Tassiane, de 13 anos, a filha mais velha de Rodrigues e Júlia, sente-se mal ao visitar a casa do centro de Canoas, RS, comprada por seus pais. Durante o período da reforma, a menina tenta, em vão, dissuadi-los da ideia de se mudarem para aquela residência. Poucas semanas depois da mudança, coisas estranhas começaram a acontecer com a garota. Desesperada, Tassiane relata as situações a seus pais, mas eles simplesmente não acreditam nela. As coisas vão se complicando cada vez mais, sem que a menina consiga convencê-los de que alguma força maligna atua naquela casa. Certo dia, a família recebe a visita de Rosa, uma adolescente de dezessete anos, grávida de seis meses. Rosa conta que morou naquela casa há vários anos. Após uma agradável conversa com a família de Tassiane, Rosa se despede. Dias depois, algo estranho também acontece com Rodrigues e Júlia, ao decidirem visitar Rosa. Chegando à casa da menina, são recebidos por seus pais. Na ocasião, descobrem que a garota faleceu há 12 anos. Mas Rodrigues, mesmo encontrando a sepultura de Rosa, alega que tudo não passa de um engenhoso plano para que vendam a casa por um preço irrisório. Em seguida, Júlia encontra, entre os móveis velhos do porão, o diário de Rosa, onde ela relata coisas terríveis que lhe aconteceram. Júlia percebe, então, que realmente há alguma coisa estranha na casa, capaz de perturbar Tassiane. A mulher, preocupada, solicita a ajuda do padre Vicente, que começa a investigar o caso, descobrindo que as coisas um dia vivenciadas por Rosa agora se repetem na vida de Tassiane. Agora Júlia deverá encontrar um meio de convencer Rodrigues a deixarem a casa, antes que o pior aconteça à filha.
domingo, 12 de fevereiro de 2017
Capítulo 1
21 de fevereiro de
2011, 9h, Canoas, RS.
..........- Vamos
entrar, querida, não custa nada darmos uma olhada – falou Rodrigues à esposa,
olhando de dentro do automóvel a casa da rua Teófilo Gama, 871.
..........- Ela não
parece meio... destruída?
..........- Ah, que isso,
querida. Se a casa se encontra neste estado, então o dinheiro que temos deve
ser o suficiente para comprá-la à vista. Não tendo dívidas, podemos reformá-la
tranquilamente.
..........Júlia
concordou e saiu do carro. Ela e o marido entraram no terreno para olhar a casa
mais de perto. Parte do telhado havia desmoronado. Cacos de telha espalhavam-se
pelo terreno, como se tivessem sido jogadas lá do alto e se espatifado no chão.
A parte do madeiramento que não contava mais com a proteção de telhas havia
apodrecido, devido à exposição ao tempo.
..........As janelas não estavam melhores: a maioria da vidraça estava quebrada; muitas venezianas pendiam para o lado, suspensas apenas por uma dobradiça – Júlia teve a impressão de que o próximo vento forte derrubaria as que ainda restavam.
..........A pintura desgastada, somada ao reboco rachado, fruto da total falta de manutenção, necessitaria de um grande investimento para sua restauração, pensou a mulher, avaliando a situação. Desviando o olhar da casa, Júlia observou o pátio novamente, fuzilado por telhas quebradas – ou que haviam se quebrado na queda. Três árvores estavam caídas e o mato tomava conta. Sabia que o marido, caprichoso como era, deixaria o lugar simplesmente lindo, mas teria muito trabalho.
..........As janelas não estavam melhores: a maioria da vidraça estava quebrada; muitas venezianas pendiam para o lado, suspensas apenas por uma dobradiça – Júlia teve a impressão de que o próximo vento forte derrubaria as que ainda restavam.
..........A pintura desgastada, somada ao reboco rachado, fruto da total falta de manutenção, necessitaria de um grande investimento para sua restauração, pensou a mulher, avaliando a situação. Desviando o olhar da casa, Júlia observou o pátio novamente, fuzilado por telhas quebradas – ou que haviam se quebrado na queda. Três árvores estavam caídas e o mato tomava conta. Sabia que o marido, caprichoso como era, deixaria o lugar simplesmente lindo, mas teria muito trabalho.
..........- Venha,
vamos olhar lá dentro – convidou o homem.
..........O seu
interior também não estava com um aspecto muito bonito: quase todas as paredes
apresentavam partes onde o reboco descascara, a massa ainda descansando no
chão; a pintura, completamente gasta, era impossível de ser identificada;
rachaduras em diversas paredes sugeriam problemas em sua estrutura.
..........- Querida, os
cômodos são grandes, exatamente como gostaríamos. Vamos dar uma olhada lá em
cima.
..........O casal subiu
a escadaria e constatou que no segundo pavimento as coisas estavam do mesmo
jeito que no primeiro.
..........- Se
comprarmos, teremos muito trabalho, amor. Sairá caro contratarmos pedreiros...
..........- Querida,
muita coisa podemos fazer sozinhos. Podemos limpar tudo, restaurar o reboco,
trocar as lajotas que estiverem quebradas, pintar e trocar as portas e janelas
que não puderem ser consertadas. Apenas contrataremos prestadores de serviços
para a eletricidade, o encanamento e o telhado. Economizaremos uma fortuna em
mão-de-obra.
..........- Tudo bem,
amor, mas e as meninas?
..........- O que tem elas?
..........- E se não gostarem da casa?
..........- O que tem elas?
..........- E se não gostarem da casa?
..........- Está
brincando, querida? Depois de pronta, esta casa ficará linda. Veja só este
pátio enorme. Usarei meus conhecimentos em paisagismo para decorá-lo. Em alguns
meses, a nossa casa será a mais bonita da rua.
..........- Tudo bem –
concordou Júlia, pensativa.
..........- Querida,
você não gostou da casa? Se não quiser comprá-la, podemos continuar procurando,
para mim não tem problema.
..........- O quê? Não,
amor, eu gostei. Na verdade, adorei a casa. É bem localizada, próximo à escola
estadual e à Universidade La Salle, tem cômodos enormes... Resumindo, está bem
de acordo com o que procuramos. Resta apenas saber o preço.
..........- Muito bem.
Se você gostou, vou entrar em contato com a imobiliária – respondeu o homem,
pegando o celular.
..........- Imobiliária
Madruga, Karina, bom-dia.
..........- Bom-dia.
Meu nome é Rodrigues e eu estou aqui, em um dos imóveis a ser vendido por
vocês.
..........- Qual o
endereço, por gentileza?
..........- Não me recordo qual é a rua, mas
trata-se de uma casa toda arrebentada, próximo à Escola Estadual André Leão
Puente.
..........- Ah, sim, já
me localizei. O senhor está interessado em adquirir a propriedade?
..........-
Possivelmente. Eu gostaria de saber o valor.
..........- Já lhe
informo, senhor. Deixe apenas acessar o registro no banco de dados. Deixe-me
ver... aqui está. O dono está pedindo R$ 100.000,00.
..........- Cem mil
reais? Mas, um terreno não custa mais do que isso nesta região?
..........- Certamente,
senhor. Mas, considerando que a casa precisará ser totalmente desmanchada ou
reformada, imagina-se que os custos para isso seriam elevados. Dessa maneira, o
dono quis fazer um abatimento no preço.
..........- Mas ainda
assim...
..........- Bem, há
mais coisas envolvidas: o proprietário quer voltar ao Pará o mais rápido
possível. Este é o outro fator que contribui para a desvalorização do imóvel.
..........- Muito bem.
Gostaria de fechar o negócio ainda hoje.
..........- Claro,
senhor. Quer uma carona para o nosso escritório? Poderei buscá-lo, se preferir.
..........- É muita
gentileza, mas não se incomode. Eu estou de carro. Apenas me consiga o
endereço.
..........- Vocês só
podem estar brincando! – exclamou Tassiane, perplexa. – Pai, achei que o senhor
e a mãe fossem adquirir uma casa, não as ruínas de um prédio histórico da
cidade.
..........Rodrigues
havia buscado as meninas na escola às 11h45min, como de costume. Após o almoço,
ele e sua esposa levaram as duas para conhecer a futura casa.
..........- Querida,
não é tão ruim assim – disse Júlia.
..........- Mãe, daqui
do carro podemos ver que a casa está deteriorada. É um risco grande chegar
perto, pode cair um tijolo ou uma telha na gente.
..........- Tassiane,
por favor! – falou a mulher, saindo do carro.
..........Maria Alice e
Rodrigues também saíram do carro, mas Tassiane mantinha-se sentada.
..........- Tassi, por
favor, não crie problemas – falou Júlia, olhando para o marido e Maria Alice,
que já cruzavam o portão. - Querida, seu pai se esforçou muito para que
chegássemos até aqui – disse a mulher, entrando no carro novamente. – Não jogue
fora todo o esforço dele só porque não gostou da casa.
..........- Não é isso,
mãe, eu...
..........- Tudo bem,
eu sei que você sente falta dos amigos que deixou para trás.
..........- Eu não quero
morar aqui, mãe – disse Tassiane começando a soluçar.
..........Júlia ficou
com pena da filha. Mas não havia muito o que fazer, recém tinham fechado a
compra da propriedade.
..........- Querida,
seu pai e eu ficamos semanas procurando a casa ideal. Finalmente encontramos.
Dê-nos uma chance, sim?
..........Tassiane saiu
do carro. Quando cruzou o portão, arrepiou-se. Alguma coisa estava errada
naquela casa... muito errada.
..........Júlia
estranhou que a menina, ao entrar no pátio, pegasse em sua mão. Tassiane era
uma mocinha, logo completaria quatorze anos. Fazia tempo que a filha mais velha
não segurava sua mão, pensou Júlia. Reparou que a menina olhava fixamente para
a casa, com uma expressão de medo.
..........- Ah, vocês
estão aí – falou Rodrigues, descendo a escada com Maria Alice, ao ver Júlia e
Tassiane na sala. – Venha conhecer o seu quarto, querida – disse a Tassiane.
..........A garota
subiu a escada na companhia dos pais e da irmãzinha. Passou por um corredor e
finalmente chegou ao cômodo que usaria como quarto.
..........- Veja, é
espaçoso e há uma linda vista. Pode-se ver o pátio e a rua – falou o homem,
animado.
..........- Pai,
podemos ir agora? – pediu Tassiane. - Não gosto de construções, pai, a casa
fica muito feia.
..........- Tudo bem,
vamos embora, então.
..........Tassiane
começou a andar, puxando a mãe com força. Queria dar o fora daquela casa o mais
rápido possível. A menina somente largou a mão de sua mãe quando chegou à
calçada. Entrou no carro e ficou olhando para o outro lado – não queria olhar
na direção da casa.
..........Chegando a
casa que ocupavam, correu para o seu quarto e ficou trancada lá, até a hora da
janta.
..........- Tassi, a
janta está pronta, estamos apenas esperando você.
..........Júlia não
obteve resposta.
..........- Querida, abra a porta.
..........Relutante, a menina obedeceu.
..........- O que está havendo, Tassi?
..........- A gente vai mesmo morar naquela casa horrorosa, mãe?
..........- Querida, abra a porta.
..........Relutante, a menina obedeceu.
..........- O que está havendo, Tassi?
..........- A gente vai mesmo morar naquela casa horrorosa, mãe?
..........Júlia
suspirou.
..........- Querida,
não podemos voltar para Uruguaiana. Sinto que tenha que ter deixado os seus
amigos, mas já é hora de superar isso, não acha?
..........- Não é isso,
mãe.
..........- O que é, então?
..........- É aquela casa. Ela é maligna.
..........- O que é, então?
..........- É aquela casa. Ela é maligna.
..........- Querida, é
só uma casa. Não é um dragão devorador de mocinhas. Não vá querer me convencer
de que há fantasmas naquela casa, está bem?
..........Tassiane não respondeu.
..........- Olha, o seu
pai sempre foi bom para vocês. Não quero que o entristeça com essas fantasias
sobrenaturais, tá? Nós não estamos em um filme de terror. Isso é a vida real.
Venha, vamos jantar – falou a mulher, abraçando a filha.
..........Após a janta,
Tassiane voltou ao seu quarto, desolada. Deitou-se na cama e começou a pensar
sobre o porquê de não poderem continuar ali. Era uma casa de madeira, tão feia
que nem pintada ficaria bonita. Era alugada, mas e daí? Sentia-se bem ali, não
gostaria de sair.
..........A reforma da nova casa não iria
demorar muito tempo, pensava Tassiane, angustiada. Seu pai era paisagista e não
construtor. Mas era forte e rápido. Logo tudo estaria limpo e já iniciaria os
reparos. Em questão de meses, calculava Tassiane, a casa estaria completamente
reformada. Seria obrigada a se mudar para lá, talvez próximo à data de seu
aniversário. Que belo presente para uma menina que completará quatorze anos –
pensou a garota com tristeza.
Capítulo 2
Era manhã de quinta-feira. Na segunda, haviam comprado a casa. Na
terça e na quarta, Rodrigues e sua esposa dedicaram-se apenas à limpeza do
terreno e da casa. Agora dariam início à reforma.
..........- Finalmente
chegaram – falou Rodrigues a sua esposa, ao ver um pequeno caminhão estacionar
em frente à propriedade.
..........O homem e sua
mulher estavam na área, tomando café. Ao ver o caminhão encostar, Rodrigues
entregou sua xícara à mulher e saiu caminhando, em direção à calçada.
..........- Com
licença, amigos.
..........Os homens
retornaram o cumprimento de Rodrigues, mas não pararam de trabalhar. Pareciam
estar com pressa.
..........Rodrigues
ajudou a descarregar o material do caminhão. Tentou conversar um pouco com o
motorista e seus companheiros, enquanto empilhava telhas e tijolos na calçada,
mas os homens mostravam-se muito calados. Cerca de vinte e cinco minutos
depois, todo o material havia sido retirado do caminhão.
..........- Será que poderiam colocar o cimento e as madeiras dentro da casa? Isso iria facilitar muito o meu trabalho – perguntou Rodrigues, logo que o trabalho estava concluído.
..........- Será que poderiam colocar o cimento e as madeiras dentro da casa? Isso iria facilitar muito o meu trabalho – perguntou Rodrigues, logo que o trabalho estava concluído.
..........- O quê? Não,
senhor, sinto muito – respondeu o motorista.
..........- Mas estamos
entre quatro. Seria rápido – argumentou Rodrigues.
..........- Lamento,
mas não vai dar – respondeu o homem, nervosamente.
..........- Escutem, é
responsabilidade de vocês. Faz parte do seu trabalho o que eu estou pedindo. Podem
ter certeza de que vou reclamar na madeireira.
..........- Claro,
claro, faça o que julgar necessário. Tenha um bom-dia – falou o homem, entrando
rapidamente no caminhão.
..........Os outros dois ajudantes também não perderam tempo para entrar no veículo e irem embora. Rodrigues ficou parado, tentando entender a situação.
..........Os outros dois ajudantes também não perderam tempo para entrar no veículo e irem embora. Rodrigues ficou parado, tentando entender a situação.
..........- Mas é
inacreditável! – falou Rodrigues, largando algumas madeiras no chão da sala.
..........- O que
houve? – assustou-se a esposa.
..........- Aqueles
entregadores imbecis não passam de uns vagabundos. Não quiseram me ajudar a
trazer o material para dentro.
..........- O quê? Mas
isso é serviço deles.
..........- Foi o que
falei àqueles palermas. Até ameacei-os, dizendo que reclamaria na madeireira.
Mas eles não quiseram nem saber, deixaram todo o material na calçada. Agora eu
vou perder a manhã inteira só para carregar as coisas.
..........- É uma pena.
Eram três homens, não? Vocês quatro fariam tudo em poucos minutos.
..........- Também
disse isso a eles, mas os vadios entraram no caminhão e foram embora.
..........- Isso é
estranho. Por que agiram desse jeito?
..........- O que isso
importa, Júlia? O fato é que essa madeireira perdeu o cliente.
..........A mulher
ficou olhando o marido ir em direção à calçada. Rodrigues comprara quinze sacos
de cimento e madeiras para fazer andaimes, construir uma escada e também
reparar o telhado. Encomendara cinco mil tijolos maciços, com o objetivo de
erguer várias paredes internas que haviam sido parcialmente derrubadas, tanto
no primeiro, quanto no segundo pavimento. Além disso, também pedira à
madeireira três mil telhas esmaltadas – boa parte da casa estava destelhada e
todo esse material estava na calçada, ocupando até mesmo uma parte da rua. Ele
não vai levar a manhã toda, mas o dia inteiro, pensou a mulher, tentando
imaginar o porquê de os entregadores se recusarem a entrar no pátio.
..........Dois meses
havia se passado. As paredes derrubadas foram reerguidas e o reboco estava
quase totalmente restaurado. Rodrigues retornava de uma madeireira, onde havia
ido para comprar lajotas. Em vez de substituir todo o piso, o que sairia
caríssimo, o homem resolveu fazer uma combinação com as lajotas que comprara.
..........- Saiu muito
caro, querido? – perguntou a mulher, ao ver o marido entrar na cozinha.
..........- Não, graças
à ideia de combinação. A madeireira disse que o material chegará ainda hoje.
..........- Você saiu
cedo hoje e ainda não comeu nada. Sente-se, preparei um café.
..........- Ah, você é
uma doçura!
..........Enquanto o
homem tomava café, a mulher organizava a cozinha. Como era a parte mais usada
da casa no momento, seria a última coisa a ser reformada.
..........- Bem, já são
9h30min. Tenho que ir embora, amor. Depois trago a sua vianda.
..........- Claro, meu
bem, até mais.
..........Rodrigues foi
para o segundo pavimento da casa, terminar a restauração do reboco. Subiu no
andaime e mexeu um pouco na massa da caixa com a colher de pedreiro. Quando ia
começar a jogar a massa na parede, ouviu sua mulher chamando-o da escada.
..........- O que foi?
– perguntou, aproximando-se da esposa.
..........- Dê uma
olhada aqui – respondeu a mulher, dirigindo-se à porta. Em seguida, começou a
andar pelo pátio, em direção à calçada.
..........Rodrigues
estacou. As lajotas, o cimento-cola e o rejunte que comprara foram simplesmente
largados na calçada, sem maiores satisfações. E este material havia sido
comprado em outra madeireira.
..........Eram 11h40min.
Júlia chegava com o almoço de Rodrigues.
..........- Oi,
querido, tudo certo por aqui? – perguntou a mulher, deixando a vianda sobre a
mesa.
..........- Oi. Sim,
creio que está tudo bem. Só não entendo por que as pessoas não querem entrar
aqui.
..........- Acho que
você está exagerando, amor. As pessoas têm pressa. Quanto mais rápido fizerem o
seu serviço, mais dinheiro irão ganhar.
..........- Sei não. Lembra quando disse a você que precisaríamos
contratar prestadores de serviço apenas para o telhado, o encanamento e a
eletricidade?
..........- Sim, o que
tem isso?
..........Nenhum
pedreiro que trabalha nas obras próximas daqui quis o serviço. Quando começava
a falar sobre o telhado, pareciam até se interessar. Mas era somente dar o
endereço, e eles recusavam o trabalho na hora. Liguei para duas companhias e
eles disseram que suas agendas estavam lotadas. Não teriam disponibilidade nos
próximos meses. Eu mesmo tive que ir lá e consertar o telhado.
..........- Mas a
companhia de luz e a companhia de água mandaram seu pessoal para fazer os
consertos.
..........- Sim, mas os
eletricistas só precisaram mexer no medidor de luz. Os encanadores também
resolveram o problema lá na calçada.
..........- Talvez
sejam apenas coincidências, querido. Olha, encontramos a casa que tanto
havíamos procurado. Você gosta dela, e eu também gosto. Não vamos deixar esses
contratempos estragarem tudo.
..........- Nós podemos
gostar da casa, Júlia, mas a Tassi não parece partilhar desse sentimento.
..........- Querido,
quando trouxemos as meninas aqui, o aspecto da casa não era dos mais bonitos. A
Tassi ainda é pequena, não tem nem quatorze anos. Diferente de nós, ela viu
como a casa era e não como ficaria.
..........A mulher
aproximou-se e abraçou o marido.
..........- Eu tenho
que buscar as meninas agora. Coma o seu almoço antes que esfrie. A gente se vê
à noite.
Capítulo 3
Quatro meses havia transcorrido desde o dia da compra da casa. Nas
últimas oito semanas, Rodrigues trabalhara com as lajotas dos pisos e os
azulejos das paredes dos banheiros e da cozinha. Por fim, cumpriu sua promessa
de transformar a propriedade na casa mais bonita da rua, usando seus
conhecimentos de paisagista para decorar o pátio. E o terreno ficou realmente
bonito: alguns canteiros eram circulares, outros retangulares; trilhas de
tijolos maciços distribuíam-se pelo local; estátuas de diversos tamanhos foram
estrategicamente posicionadas; uma casinha de madeira, de seis metros quadrados
e dois pavimentos fechava com chave de ouro a bela decoração do ambiente.
..........- Finalmente
tudo está pronto, querida – disse Rodrigues a sua mulher, ao vê-la entrar na
cozinha.
..........- A casa está
lindíssima, amor. Você vai ganhar dinheiro como paisagista nesta cidade.
..........Rodrigues
sorriu, satisfeito com o comentário. Ele e sua mulher adoraram a casa. Maria
Alice não demonstrara ânimo, mas nunca dissera nada contra a mudança. O maior
problema seria Tassiane...
..........- Bem,
querida, agora que está pronta, acho que nem a Tassi irá reclamar.
..........- Eu espero
que não – concordou a mulher.
..........- Talvez
tenha sido um erro trazê-la aqui no dia em que a compramos. A casa estava
horrível, por esse motivo a Tassi não se sentiu bem.
..........- Querido, já
falamos sobre isso, não quero vê-lo se culpando, está bem? A casa estava feia,
agora não está mais. Você se esforçou muito para deixá-la linda.
..........Rodrigues
abraçou a sua mulher. Júlia era uma ótima esposa e mãe. Dedicava-se ao marido e
às filhas de um modo notável.
..........- A sorte
sorriu para mim no dia em que te encontrei – falou o homem à mulher, agradecido
por suas palavras de consolo.
..........- Vamos,
amor, as meninas estão nos esperando.
..........-Amanhã será
o grande dia, meninas! Casa nova, vida nova – falou Rodrigues à mesa, enquanto
jantavam.
..........Tassiane
sentiu suas costas ficarem arrepiadas. Há quatro meses, quando visitara a casa
na companhia dos pais e da irmã, sentira-se mal. Algo naquela casa era maligno.
Sentiu-se aterrorizada. Era como se uma coisa muito ruim fosse lhe acontecer.
Lembrava-se que saíra às pressas, como se estivesse fugindo. Não queria voltar
mais lá. Nunca mais. Mas os seus pais estavam enfeitiçados pela casa. Sua mãe
lhe dissera muitas vezes para que parasse com histórias bobas de fantasmas.
Falava sempre do esforço do pai, do trabalho que ele estava tendo para
proporcionar uma vida melhor a todos.
..........Uma vida
melhor. Ah, que piada! A menina sabia que sua vida iria piorar quando morasse
naquela casa amaldiçoada. O que sentira, no dia em que a visitara, não era um
sentimento natural. Alguma coisa estava terrivelmente errada naquela casa e
apenas Tassiane percebera. Mas seus pais não acreditavam nela. Seu pai achava
que era por causa do aspecto que a casa tinha, que Tassiane havia se sentido
daquele jeito. A mãe, por sua vez, atribuía esse estado de espírito à saudade
que a filha tinha dos amigos que deixara em Uruguaiana.
..........- Você verá
como a nossa casa vai ser boa, querida – falou Rodrigues, olhando em direção a
Tassiane. – Lá cada uma de vocês terá o seu próprio quarto.
..........- E que
quarto! – completou Júlia.
..........Tassiane
observou que tanto os pais quanto a irmãzinha pareciam bem animados.
..........- O meu
quarto é bem grande. Eu poderia ter uma estante para guardar todos os meus
livros, pai?
..........- Claro, Alice.
O quarto é tão grande que poderá ter uma estante enorme – respondeu o pai.
..........- É mesmo?
..........- Claro,
querida. Vamos fazer assim: eu vou comprar as madeiras para fazer uma estante
que caibam muitos livros, sua televisão, o rádio e o material escolar.
..........- Obrigada, pai – respondeu a garotinha, feliz.
..........- E você, meu
bem, vai querer alguma coisa para o seu quarto novo? – perguntou o homem,
olhando na direção de Tassiane.
..........- Não,
obrigada, pai.
..........- Amanhã
vocês verão como a casa está bonita. Ninguém, que a veja agora, acreditaria que
estivesse do jeito que nós vimos há quatro meses – comentou Júlia, com um largo
sorriso. – E seu pai fez tudo sozinho – acrescentou a mulher.
..........- Eu posso me
deitar agora? – perguntou Tassiane, com um olhar abatido.
..........- Sente-se
bem, filha? Você mal tocou na comida...
..........- Só estou cansada, mãe. E também sem fome.
..........- Só estou cansada, mãe. E também sem fome.
..........- Tudo bem,
querida, vá dormir.
..........Júlia
observou Tassiane retirar-se da mesa em direção ao seu quarto. Tomara que não
seja nada relacionado à nova casa, pensou a mulher.
..........- Pai, e para
guardar os meus brinquedos? – perguntou Maria Alice. – Eu não vou deixá-los no
chão, não é?
..........- É claro que
não. Já está na minha lista as madeiras que tenho que comprar, para fazer um
grande armário.
..........- Legal, pai.
..........- É, também
acho legal. Mas agora está na hora de dormir, mocinha – falou a mulher.
..........Maria Alice
abraçou seus pais e foi para o quarto. Viu Tassiane deitada de costas, as mãos
cruzadas sob a nuca, o olhar parado, mirando para o alto. Parecia que estava
dormindo de olhos abertos.
..........- Em que está
pensando? – perguntou Maria Alice, enquanto subia à beliche.
..........- A partir de
amanhã, dormiremos sozinhas, pois cada uma terá o seu quarto. Você não está com
medo?
..........- É claro que
não – respondeu Maria Alice na mesma hora. – Eu quero ter um quarto só para
mim.
..........Eu sou a
única que está com medo, pensou Tassiane, infeliz. Por que somente ela havia
sentido algo ruim na casa? Isso não fazia o menor sentido. Se a casa fosse
realmente maligna, todos deveriam se sentir daquele jeito, refletiu a menina.
..........Eram cerca de
sete horas da manhã quando o caminhão de mudanças encostou em frente a casa
alugada pelo Sr. Rodrigues.
..........- Querido,
deve ser o caminhão – falou Júlia, ao ouvir a buzina.
..........- Ótimo. Você
leva as crianças à escola que eu vou ficar aqui, ajudando a transportar os móveis.
..........Júlia
dirigiu-se ao quarto das garotas. As duas ainda dormiam.
..........- Tassiane, Alice,
acordem, vamos!
..........- O que é essa barulheira? – perguntou Tassiane, sonolenta.
..........- O que é essa barulheira? – perguntou Tassiane, sonolenta.
..........- Os homens
estão começando a carregar os móveis, Tassi. Você e sua irmã devem se arrumar
agora. O café está na mesa – falou a mulher, saindo do quarto.
..........- Ei, sua
dorminhoca, acorde – falou Tassiane a Maria Alice, que ainda estava deitada.
..........Maria Alice
reclamou um pouco, mas logo estava em pé, trocando a roupa. Em minutos, as
meninas se encontravam à mesa para o café.
..........- Gurias,
quando eu for à escola hoje para buscá-las, iremos direto para a nova casa.
..........Maria Alice
sorriu, mas Tassiane empalideceu. Seus pais trabalhariam na mudança pela manhã
e, à tarde, já estariam naquele lugar detestável.
..........Quando
visitara a casa, quatro meses atrás, Tassiane passou as duas semanas seguintes
tentando convencer a mãe a falar com o pai para que desistisse da propriedade.
Mas sua mãe não quis escutá-la e o seu pai a ignorou por completo na primeira
tentativa, ao final da segunda semana. Percebendo que não podia impedir o
inevitável, Tassiane desistiu. Então passou para uma outra linha de raciocínio:
tentava não pensar na casa, nem no dia em que iria morar lá, na esperança de
que tal dia nunca chegasse. Mas ele chegou. Era hoje.
..........- Vai ficar
aí, com essa cara de abobada? A mamãe está esperando no carro – disse Maria
Alice, trazendo Tassiane de volta à realidade.
..........Tassiane
percebeu que segurava o sanduíche. Não havia comido nem a metade. Olhou para a
xícara de café, observado que mal o havia tocado. Colocou o sanduíche num
prato, levantou-se da cadeira e foi para o carro.
..........- Meninas,
chegamos. A partir de agora, iniciaremos uma nova vida – falou Júlia, acionando
o dispositivo para abrir o portão.
..........De dentro do
carro, Tassiane observava o caminhão da mudança, ainda parado em frente à nova
casa. O carro começou a andar, entrando no pátio, cujo nível era bem mais
elevado que o da rua. A garota observou o terreno muito bem decorado e a casa
completamente reformada. Desta vez, não sentiu nenhum mal-estar. Parecia uma
casa como outra qualquer. Não, não era uma simples casa, mas sim um casarão
lindo.
..........- Olá,
garotas, gostaram da casa? – perguntou Rodrigues às filhas, que ainda não a
tinham visto completamente reformada.
..........Ao ver que
não só Maria Alice, mas Tassiane também sorria, o homem sentiu-se aliviado.
Terminou de acertar o pagamento com os homens da mudança e aproximou-se das
filhas.
..........- E então?
Está muito bonita, não?
..........- Essa casa é
linda, pai – respondeu Maria Alice.
..........- É, eu
também gostei – concordou Tassiane.
..........Rodrigues e
Júlia se entreolharam e sorriram. Tudo havia dado certo, afinal de contas.
Capítulo 4
Quase três semanas havia se passado, e tudo estava normal na nova
casa. Tassiane gostava de seu quarto que ficava no segundo pavimento, próximo a
uma palmeira. Tinha uma boa vista. Tassiane também gostava de olhar de lá do
alto para o terreno, cuja decoração fora elaborada por seu pai.
..........A garota
sorriu ao lembrar como havia sido tão infantil ao tentar dissuadir seus pais da
ideia de morarem ali. Que bobagem teria sido aquela? A casa era perfeita –
pensou Tassiane. Ainda não recebera a visita de nenhum colega de sua escola
porque todos moravam longe, mas estava planejando algo assim com suas amigas
prediletas.
..........Naquele
momento, encontrava-se em seu quarto, curtindo a paisagem pela janela. Embora
estivesse escuro, o pátio estava bem iluminado, pois o pai distribuíra vários
pequenos postes ao longo das trilhas. À noite, com a iluminação dos postes, o
terreno parecia ficar mais bonito ainda.
..........As batidas na
porta do quarto desviaram a atenção de Tassiane.
..........- Tassi,
mamãe mandou avisar que a janta está pronta – disse Maria Alice, sem abrir a
porta.
..........- Já vou –
respondeu Tassiane.
..........A garota
aproximou-se da porta e a abriu. Olhou para os dois lados do corredor. Maria
Alice não se encontrava mais à vista. Ela deve estar com fome, imaginou
Tassiane, numa tentativa de explicar porque motivo a irmãzinha teria sumido tão
rápido.
..........Tassiane saiu
do quarto, fechou a porta e andou pelo corredor em direção à escada. Descendo a
escadaria, chegou à sala. Ao entrar na cozinha, viu sua mãe de costas, junto ao
fogão. Seu pai e sua irmã estavam sentados à mesa.
..........- Querida, vá
chamar a Tassiane para o jantar.
..........- Já cheguei,
mãe, não precisa mandar a Alice me chamar outra vez.
..........A garota
percebeu a irmãzinha olhando-a de um modo estranho.
..........O pai
continuava concentrado na leitura de uma revista de decoração.
..........- Ah, você
está aí, querida – disse a mulher virando-se. – Bem, vamos jantar.
..........Todos agora
estavam sentados à mesa, comendo. No momento em que Júlia iniciou uma conversa
com o marido sobre decoração, Maria Alice olhou para a irmã mais velha e
perguntou:
..........- Que negócio
é esse de te chamar outra vez? Hoje eu não fui ao seu quarto avisar que a janta
estava pronta.
..........Tassiane
estremeceu.
..........- Você não
vai dormir, querido? – perguntou Júlia a Rodrigues, horas mais tarde, quando se
encontravam no quarto. O homem estava parado na janela, apreciando a decoração
do pátio.
..........- Tem razão,
é melhor eu ir me deitar – respondeu, fechando a janela.
..........Rodrigues deitou-se, cruzando as mãos atrás da cabeça,
olhando fixamente para o teto.
..........- O que foi?
..........- Sei lá,
Júlia. Por algum motivo, aquela galinha não me sai da cabeça.
..........Rodrigues se
referia à galinha que atropelara em sua calçada, ao tentar entrar com o carro.
..........- É só uma
galinha, amor. Deixe isso pra lá.
..........- Júlia,
nossos vizinhos não têm galinheiros.
..........- Eu sei
disso. Vai ver alguém comprou galinhas em um aviário e uma delas escapou.
..........- Essa é a
única explicação racional, não?
..........- Acho que
sim, querido.
..........Júlia tinha
falado a mesma coisa ao marido pela manhã, após o incidente. Alguém pelo jeito
ia dar uma festa e comprara várias galinhas. Uma delas devia ter escapado.
..........- Seja como
for, querido, era só uma galinha. Esqueça o assunto, tá?
..........O homem fez
silêncio.
..........- Olha, em
vez de ficar preocupado com a galinha do vizinho, que tal cuidar de sua esposa?
..........Rodrigues riu
e abraçou sua mulher. Não pensou mais no assunto.
..........- E aquela
sua amiga, Júlia, não virá nos visitar?
..........- Ah, a
Luciana? Ela está viajando, amor. Retorna só mês que vem.
..........- Estamos
aqui há quase um mês e ainda não tivemos uma visita.
..........- Querido, a
Luciana é a única pessoa que conhecemos que mora nesta cidade.
..........- É, tem
razão. Acho melhor descansarmos, tivemos um dia cheio.
..........Era
sexta-feira. Tassiane estava em seu quarto, sentada na cama, lendo o livro “As
Crônicas de Nárnia”, retirado da biblioteca pública. Tratava-se de um volume
único, com mais de setecentas páginas.
..........- Tassiane,
hora da janta – falou Maria Alice, batendo à porta, sem abri-la.
..........- Já vou –
respondeu a garota, colocando o marcador de página e deixando o livro sobre a
cômoda.
..........Tassiane
chegou à cozinha e viu sua mãe de costas, abaixada, tirando com calma o assado
do fogão.
..........- Querida, vá
chamar a Tassiane. A janta está servida.
..........- A Alice já
me chamou, mãe – falou Tassiane, sentando-se à mesa.
..........- É claro que
eu não te chamei – disse Maria Alice, irritada.
..........- Chamou,
sim. É a segunda vez que você faz isso.
..........- Meninas,
que discussão é essa?
..........- A Alice
bate à minha porta para me chamar pra jantar e sai correndo. Quando eu chego à
cozinha, ela diz que não me chamou. A primeira vez que ela fez isso foi na
segunda-feira. Hoje ela fez de novo.
..........- É mentira.
Você está inventando isso – retrucou Maria Alice, com raiva.
..........- Alice!
Gurias! Parem!
..........Júlia olhou
para o marido, absorto na leitura de uma revista de decoração.
..........- Rodrigues!
Rodrigues!
..........- Hã? Ah, a
janta está servida! Vamos comer?
..........Júlia e as
filhas olharam espantadas para o homem. Rodrigues não havia se dado conta da
confusão. Ficara o tempo inteiro hipnotizado pela revista.
..........- O que foi?
– perguntou o homem, confuso com o fato de todos o encararem daquele jeito.
..........- Vamos comer
– disse a mulher.
..........- Querido,
acho que tem alguma coisa errada com esta casa – falou a mulher quando ela e o
marido estavam no quarto.
..........- Do que está
falando, Júlia?
..........- Você não
percebeu que as meninas discutiram. Tassiane havia afirmado que Alice a tinha
chamado duas vezes para jantar e Alice negava.
..........- Querida, é
bobagem delas, você sabe disso.
..........- Talvez.
Mas, e se não for?
..........- O que quer
dizer, Júlia?
..........- Tassiane
falou que Alice a chamou segunda-feira e a outra vez foi hoje.
..........- E daí?
..........- Daí que
segunda-feira você atropelou a galinha na calçada. A partir daí, Tassiane
começou a ficar estranha.
..........- Querida,
não vamos fazer uma tempestade em um copo d'água, está bem?
Galinhas são atropeladas, meninas discutem, a vida é assim. Vamos esquecer o
assunto, tá?
..........- Tudo bem,
amor. Prometo esquecer.
..........- Mesmo?
..........- Mesmo!
..........- Mesmo!
..........Tassiane
encontrava-se em seu quarto. Retomara a leitura do livro “As Crônicas de
Nárnia”. Mas um ruído chamou-lhe a atenção: um de seus ursinhos caíra da
estante e acionara a voz “Eu te amo, eu te amo, eu te amo”, como se alguém
tivesse pressionado sua barriga. A garota sobressaltou-se. Deixou cair o livro
sobre a cama, aproximou-se da estante e sorriu ao ver o ursinho no chão.
Colocou-o de volta à estante, deixando-o mais afastado da beirada. Voltou à
cama para continuar a leitura.
..........Mal a menina
começou a ler, ouviu outro ruído: uma das gavetas do roupeiro estava aberta.
Tassiane ficou assustada. A noite estava estranha. Primeiro havia sido a sua
irmã, em seguida o urso e agora a gaveta. A menina saiu da cama, com o objetivo
de fechar a gaveta. Ao fechá-la, tomou um grande susto: a televisão ligou-se
sozinha, com o volume ao máximo.
..........Tassiane
começou a gritar. Foi até a porta e tentou abri-la, mas estava trancada. Forçou
a maçaneta ao máximo que pôde e finalmente abriu a porta. Correu até o quarto
dos pais.
..........- Mãe, abra a
porta – gritava Tassiane, socando e chutando violentamente a porta.
..........- Tassi, mas
o que...
..........A menina nem
deixou o pai terminar a frase. Correu em direção à mãe.
..........- Eu não
quero mais dormir naquele quarto – gritou a menina, desatando a chorar.
..........Júlia
aproximou-se da filha e a abraçou. Alguma coisa a tinha perturbado
profundamente. Era necessário acalmá-la.
..........- Tassi, está
tudo bem. Acalme-se e nos conte o que está acontecendo, para que possamos
ajudá-la.
..........- Tem alguma
coisa errada naquele quarto, mãe – falou a garota, em meio aos gemidos. – Eu
tenho ouvido vozes, meu ursinho caiu no chão, a gaveta do roupeiro abriu
sozinha e a televisão se ligou por si.
..........- Tassi, você
não vai começar outra vez com histórias de fantasmas, não é?
..........- Pai, tem
alguma coisa errada naquele quarto. Por que não querem acreditar em mim?
..........- Filha, não
há nada de errado com o quarto. Venha, eu vou lhe mostrar – disse a mãe, indo
em direção à porta.
..........- Vamos,
Tassi – falou o pai, vendo que a menina não se mexia.
..........Com
relutância, Tassiane começou a andar. Deixou seus pais irem à frente. Esperou
que entrassem em seu quarto. Aproximou-se da porta e ficou chocada com o que
viu.
..........- Mas o que é
isso? – perguntou Tassiane, perplexa.
..........- Agora
chega. Que tipo de jogo está fazendo com a gente, mocinha? – perguntou o pai,
irritado. A mãe também estava indignada.
..........- Tassiane, o
que significa isso?
..........A garota não
respondeu. Estava mais surpresa que seus pais ao ver a bagunça que estava seu
quarto: tudo o que havia no roupeiro, na cômoda e na estante estava espalhado
pelo chão. A televisão, de 29 polegadas, de alguma maneira tinha parado em cima
de sua cama.
..........- Eu não sei
por que você fez isso, Tassiane, mas trate de arrumar agora – falou o pai,
saindo do quarto, logo após devolver a enorme televisão à estante.
..........- Mãe, eu não
fiz isso.
..........- Pare com
histórias, Tassiane. Ninguém está gostando disso.
..........- Mas, mãe...
..........- Chega. Vá
arrumar o seu quarto.
..........Tassiane
fechou a porta do quarto e começou a chorar. Desde segunda-feira, coisas
estranhas começaram a acontecer com ela. Mas seus pais não acreditavam. Eles
achavam que ela estava fazendo isso para que se mudassem. Naquele momento,
Tassiane pensou no quanto gostaria de ir embora daquele lugar. Estava se
sentindo tão mal quanto no dia em que visitou a casa pela primeira vez.
..........Eram cerca de
11h30min da manhã quando Tassiane acordou. Ficara até altas horas da madrugada
arrumando o quarto. Levantou-se e trocou de roupas. Ouviu batidas na porta.
..........- Oi, Tassi –
falou Maria Alice, entrando no quarto. – Já é quase meio-dia, a mãe me pediu
para avisar você que o almoço está pronto.
..........- Ah, tá, já
vou.
..........- Tem mais
uma coisa.
..........Tassiane
olhou para a irmãzinha, que procurava algo em seus bolsos.
..........- Quero te
dar isso – disse a menina, mostrando a Tassiane a correntinha de prata, cujas
extremidades se uniam em um pequeno coração.
..........- Nossa, como
conseguiu isso?
..........- Você não gostou?
..........- Você não gostou?
..........- É claro que
gostei. Mas como conseguiu? Não parece ser uma bijuteria.
..........- Eu achei
naqueles móveis antigos do porão.
..........- Você foi ao porão? Mas não é perigoso?
..........- Não tem nada lá, a não ser aqueles móveis velhos.
..........- Você foi ao porão? Mas não é perigoso?
..........- Não tem nada lá, a não ser aqueles móveis velhos.
..........A menina
pensou um pouco e prosseguiu:
..........- Vamos lá
depois do almoço? Pode ser que a gente encontre mais coisas.
..........- Tudo bem, Alice,
combinado.
..........A garotinha
começou a sair do quarto da irmã mais velha, mas Tassiane a chamou:
..........- Alice.
..........A menina
virou-se
..........- Obrigada
pela pulseira.
..........Maria Alice
sorriu e foi para a cozinha.
..........Tassiane
olhou para a televisão, tentando imaginar como seus pais acreditaram que ela
tivesse colocado o aparelho sobre a cama. Como conseguiria erguer algo tão
grande e pesado? Ela tinha 29 polegadas! Mas o fato é que, mesmo pensando que
tinha sido arte da filha mais velha, o pai a devolvera à estante, pensou a
garota.
..........A menina foi
para a cozinha. Sentia muita fome, pois trabalhara boa parte da madrugada.
Sentou-se, receosa de que seus pais começassem a interrogá-la sobre a noite
anterior. O que diria? Que fantasmas estavam deixando-a aterrorizada? Tassiane
não fazia ideia do que responder, mas o fato é que seus pais não tocaram no
assunto.
..........- Vamos lá? –
perguntou Maria Alice à irmã mais velha, após o almoço.
..........- Tudo bem –
respondeu Tassiane, levantando-se.
..........Tassiane
nunca havia entrado no porão. Nunca tivera a curiosidade de saber o que
encontraria lá, até agora.
..........- Quanta
velharia. De onde vieram essas coisas?
..........- O pai disse
que esses móveis estavam na casa. Quando começou reformá-la, trouxe tudo para
cá – respondeu Maria Alice.
..........A garota mais
velha ficou olhando os móveis. Havia armários, roupeiros, camas, mesas,
cadeiras, uma escrivaninha e um fogão à lenha. Parecia um museu histórico.
..........- Venha,
vamos ver se encontramos alguma coisa – convidou Maria Alice, começando a mexer
em portas e gavetas.
..........Tassiane
começou a vasculhar o ambiente. Encontrou um colar e um anel que pareciam ser
de prata. Maria Alice achou roupas, revistas e livros. Reuniram todo o material
sobre uma mesa.
..........Vai ficar com
alguma coisa, Tassi?
..........- Eu gostei
das coisas que encontrei. Sim, vou ficar. E você?
..........- As roupas
são muito grandes e feias, não vou querer. Mas os livros e as revistas vão
entrar para a minha coleção – respondeu a garotinha, feliz.
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