domingo, 12 de fevereiro de 2017

Epílogo

Rodrigues e sua família voltaram a morar na casa alugada no bairro Niterói. A proprietária, sabendo das dificuldades de Rodrigues, não cobrou os três primeiros meses de aluguel, em consideração ao ótimo inquilino que o homem havia sido. Além disso, Rodrigues fizera vários consertos na casa, enquanto a ocupava.
                Logo que estavam instalados, foram à casa de Luciana, buscar Tassiane. Luciana, acostumada à presença de Tassiane, tratava-a agora como se fosse sua própria filha – o que era para ser alguns dias, transformou-se em várias semanas.
                Lágrimas escorreram pelo rosto de Luciana. Até Rodrigues ficou emocionado e não apenas prometeu à mulher, mas também fez Tassiane prometer que a visitaria muitas e muitas vezes. Uma promessa que Tassiane cumpriria com prazer.
                De volta à antiga/nova casa, Tassiane e Maria Alice foram correndo arrumar o quarto que ambas dividiriam – como era antes. Gritavam de alegria, mas seus pais nada falavam. Naquele dia podiam bagunçar à vontade, que a única coisa que seus pais fariam seria sorrir.
                Rodrigues pegou o jornal e sentou-se em uma das cadeiras da cozinha – queria ficar o mais perto possível de sua mulher. Júlia estava na pia, pensando em preparar uma refeição, mas seus pensamentos foram interrompidos pelo toque do telefone.
                Rodrigues já ia se levantando, mas Júlia disse que não precisava, ela queria atender.
                - Alô?
                - Alô, Júlia?
                - Sim, é ela mesma.
                - Júlia, aqui é o padre Vincente.
                - Padre Vincente? – perguntou a mulher, a expressão de surpresa estampando-se em seu rosto.
                Ao ouvir quem era ao telefone, Rodrigues largou o jornal, pôs-se em pé e se aproximou da mulher. Júlia afastou o aparelho de seu ouvido, deixando-o entre o seu rosto e o rosto do marido.
                - Sou eu, Júlia – disse o padre, rindo alegremente.
                - Mas e o acidente? Eu soube que o senhor estava em coma...
                - Sim, Júlia, eu estava. Faz apenas algumas horas que saí do estado de coma.
                - E você está bem?
                - Claro, não se preocupe. Foram feitos vários exames, os médicos pareciam nem entender direito o porquê de eu não acordar. Ao menos foi o que me pareceu, mas como não sou entendido...
                Foi a vez de Júlia rir.
                - Fico feliz ao saber disso, padre. Nossa, muito feliz mesmo!
                - Obrigado, Júlia. Nestas últimas duas horas, estava tentando entrar em contato contigo. Imagino que devem ter chegado há pouco tempo.
                - Sim, meu marido, a Maria Alice e eu fomos buscar a Tassi.
                - Está tudo bem com a Tassiane?
                - Sim, obrigada, ela está ótima.
                - Que bom, Júlia, tive receio de não poder cumprir a promessa que fiz a ela.
                - Não seja bobo, padre, o senhor fez por nós muito mais do que poderíamos pedir. Se não tivesse acreditado em mim, nem sei o que poderia ter acontecido.
                - Nunca duvidei de você nem da Tassiane. Nos últimos quarenta minutos estive conversando com o padre Gregório. Ele me atualizou sobre a situação da sua família. Foi ótimo saber que ele concluiu o meu trabalho.
                - Com certeza, padre. Sabe, vou chamar alguém que vai adorar conversar com o senhor. Enquanto busco a Tassiane, vou passar para o meu marido.
                - Está certo, Júlia, Até logo.
                - Até logo, padre.
                Júlia entregou o telefone ao marido e foi correndo buscar Tassiane. A garota, ao pegar o telefone, caiu no choro ao comentar que soube do acidente. Mas o padre a acalmou, dizendo que não ficara com sequelas. Logo pareciam velhos amigos conversando à distância.
                Júlia e o marido afastaram-se para dar um pouco de privacidade à garota. Era uma visão mágica ver a filha mais velha tão alegre, falando, ao telefone, com um dos novos amigos da família.
                Mais uma vez a mulher virou-se para a pia, pensando na deliciosa refeição que faria aquela noite. Rodrigues voltou a sua cadeira, com o jornal na mão. Mas uma idéia passou-lhe pela cabeça e um sorriso esboçou-se em sua face. A casa era o grande problema. Sua família havia sofrido muito naquele lugar horrível e logo outras pessoas inocentes também poderiam passar pela mesma situação. Teria de fazer algo em relação a isso. E bastaram apenas alguns momentos para descobrir.

                Dois dias depois de ser dispensado pelo hospital, a Igreja entendeu que era melhor para o padre Vincente que retornasse a Canoas. O estranho quadro clínico que apresentara fez com que a Igreja ficasse preocupada. Assim, se surgisse alguma situação médica, ao menos o padre estaria próximo de sua família. Feliz com a notícia, o padre arrumou as malas na mesma hora.
                Foi com imensa alegria que o padre Vincente recebeu a visita de Rodrigues e sua família, na igreja do bairro Mathias Velho, onde agora desenvolvia seu trabalho. Emocionadas, Júlia e Tassiane abraçaram o padre, as lágrimas escorrendo pela face – dessa vez, porém, de alegria. O amigo estava realmente bem.
                A partir daí, Rodrigues e sua família criaram uma rotina. Começaram a frequentar a igreja e, num domingo, estavam na igreja do padre Vincente; no outro, porém, assistiam a missa na igreja do padre Gregório.
                Era com grande satisfação que ambos os padres, ao término da missa, ficavam um bom tempo conversando com Rodrigues e sua família.
                Tassiane também tinha sua rotina: sexta-feira, pela tardinha, o pai a levava até a casa de Luciana. Às 17h de domingo, Rodrigues e sua família estacionavam em frente a casa de Luciana e ficavam as próximas duas horas conversando com ela. Tassiane então se despedia e, feliz, ia com sua família à igreja.

                Um casal passava pela Teófilo Gama. Ao se encontrarem em frente a casa 871, pararam e ficaram olhando-a por um bom tempo.
                - É verdade, Camila, esta casa é assombrada.
                A garota deu risada. Então o passeio pelo centro da cidade consistia, na opinião do boboca do Francisco, em mostrar a casa mal-assombrada.
                - Eu não acredito que você me trouxe aqui para me mostrar isso. Uma casa mal-assombrada? Ah, qual é, conta outra...
                O rapaz olhou sério para ela.
                - Acha que estou inventando isso?
                - Você acha que vou cair nessa? Fantasmas? Assombrações? Cara, estamos no século XXI. Todas essas porcarias que o cinema mostra são efeitos especiais.
                - Mas não estamos falando de cinema, isto é a vida real – insistiu Francisco.
                - Ah, quer saber? Tô de saco cheio. Você acredita mesmo nessas bobagens, não é? Então veja só: SE TEM ALGUÉM AÍ DÊ UM SINAL! – gritou a garota, olhando na direção da casa. Esperaram alguns segundos em silêncio e nada aconteceu.
                Voltou a olhar para o namorado.
                - Tá vendo só, seu tapado? Eu disse que...
                Naquele momento, ouviram um grito horroroso. O som parecia uma mistura de humano com animal. Camila e Francisco sentiram um medo que os deixaram aterrorizados. Todos os pelos do corpo ficaram arrepiados e, em segundos, o casal se encontrava em outra rua.
                Pela janela do segundo pavimento da casa, um rapaz olhava para a rua com uma intensidade no olhar que assustaria qualquer pessoa que chegasse perto. Sua face, outrora bela, agora estava deformada por um ódio descomunal. Maldito Rodrigues, pensava a criatura. Maldito, mil vezes maldito. Precisava desesperadamente daquela casa a sua disposição, pois apenas ali o seu poder conseguia se manifestar em sua totalidade. Mas o amaldiçoado Rodrigues estragara seus planos. Queria pegar Rodrigues e torturá-lo até matá-lo pelo que o homem havia lhe feito. O maldito Rodrigues pensara numa estratégia para derrotá-lo. Como era possível? Ele era apenas um ser humano...
                A estratégia de Rodrigues, embora simples, era extremamente eficaz: com o objetivo de impedir que outras famílias sofressem como a sua, o homem jamais venderia aquela casa. Apenas continuaria pagando os impostos e a manteria em seu nome, até que morresse.

                Outro grito agonizante ecoou pela casa, mas dessa vez não havia mais ninguém na rua para assustar. E a coisa que nela habitava nunca se sentiu tão sozinha.

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