas. À noite, com a iluminação dos postes, o
terreno parecia ficar mais bonito ainda.
..........As batidas na
porta do quarto desviaram a atenção de Tassiane.
..........- Tassi,
mamãe mandou avisar que a janta está pronta – disse Maria Alice, sem abrir a
porta.
..........- Já vou –
respondeu Tassiane.
..........A garota
aproximou-se da porta e a abriu. Olhou para os dois lados do corredor. Maria
Alice não se encontrava mais à vista. Ela deve estar com fome, imaginou
Tassiane, numa tentativa de explicar porque motivo a irmãzinha teria sumido tão
rápido.
..........Tassiane saiu
do quarto, fechou a porta e andou pelo corredor em direção à escada. Descendo a
escadaria, chegou à sala. Ao entrar na cozinha, viu sua mãe de costas, junto ao
fogão. Seu pai e sua irmã estavam sentados à mesa.
..........- Querida, vá
chamar a Tassiane para o jantar.
..........- Já cheguei,
mãe, não precisa mandar a Alice me chamar outra vez.
..........A garota
percebeu a irmãzinha olhando-a de um modo estranho.
..........O pai
continuava concentrado na leitura de uma revista de decoração.
..........- Ah, você
está aí, querida – disse a mulher virando-se. – Bem, vamos jantar.
..........Todos agora
estavam sentados à mesa, comendo. No momento em que Júlia iniciou uma conversa
com o marido sobre decoração, Maria Alice olhou para a irmã mais velha e
perguntou:
..........- Que negócio
é esse de te chamar outra vez? Hoje eu não fui ao seu quarto avisar que a janta
estava pronta.
..........Tassiane
estremeceu.
..........- Você não
vai dormir, querido? – perguntou Júlia a Rodrigues, horas mais tarde, quando se
encontravam no quarto. O homem estava parado na janela, apreciando a decoração
do pátio.
..........- Tem razão,
é melhor eu ir me deitar – respondeu, fechando a janela.
..........Rodrigues deitou-se, cruzando as mãos atrás da cabeça,
olhando fixamente para o teto.
..........- O que foi?
..........- Sei lá,
Júlia. Por algum motivo, aquela galinha não me sai da cabeça.
..........Rodrigues se
referia à galinha que atropelara em sua calçada, ao tentar entrar com o carro.
..........- É só uma
galinha, amor. Deixe isso pra lá.
..........- Júlia,
nossos vizinhos não têm galinheiros.
..........- Eu sei
disso. Vai ver alguém comprou galinhas em um aviário e uma delas escapou.
..........- Essa é a
única explicação racional, não?
..........- Acho que
sim, querido.
..........Júlia tinha
falado a mesma coisa ao marido pela manhã, após o incidente. Alguém pelo jeito
ia dar uma festa e comprara várias galinhas. Uma delas devia ter escapado.
..........- Seja como
for, querido, era só uma galinha. Esqueça o assunto, tá?
..........O homem fez
silêncio.
..........- Olha, em
vez de ficar preocupado com a galinha do vizinho, que tal cuidar de sua esposa?
..........Rodrigues riu
e abraçou sua mulher. Não pensou mais no assunto.
..........- E aquela
sua amiga, Júlia, não virá nos visitar?
..........- Ah, a
Luciana? Ela está viajando, amor. Retorna só mês que vem.
..........- Estamos
aqui há quase um mês e ainda não tivemos uma visita.
..........- Querido, a
Luciana é a única pessoa que conhecemos que mora nesta cidade.
..........- É, tem
razão. Acho melhor descansarmos, tivemos um dia cheio.
..........Era
sexta-feira. Tassiane estava em seu quarto, sentada na cama, lendo o livro “As
Crônicas de Nárnia”, retirado da biblioteca pública. Tratava-se de um volume
único, com mais de setecentas páginas.
..........- Tassiane,
hora da janta – falou Maria Alice, batendo à porta, sem abri-la.
..........- Já vou –
respondeu a garota, colocando o marcador de página e deixando o livro sobre a
cômoda.
..........Tassiane
chegou à cozinha e viu sua mãe de costas, abaixada, tirando com calma o assado
do fogão.
..........- Querida, vá
chamar a Tassiane. A janta está servida.
..........- A Alice já
me chamou, mãe – falou Tassiane, sentando-se à mesa.
..........- É claro que
eu não te chamei – disse Maria Alice, irritada.
..........- Chamou,
sim. É a segunda vez que você faz isso.
..........- Meninas,
que discussão é essa?
..........- A Alice
bate à minha porta para me chamar pra jantar e sai correndo. Quando eu chego à
cozinha, ela diz que não me chamou. A primeira vez que ela fez isso foi na
segunda-feira. Hoje ela fez de novo.
..........- É mentira.
Você está inventando isso – retrucou Maria Alice, com raiva.
..........- Alice!
Gurias! Parem!
..........Júlia olhou
para o marido, absorto na leitura de uma revista de decoração.
..........- Rodrigues!
Rodrigues!
..........- Hã? Ah, a
janta está servida! Vamos comer?
..........Júlia e as
filhas olharam espantadas para o homem. Rodrigues não havia se dado conta da
confusão. Ficara o tempo inteiro hipnotizado pela revista.
..........- O que foi?
– perguntou o homem, confuso com o fato de todos o encararem daquele jeito.
..........- Vamos comer
– disse a mulher.
..........- Querido,
acho que tem alguma coisa errada com esta casa – falou a mulher quando ela e o
marido estavam no quarto.
..........- Do que está
falando, Júlia?
..........- Você não
percebeu que as meninas discutiram. Tassiane havia afirmado que Alice a tinha
chamado duas vezes para jantar e Alice negava.
..........- Querida, é
bobagem delas, você sabe disso.
..........- Talvez.
Mas, e se não for?
..........- O que quer
dizer, Júlia?
..........- Tassiane
falou que Alice a chamou segunda-feira e a outra vez foi hoje.
..........- E daí?
..........- Daí que
segunda-feira você atropelou a galinha na calçada. A partir daí, Tassiane
começou a ficar estranha.
..........- Querida,
não vamos fazer uma tempestade em um copo d'água, está bem?
Galinhas são atropeladas, meninas discutem, a vida é assim. Vamos esquecer o
assunto, tá?
..........- Tudo bem,
amor. Prometo esquecer.
..........- Mesmo?
..........- Mesmo!
..........- Mesmo!
..........Tassiane
encontrava-se em seu quarto. Retomara a leitura do livro “As Crônicas de
Nárnia”. Mas um ruído chamou-lhe a atenção: um de seus ursinhos caíra da
estante e acionara a voz “Eu te amo, eu te amo, eu te amo”, como se alguém
tivesse pressionado sua barriga. A garota sobressaltou-se. Deixou cair o livro
sobre a cama, aproximou-se da estante e sorriu ao ver o ursinho no chão.
Colocou-o de volta à estante, deixando-o mais afastado da beirada. Voltou à
cama para continuar a leitura.
..........Mal a menina
começou a ler, ouviu outro ruído: uma das gavetas do roupeiro estava aberta.
Tassiane ficou assustada. A noite estava estranha. Primeiro havia sido a sua
irmã, em seguida o urso e agora a gaveta. A menina saiu da cama, com o objetivo
de fechar a gaveta. Ao fechá-la, tomou um grande susto: a televisão ligou-se
sozinha, com o volume ao máximo.
..........Tassiane
começou a gritar. Foi até a porta e tentou abri-la, mas estava trancada. Forçou
a maçaneta ao máximo que pôde e finalmente abriu a porta. Correu até o quarto
dos pais.
..........- Mãe, abra a
porta – gritava Tassiane, socando e chutando violentamente a porta.
..........- Tassi, mas
o que...
..........A menina nem
deixou o pai terminar a frase. Correu em direção à mãe.
..........- Eu não
quero mais dormir naquele quarto – gritou a menina, desatando a chorar.
..........Júlia
aproximou-se da filha e a abraçou. Alguma coisa a tinha perturbado
profundamente. Era necessário acalmá-la.
..........- Tassi, está
tudo bem. Acalme-se e nos conte o que está acontecendo, para que possamos
ajudá-la.
..........- Tem alguma
coisa errada naquele quarto, mãe – falou a garota, em meio aos gemidos. – Eu
tenho ouvido vozes, meu ursinho caiu no chão, a gaveta do roupeiro abriu
sozinha e a televisão se ligou por si.
..........- Tassi, você
não vai começar outra vez com histórias de fantasmas, não é?
..........- Pai, tem
alguma coisa errada naquele quarto. Por que não querem acreditar em mim?
..........- Filha, não
há nada de errado com o quarto. Venha, eu vou lhe mostrar – disse a mãe, indo
em direção à porta.
..........- Vamos,
Tassi – falou o pai, vendo que a menina não se mexia.
..........Com
relutância, Tassiane começou a andar. Deixou seus pais irem à frente. Esperou
que entrassem em seu quarto. Aproximou-se da porta e ficou chocada com o que
viu.
..........- Mas o que é
isso? – perguntou Tassiane, perplexa.
..........- Agora
chega. Que tipo de jogo está fazendo com a gente, mocinha? – perguntou o pai,
irritado. A mãe também estava indignada.
..........- Tassiane, o
que significa isso?
..........A garota não
respondeu. Estava mais surpresa que seus pais ao ver a bagunça que estava seu
quarto: tudo o que havia no roupeiro, na cômoda e na estante estava espalhado
pelo chão. A televisão, de 29 polegadas, de alguma maneira tinha parado em cima
de sua cama.
..........- Eu não sei
por que você fez isso, Tassiane, mas trate de arrumar agora – falou o pai,
saindo do quarto, logo após devolver a enorme televisão à estante.
..........- Mãe, eu não
fiz isso.
..........- Pare com
histórias, Tassiane. Ninguém está gostando disso.
..........- Mas, mãe...
..........- Chega. Vá
arrumar o seu quarto.
..........Tassiane
fechou a porta do quarto e começou a chorar. Desde segunda-feira, coisas
estranhas começaram a acontecer com ela. Mas seus pais não acreditavam. Eles
achavam que ela estava fazendo isso para que se mudassem. Naquele momento,
Tassiane pensou no quanto gostaria de ir embora daquele lugar. Estava se
sentindo tão mal quanto no dia em que visitou a casa pela primeira vez.
..........Eram cerca de
11h30min da manhã quando Tassiane acordou. Ficara até altas horas da madrugada
arrumando o quarto. Levantou-se e trocou de roupas. Ouviu batidas na porta.
..........- Oi, Tassi –
falou Maria Alice, entrando no quarto. – Já é quase meio-dia, a mãe me pediu
para avisar você que o almoço está pronto.
..........- Ah, tá, já
vou.
..........- Tem mais
uma coisa.
..........Tassiane
olhou para a irmãzinha, que procurava algo em seus bolsos.
..........- Quero te
dar isso – disse a menina, mostrando a Tassiane a correntinha de prata, cujas
extremidades se uniam em um pequeno coração.
..........- Nossa, como
conseguiu isso?
..........- Você não gostou?
..........- Você não gostou?
..........- É claro que
gostei. Mas como conseguiu? Não parece ser uma bijuteria.
..........- Eu achei
naqueles móveis antigos do porão.
..........- Você foi ao porão? Mas não é perigoso?
..........- Não tem nada lá, a não ser aqueles móveis velhos.
..........- Você foi ao porão? Mas não é perigoso?
..........- Não tem nada lá, a não ser aqueles móveis velhos.
..........A menina
pensou um pouco e prosseguiu:
..........- Vamos lá
depois do almoço? Pode ser que a gente encontre mais coisas.
..........- Tudo bem, Alice,
combinado.
..........A garotinha
começou a sair do quarto da irmã mais velha, mas Tassiane a chamou:
..........- Alice.
..........A menina
virou-se
..........- Obrigada
pela pulseira.
..........Maria Alice
sorriu e foi para a cozinha.
..........Tassiane
olhou para a televisão, tentando imaginar como seus pais acreditaram que ela
tivesse colocado o aparelho sobre a cama. Como conseguiria erguer algo tão
grande e pesado? Ela tinha 29 polegadas! Mas o fato é que, mesmo pensando que
tinha sido arte da filha mais velha, o pai a devolvera à estante, pensou a
garota.
..........A menina foi
para a cozinha. Sentia muita fome, pois trabalhara boa parte da madrugada.
Sentou-se, receosa de que seus pais começassem a interrogá-la sobre a noite
anterior. O que diria? Que fantasmas estavam deixando-a aterrorizada? Tassiane
não fazia ideia do que responder, mas o fato é que seus pais não tocaram no
assunto.
..........- Vamos lá? –
perguntou Maria Alice à irmã mais velha, após o almoço.
..........- Tudo bem –
respondeu Tassiane, levantando-se.
..........Tassiane
nunca havia entrado no porão. Nunca tivera a curiosidade de saber o que
encontraria lá, até agora.
..........- Quanta
velharia. De onde vieram essas coisas?
..........- O pai disse
que esses móveis estavam na casa. Quando começou reformá-la, trouxe tudo para
cá – respondeu Maria Alice.
..........A garota mais
velha ficou olhando os móveis. Havia armários, roupeiros, camas, mesas,
cadeiras, uma escrivaninha e um fogão à lenha. Parecia um museu histórico.
..........- Venha,
vamos ver se encontramos alguma coisa – convidou Maria Alice, começando a mexer
em portas e gavetas.
..........Tassiane
começou a vasculhar o ambiente. Encontrou um colar e um anel que pareciam ser
de prata. Maria Alice achou roupas, revistas e livros. Reuniram todo o material
sobre uma mesa.
..........Vai ficar com
alguma coisa, Tassi?
..........- Eu gostei
das coisas que encontrei. Sim, vou ficar. E você?
..........- As roupas
são muito grandes e feias, não vou querer. Mas os livros e as revistas vão
entrar para a minha coleção – respondeu a garotinha, feliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário