domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capa

Tassiane, de 13 anos, a filha mais velha de Rodrigues e Júlia, sente-se mal ao visitar a casa do centro de Canoas, RS, comprada por seus pais. Durante o período da reforma, a menina tenta, em vão, dissuadi-los da ideia de se mudarem para aquela residência. Poucas semanas depois da mudança, coisas estranhas começaram a acontecer com a garota. Desesperada, Tassiane relata as situações a seus pais, mas eles simplesmente não acreditam nela. As coisas vão se complicando cada vez mais, sem que a menina consiga convencê-los de que alguma força maligna atua naquela casa. Certo dia, a família recebe a visita de Rosa, uma adolescente de dezessete anos, grávida de seis meses. Rosa conta que morou naquela casa há vários anos. Após uma agradável conversa com a família de Tassiane, Rosa se despede. Dias depois, algo estranho também acontece com Rodrigues e Júlia, ao decidirem visitar Rosa. Chegando à casa da menina, são recebidos por seus pais. Na ocasião, descobrem que a garota faleceu há 12 anos. Mas Rodrigues, mesmo encontrando a sepultura de Rosa, alega que tudo não passa de um engenhoso plano para que vendam a casa por um preço irrisório. Em seguida, Júlia encontra, entre os móveis velhos do porão, o diário de Rosa, onde ela relata coisas terríveis que lhe aconteceram. Júlia percebe, então, que realmente há alguma coisa estranha na casa, capaz de perturbar Tassiane. A mulher, preocupada, solicita a ajuda do padre Vicente, que começa a investigar o caso, descobrindo que as coisas um dia vivenciadas por Rosa agora se repetem na vida de Tassiane. Agora Júlia deverá encontrar um meio de convencer Rodrigues a deixarem a casa, antes que o pior aconteça à filha.

Capítulo 1

21 de fevereiro de 2011, 9h, Canoas, RS.
..........- Vamos entrar, querida, não custa nada darmos uma olhada – falou Rodrigues à esposa, olhando de dentro do automóvel a casa da rua Teófilo Gama, 871.
..........- Ela não parece meio... destruída?
..........- Ah, que isso, querida. Se a casa se encontra neste estado, então o dinheiro que temos deve ser o suficiente para comprá-la à vista. Não tendo dívidas, podemos reformá-la tranquilamente.
..........Júlia concordou e saiu do carro. Ela e o marido entraram no terreno para olhar a casa mais de perto. Parte do telhado havia desmoronado. Cacos de telha espalhavam-se pelo terreno, como se tivessem sido jogadas lá do alto e se espatifado no chão. A parte do madeiramento que não contava mais com a proteção de telhas havia apodrecido, devido à exposição ao tempo.
..........As janelas não estavam melhores: a maioria da vidraça estava quebrada; muitas venezianas pendiam para o lado, suspensas apenas por uma dobradiça – Júlia teve a impressão de que o próximo vento forte derrubaria as que ainda restavam.
..........A pintura desgastada, somada ao reboco rachado, fruto da total falta de manutenção, necessitaria de um grande investimento para sua restauração, pensou a mulher, avaliando a situação. Desviando o olhar da casa, Júlia observou o pátio novamente, fuzilado por telhas quebradas – ou que haviam se quebrado na queda. Três árvores estavam caídas e o mato tomava conta. Sabia que o marido, caprichoso como era, deixaria o lugar simplesmente lindo, mas teria muito trabalho.
..........- Venha, vamos olhar lá dentro – convidou o homem.
..........O seu interior também não estava com um aspecto muito bonito: quase todas as paredes apresentavam partes onde o reboco descascara, a massa ainda descansando no chão; a pintura, completamente gasta, era impossível de ser identificada; rachaduras em diversas paredes sugeriam problemas em sua estrutura.
..........- Querida, os cômodos são grandes, exatamente como gostaríamos. Vamos dar uma olhada lá em cima.
..........O casal subiu a escadaria e constatou que no segundo pavimento as coisas estavam do mesmo jeito que no primeiro.
..........- Se comprarmos, teremos muito trabalho, amor. Sairá caro contratarmos pedreiros...
..........- Querida, muita coisa podemos fazer sozinhos. Podemos limpar tudo, restaurar o reboco, trocar as lajotas que estiverem quebradas, pintar e trocar as portas e janelas que não puderem ser consertadas. Apenas contrataremos prestadores de serviços para a eletricidade, o encanamento e o telhado. Economizaremos uma fortuna em mão-de-obra.
..........- Tudo bem, amor, mas e as meninas?
..........- O que tem elas?
..........- E se não gostarem da casa?
..........- Está brincando, querida? Depois de pronta, esta casa ficará linda. Veja só este pátio enorme. Usarei meus conhecimentos em paisagismo para decorá-lo. Em alguns meses, a nossa casa será a mais bonita da rua.
..........- Tudo bem – concordou Júlia, pensativa.
..........- Querida, você não gostou da casa? Se não quiser comprá-la, podemos continuar procurando, para mim não tem problema.
..........- O quê? Não, amor, eu gostei. Na verdade, adorei a casa. É bem localizada, próximo à escola estadual e à Universidade La Salle, tem cômodos enormes... Resumindo, está bem de acordo com o que procuramos. Resta apenas saber o preço.
..........- Muito bem. Se você gostou, vou entrar em contato com a imobiliária – respondeu o homem, pegando o celular.
..........- Imobiliária Madruga, Karina, bom-dia.
..........- Bom-dia. Meu nome é Rodrigues e eu estou aqui, em um dos imóveis a ser vendido por vocês.
..........- Qual o endereço, por gentileza?
..........- Não me recordo qual é a rua, mas trata-se de uma casa toda arrebentada, próximo à Escola Estadual André Leão Puente.
..........- Ah, sim, já me localizei. O senhor está interessado em adquirir a propriedade?
..........- Possivelmente. Eu gostaria de saber o valor.
..........- Já lhe informo, senhor. Deixe apenas acessar o registro no banco de dados. Deixe-me ver... aqui está. O dono está pedindo R$ 100.000,00.
..........- Cem mil reais? Mas, um terreno não custa mais do que isso nesta região?
..........- Certamente, senhor. Mas, considerando que a casa precisará ser totalmente desmanchada ou reformada, imagina-se que os custos para isso seriam elevados. Dessa maneira, o dono quis fazer um abatimento no preço.
..........- Mas ainda assim...
..........- Bem, há mais coisas envolvidas: o proprietário quer voltar ao Pará o mais rápido possível. Este é o outro fator que contribui para a desvalorização do imóvel.
..........- Muito bem. Gostaria de fechar o negócio ainda hoje.
..........- Claro, senhor. Quer uma carona para o nosso escritório? Poderei buscá-lo, se preferir.
..........- É muita gentileza, mas não se incomode. Eu estou de carro. Apenas me consiga o endereço.
               
..........- Vocês só podem estar brincando! – exclamou Tassiane, perplexa. – Pai, achei que o senhor e a mãe fossem adquirir uma casa, não as ruínas de um prédio histórico da cidade.
..........Rodrigues havia buscado as meninas na escola às 11h45min, como de costume. Após o almoço, ele e sua esposa levaram as duas para conhecer a futura casa.
..........- Querida, não é tão ruim assim – disse Júlia.
..........- Mãe, daqui do carro podemos ver que a casa está deteriorada. É um risco grande chegar perto, pode cair um tijolo ou uma telha na gente.
..........- Tassiane, por favor! – falou a mulher, saindo do carro.
..........Maria Alice e Rodrigues também saíram do carro, mas Tassiane mantinha-se sentada.
..........- Tassi, por favor, não crie problemas – falou Júlia, olhando para o marido e Maria Alice, que já cruzavam o portão. - Querida, seu pai se esforçou muito para que chegássemos até aqui – disse a mulher, entrando no carro novamente. – Não jogue fora todo o esforço dele só porque não gostou da casa.
..........- Não é isso, mãe, eu...
..........- Tudo bem, eu sei que você sente falta dos amigos que deixou para trás.
..........- Eu não quero morar aqui, mãe – disse Tassiane começando a soluçar.
..........Júlia ficou com pena da filha. Mas não havia muito o que fazer, recém tinham fechado a compra da propriedade.            
..........- Querida, seu pai e eu ficamos semanas procurando a casa ideal. Finalmente encontramos. Dê-nos uma chance, sim?
..........Tassiane saiu do carro. Quando cruzou o portão, arrepiou-se. Alguma coisa estava errada naquela casa... muito errada.
..........Júlia estranhou que a menina, ao entrar no pátio, pegasse em sua mão. Tassiane era uma mocinha, logo completaria quatorze anos. Fazia tempo que a filha mais velha não segurava sua mão, pensou Júlia. Reparou que a menina olhava fixamente para a casa, com uma expressão de medo.
..........- Ah, vocês estão aí – falou Rodrigues, descendo a escada com Maria Alice, ao ver Júlia e Tassiane na sala. – Venha conhecer o seu quarto, querida – disse a Tassiane.
..........A garota subiu a escada na companhia dos pais e da irmãzinha. Passou por um corredor e finalmente chegou ao cômodo que usaria como quarto.
..........- Veja, é espaçoso e há uma linda vista. Pode-se ver o pátio e a rua – falou o homem, animado.
..........- Pai, podemos ir agora? – pediu Tassiane. - Não gosto de construções, pai, a casa fica muito feia.
..........- Tudo bem, vamos embora, então.
..........Tassiane começou a andar, puxando a mãe com força. Queria dar o fora daquela casa o mais rápido possível. A menina somente largou a mão de sua mãe quando chegou à calçada. Entrou no carro e ficou olhando para o outro lado – não queria olhar na direção da casa.
..........Chegando a casa que ocupavam, correu para o seu quarto e ficou trancada lá, até a hora da janta.
..........- Tassi, a janta está pronta, estamos apenas esperando você.
..........Júlia não obteve resposta.
..........- Querida, abra a porta.
..........Relutante, a menina obedeceu.
..........- O que está havendo, Tassi?
..........- A gente vai mesmo morar naquela casa horrorosa, mãe?
..........Júlia suspirou.
..........- Querida, não podemos voltar para Uruguaiana. Sinto que tenha que ter deixado os seus amigos, mas já é hora de superar isso, não acha?
..........- Não é isso, mãe.
..........- O que é, então?
..........- É aquela casa. Ela é maligna.
..........- Querida, é só uma casa. Não é um dragão devorador de mocinhas. Não vá querer me convencer de que há fantasmas naquela casa, está bem?
..........Tassiane não respondeu.
..........- Olha, o seu pai sempre foi bom para vocês. Não quero que o entristeça com essas fantasias sobrenaturais, tá? Nós não estamos em um filme de terror. Isso é a vida real. Venha, vamos jantar – falou a mulher, abraçando a filha.
..........Após a janta, Tassiane voltou ao seu quarto, desolada. Deitou-se na cama e começou a pensar sobre o porquê de não poderem continuar ali. Era uma casa de madeira, tão feia que nem pintada ficaria bonita. Era alugada, mas e daí? Sentia-se bem ali, não gostaria de sair.
..........A reforma da nova casa não iria demorar muito tempo, pensava Tassiane, angustiada. Seu pai era paisagista e não construtor. Mas era forte e rápido. Logo tudo estaria limpo e já iniciaria os reparos. Em questão de meses, calculava Tassiane, a casa estaria completamente reformada. Seria obrigada a se mudar para lá, talvez próximo à data de seu aniversário. Que belo presente para uma menina que completará quatorze anos – pensou a garota com tristeza.

Capítulo 2

Era manhã de quinta-feira. Na segunda, haviam comprado a casa. Na terça e na quarta, Rodrigues e sua esposa dedicaram-se apenas à limpeza do terreno e da casa. Agora dariam início à reforma.
..........- Finalmente chegaram – falou Rodrigues a sua esposa, ao ver um pequeno caminhão estacionar em frente à propriedade.
..........O homem e sua mulher estavam na área, tomando café. Ao ver o caminhão encostar, Rodrigues entregou sua xícara à mulher e saiu caminhando, em direção à calçada.
..........- Com licença, amigos.
..........Os homens retornaram o cumprimento de Rodrigues, mas não pararam de trabalhar. Pareciam estar com pressa.
..........Rodrigues ajudou a descarregar o material do caminhão. Tentou conversar um pouco com o motorista e seus companheiros, enquanto empilhava telhas e tijolos na calçada, mas os homens mostravam-se muito calados. Cerca de vinte e cinco minutos depois, todo o material havia sido retirado do caminhão.
..........- Será que poderiam colocar o cimento e as madeiras dentro da casa? Isso iria facilitar muito o meu trabalho – perguntou Rodrigues, logo que o trabalho estava concluído.
..........- O quê? Não, senhor, sinto muito – respondeu o motorista.
..........- Mas estamos entre quatro. Seria rápido – argumentou Rodrigues.
..........- Lamento, mas não vai dar – respondeu o homem, nervosamente.
..........- Escutem, é responsabilidade de vocês. Faz parte do seu trabalho o que eu estou pedindo. Podem ter certeza de que vou reclamar na madeireira.
..........- Claro, claro, faça o que julgar necessário. Tenha um bom-dia – falou o homem, entrando rapidamente no caminhão.
..........Os outros dois ajudantes também não perderam tempo para entrar no veículo e irem embora. Rodrigues ficou parado, tentando entender a situação.   
..........- Mas é inacreditável! – falou Rodrigues, largando algumas madeiras no chão da sala.
..........- O que houve? – assustou-se a esposa.
..........- Aqueles entregadores imbecis não passam de uns vagabundos. Não quiseram me ajudar a trazer o material para dentro.
..........- O quê? Mas isso é serviço deles.
..........- Foi o que falei àqueles palermas. Até ameacei-os, dizendo que reclamaria na madeireira. Mas eles não quiseram nem saber, deixaram todo o material na calçada. Agora eu vou perder a manhã inteira só para carregar as coisas.
..........- É uma pena. Eram três homens, não? Vocês quatro fariam tudo em poucos minutos.
..........- Também disse isso a eles, mas os vadios entraram no caminhão e foram embora.
..........- Isso é estranho. Por que agiram desse jeito?
..........- O que isso importa, Júlia? O fato é que essa madeireira perdeu o cliente.
..........A mulher ficou olhando o marido ir em direção à calçada. Rodrigues comprara quinze sacos de cimento e madeiras para fazer andaimes, construir uma escada e também reparar o telhado. Encomendara cinco mil tijolos maciços, com o objetivo de erguer várias paredes internas que haviam sido parcialmente derrubadas, tanto no primeiro, quanto no segundo pavimento. Além disso, também pedira à madeireira três mil telhas esmaltadas – boa parte da casa estava destelhada e todo esse material estava na calçada, ocupando até mesmo uma parte da rua. Ele não vai levar a manhã toda, mas o dia inteiro, pensou a mulher, tentando imaginar o porquê de os entregadores se recusarem a entrar no pátio.

..........Dois meses havia se passado. As paredes derrubadas foram reerguidas e o reboco estava quase totalmente restaurado. Rodrigues retornava de uma madeireira, onde havia ido para comprar lajotas. Em vez de substituir todo o piso, o que sairia caríssimo, o homem resolveu fazer uma combinação com as lajotas que comprara.
..........- Saiu muito caro, querido? – perguntou a mulher, ao ver o marido entrar na cozinha.
..........- Não, graças à ideia de combinação. A madeireira disse que o material chegará ainda hoje.              
..........- Você saiu cedo hoje e ainda não comeu nada. Sente-se, preparei um café.
..........- Ah, você é uma doçura!
..........Enquanto o homem tomava café, a mulher organizava a cozinha. Como era a parte mais usada da casa no momento, seria a última coisa a ser reformada.
..........- Bem, já são 9h30min. Tenho que ir embora, amor. Depois trago a sua vianda.
..........- Claro, meu bem, até mais.
..........Rodrigues foi para o segundo pavimento da casa, terminar a restauração do reboco. Subiu no andaime e mexeu um pouco na massa da caixa com a colher de pedreiro. Quando ia começar a jogar a massa na parede, ouviu sua mulher chamando-o da escada.
..........- O que foi? – perguntou, aproximando-se da esposa.
..........- Dê uma olhada aqui – respondeu a mulher, dirigindo-se à porta. Em seguida, começou a andar pelo pátio, em direção à calçada.
..........Rodrigues estacou. As lajotas, o cimento-cola e o rejunte que comprara foram simplesmente largados na calçada, sem maiores satisfações. E este material havia sido comprado em outra madeireira.
               
..........Eram 11h40min. Júlia chegava com o almoço de Rodrigues.
..........- Oi, querido, tudo certo por aqui? – perguntou a mulher, deixando a vianda sobre a mesa.
..........- Oi. Sim, creio que está tudo bem. Só não entendo por que as pessoas não querem entrar aqui.
..........- Acho que você está exagerando, amor. As pessoas têm pressa. Quanto mais rápido fizerem o seu serviço, mais dinheiro irão ganhar.
..........- Sei não. Lembra quando disse a você que precisaríamos contratar prestadores de serviço apenas para o telhado, o encanamento e a eletricidade?
..........- Sim, o que tem isso?
..........Nenhum pedreiro que trabalha nas obras próximas daqui quis o serviço. Quando começava a falar sobre o telhado, pareciam até se interessar. Mas era somente dar o endereço, e eles recusavam o trabalho na hora. Liguei para duas companhias e eles disseram que suas agendas estavam lotadas. Não teriam disponibilidade nos próximos meses. Eu mesmo tive que ir lá e consertar o telhado.
..........- Mas a companhia de luz e a companhia de água mandaram seu pessoal para fazer os consertos.
..........- Sim, mas os eletricistas só precisaram mexer no medidor de luz. Os encanadores também resolveram o problema lá na calçada.
..........- Talvez sejam apenas coincidências, querido. Olha, encontramos a casa que tanto havíamos procurado. Você gosta dela, e eu também gosto. Não vamos deixar esses contratempos estragarem tudo.
..........- Nós podemos gostar da casa, Júlia, mas a Tassi não parece partilhar desse sentimento.
..........- Querido, quando trouxemos as meninas aqui, o aspecto da casa não era dos mais bonitos. A Tassi ainda é pequena, não tem nem quatorze anos. Diferente de nós, ela viu como a casa era e não como ficaria.
..........A mulher aproximou-se e abraçou o marido.
..........- Eu tenho que buscar as meninas agora. Coma o seu almoço antes que esfrie. A gente se vê à noite.

Capítulo 3

Quatro meses havia transcorrido desde o dia da compra da casa. Nas últimas oito semanas, Rodrigues trabalhara com as lajotas dos pisos e os azulejos das paredes dos banheiros e da cozinha. Por fim, cumpriu sua promessa de transformar a propriedade na casa mais bonita da rua, usando seus conhecimentos de paisagista para decorar o pátio. E o terreno ficou realmente bonito: alguns canteiros eram circulares, outros retangulares; trilhas de tijolos maciços distribuíam-se pelo local; estátuas de diversos tamanhos foram estrategicamente posicionadas; uma casinha de madeira, de seis metros quadrados e dois pavimentos fechava com chave de ouro a bela decoração do ambiente.
..........- Finalmente tudo está pronto, querida – disse Rodrigues a sua mulher, ao vê-la entrar na cozinha.
..........- A casa está lindíssima, amor. Você vai ganhar dinheiro como paisagista nesta cidade.
..........Rodrigues sorriu, satisfeito com o comentário. Ele e sua mulher adoraram a casa. Maria Alice não demonstrara ânimo, mas nunca dissera nada contra a mudança. O maior problema seria Tassiane...
..........- Bem, querida, agora que está pronta, acho que nem a Tassi irá reclamar.
..........- Eu espero que não – concordou a mulher.
..........- Talvez tenha sido um erro trazê-la aqui no dia em que a compramos. A casa estava horrível, por esse motivo a Tassi não se sentiu bem.
..........- Querido, já falamos sobre isso, não quero vê-lo se culpando, está bem? A casa estava feia, agora não está mais. Você se esforçou muito para deixá-la linda.
..........Rodrigues abraçou a sua mulher. Júlia era uma ótima esposa e mãe. Dedicava-se ao marido e às filhas de um modo notável.
..........- A sorte sorriu para mim no dia em que te encontrei – falou o homem à mulher, agradecido por suas palavras de consolo.
..........- Vamos, amor, as meninas estão nos esperando.
               
..........-Amanhã será o grande dia, meninas! Casa nova, vida nova – falou Rodrigues à mesa, enquanto jantavam.
..........Tassiane sentiu suas costas ficarem arrepiadas. Há quatro meses, quando visitara a casa na companhia dos pais e da irmã, sentira-se mal. Algo naquela casa era maligno. Sentiu-se aterrorizada. Era como se uma coisa muito ruim fosse lhe acontecer. Lembrava-se que saíra às pressas, como se estivesse fugindo. Não queria voltar mais lá. Nunca mais. Mas os seus pais estavam enfeitiçados pela casa. Sua mãe lhe dissera muitas vezes para que parasse com histórias bobas de fantasmas. Falava sempre do esforço do pai, do trabalho que ele estava tendo para proporcionar uma vida melhor a todos.
..........Uma vida melhor. Ah, que piada! A menina sabia que sua vida iria piorar quando morasse naquela casa amaldiçoada. O que sentira, no dia em que a visitara, não era um sentimento natural. Alguma coisa estava terrivelmente errada naquela casa e apenas Tassiane percebera. Mas seus pais não acreditavam nela. Seu pai achava que era por causa do aspecto que a casa tinha, que Tassiane havia se sentido daquele jeito. A mãe, por sua vez, atribuía esse estado de espírito à saudade que a filha tinha dos amigos que deixara em Uruguaiana.
..........- Você verá como a nossa casa vai ser boa, querida – falou Rodrigues, olhando em direção a Tassiane. – Lá cada uma de vocês terá o seu próprio quarto.   
..........- E que quarto! – completou Júlia.
..........Tassiane observou que tanto os pais quanto a irmãzinha pareciam bem animados.
..........- O meu quarto é bem grande. Eu poderia ter uma estante para guardar todos os meus livros, pai?
..........- Claro, Alice. O quarto é tão grande que poderá ter uma estante enorme – respondeu o pai.
..........- É mesmo?
..........- Claro, querida. Vamos fazer assim: eu vou comprar as madeiras para fazer uma estante que caibam muitos livros, sua televisão, o rádio e o material escolar.
..........- Obrigada, pai – respondeu a garotinha, feliz.
..........- E você, meu bem, vai querer alguma coisa para o seu quarto novo? – perguntou o homem, olhando na direção de Tassiane.
..........- Não, obrigada, pai.
..........- Amanhã vocês verão como a casa está bonita. Ninguém, que a veja agora, acreditaria que estivesse do jeito que nós vimos há quatro meses – comentou Júlia, com um largo sorriso. – E seu pai fez tudo sozinho – acrescentou a mulher.
..........- Eu posso me deitar agora? – perguntou Tassiane, com um olhar abatido.
..........- Sente-se bem, filha? Você mal tocou na comida...
..........- Só estou cansada, mãe. E também sem fome.
..........- Tudo bem, querida, vá dormir.
..........Júlia observou Tassiane retirar-se da mesa em direção ao seu quarto. Tomara que não seja nada relacionado à nova casa, pensou a mulher.
..........- Pai, e para guardar os meus brinquedos? – perguntou Maria Alice. – Eu não vou deixá-los no chão, não é?
..........- É claro que não. Já está na minha lista as madeiras que tenho que comprar, para fazer um grande armário.
..........- Legal, pai.
..........- É, também acho legal. Mas agora está na hora de dormir, mocinha – falou a mulher.
..........Maria Alice abraçou seus pais e foi para o quarto. Viu Tassiane deitada de costas, as mãos cruzadas sob a nuca, o olhar parado, mirando para o alto. Parecia que estava dormindo de olhos abertos.
..........- Em que está pensando? – perguntou Maria Alice, enquanto subia à beliche.
..........- A partir de amanhã, dormiremos sozinhas, pois cada uma terá o seu quarto. Você não está com medo?
..........- É claro que não – respondeu Maria Alice na mesma hora. – Eu quero ter um quarto só para mim.
..........Eu sou a única que está com medo, pensou Tassiane, infeliz. Por que somente ela havia sentido algo ruim na casa? Isso não fazia o menor sentido. Se a casa fosse realmente maligna, todos deveriam se sentir daquele jeito, refletiu a menina.

..........Eram cerca de sete horas da manhã quando o caminhão de mudanças encostou em frente a casa alugada pelo Sr. Rodrigues.
..........- Querido, deve ser o caminhão – falou Júlia, ao ouvir a buzina.
..........- Ótimo. Você leva as crianças à escola que eu vou ficar aqui, ajudando a transportar os móveis.
..........Júlia dirigiu-se ao quarto das garotas. As duas ainda dormiam.
..........- Tassiane, Alice, acordem, vamos!
..........- O que é essa barulheira? – perguntou Tassiane, sonolenta.
..........- Os homens estão começando a carregar os móveis, Tassi. Você e sua irmã devem se arrumar agora. O café está na mesa – falou a mulher, saindo do quarto.
..........- Ei, sua dorminhoca, acorde – falou Tassiane a Maria Alice, que ainda estava deitada.
..........Maria Alice reclamou um pouco, mas logo estava em pé, trocando a roupa. Em minutos, as meninas se encontravam à mesa para o café.
..........- Gurias, quando eu for à escola hoje para buscá-las, iremos direto para a nova casa.
..........Maria Alice sorriu, mas Tassiane empalideceu. Seus pais trabalhariam na mudança pela manhã e, à tarde, já estariam naquele lugar detestável.
..........Quando visitara a casa, quatro meses atrás, Tassiane passou as duas semanas seguintes tentando convencer a mãe a falar com o pai para que desistisse da propriedade. Mas sua mãe não quis escutá-la e o seu pai a ignorou por completo na primeira tentativa, ao final da segunda semana. Percebendo que não podia impedir o inevitável, Tassiane desistiu. Então passou para uma outra linha de raciocínio: tentava não pensar na casa, nem no dia em que iria morar lá, na esperança de que tal dia nunca chegasse. Mas ele chegou. Era hoje.
..........- Vai ficar aí, com essa cara de abobada? A mamãe está esperando no carro – disse Maria Alice, trazendo Tassiane de volta à realidade.
..........Tassiane percebeu que segurava o sanduíche. Não havia comido nem a metade. Olhou para a xícara de café, observado que mal o havia tocado. Colocou o sanduíche num prato, levantou-se da cadeira e foi para o carro.
               
..........- Meninas, chegamos. A partir de agora, iniciaremos uma nova vida – falou Júlia, acionando o dispositivo para abrir o portão.
..........De dentro do carro, Tassiane observava o caminhão da mudança, ainda parado em frente à nova casa. O carro começou a andar, entrando no pátio, cujo nível era bem mais elevado que o da rua. A garota observou o terreno muito bem decorado e a casa completamente reformada. Desta vez, não sentiu nenhum mal-estar. Parecia uma casa como outra qualquer. Não, não era uma simples casa, mas sim um casarão lindo.
..........- Olá, garotas, gostaram da casa? – perguntou Rodrigues às filhas, que ainda não a tinham visto completamente reformada.
..........Ao ver que não só Maria Alice, mas Tassiane também sorria, o homem sentiu-se aliviado. Terminou de acertar o pagamento com os homens da mudança e aproximou-se das filhas.
..........- E então? Está muito bonita, não?
..........- Essa casa é linda, pai – respondeu Maria Alice.
..........- É, eu também gostei – concordou Tassiane.
..........Rodrigues e Júlia se entreolharam e sorriram. Tudo havia dado certo, afinal de contas.

Capítulo 4

Quase três semanas havia se passado, e tudo estava normal na nova casa. Tassiane gostava de seu quarto que ficava no segundo pavimento, próximo a uma palmeira. Tinha uma boa vista. Tassiane também gostava de olhar de lá do alto para o terreno, cuja decoração fora elaborada por seu pai.
..........A garota sorriu ao lembrar como havia sido tão infantil ao tentar dissuadir seus pais da ideia de morarem ali. Que bobagem teria sido aquela? A casa era perfeita – pensou Tassiane. Ainda não recebera a visita de nenhum colega de sua escola porque todos moravam longe, mas estava planejando algo assim com suas amigas prediletas.
..........Naquele momento, encontrava-se em seu quarto, curtindo a paisagem pela janela. Embora estivesse escuro, o pátio estava bem iluminado, pois o pai distribuíra vários pequenos postes ao longo das trilhas. À noite, com a iluminação dos postes, o terreno parecia ficar mais bonito ainda.
..........As batidas na porta do quarto desviaram a atenção de Tassiane.
..........- Tassi, mamãe mandou avisar que a janta está pronta – disse Maria Alice, sem abrir a porta.
..........- Já vou – respondeu Tassiane.
..........A garota aproximou-se da porta e a abriu. Olhou para os dois lados do corredor. Maria Alice não se encontrava mais à vista. Ela deve estar com fome, imaginou Tassiane, numa tentativa de explicar porque motivo a irmãzinha teria sumido tão rápido.
..........Tassiane saiu do quarto, fechou a porta e andou pelo corredor em direção à escada. Descendo a escadaria, chegou à sala. Ao entrar na cozinha, viu sua mãe de costas, junto ao fogão. Seu pai e sua irmã estavam sentados à mesa.
..........- Querida, vá chamar a Tassiane para o jantar.
..........- Já cheguei, mãe, não precisa mandar a Alice me chamar outra vez.
..........A garota percebeu a irmãzinha olhando-a de um modo estranho.
..........O pai continuava concentrado na leitura de uma revista de decoração.
..........- Ah, você está aí, querida – disse a mulher virando-se. – Bem, vamos jantar.
..........Todos agora estavam sentados à mesa, comendo. No momento em que Júlia iniciou uma conversa com o marido sobre decoração, Maria Alice olhou para a irmã mais velha e perguntou:
..........- Que negócio é esse de te chamar outra vez? Hoje eu não fui ao seu quarto avisar que a janta estava pronta.
..........Tassiane estremeceu.

..........- Você não vai dormir, querido? – perguntou Júlia a Rodrigues, horas mais tarde, quando se encontravam no quarto. O homem estava parado na janela, apreciando a decoração do pátio.
..........- Tem razão, é melhor eu ir me deitar – respondeu, fechando a janela.
..........Rodrigues deitou-se, cruzando as mãos atrás da cabeça, olhando fixamente para o teto.
..........- O que foi?
..........- Sei lá, Júlia. Por algum motivo, aquela galinha não me sai da cabeça.
..........Rodrigues se referia à galinha que atropelara em sua calçada, ao tentar entrar com o carro.
..........- É só uma galinha, amor. Deixe isso pra lá.
..........- Júlia, nossos vizinhos não têm galinheiros.
..........- Eu sei disso. Vai ver alguém comprou galinhas em um aviário e uma delas escapou.
..........- Essa é a única explicação racional, não?
..........- Acho que sim, querido.
..........Júlia tinha falado a mesma coisa ao marido pela manhã, após o incidente. Alguém pelo jeito ia dar uma festa e comprara várias galinhas. Uma delas devia ter escapado.
..........- Seja como for, querido, era só uma galinha. Esqueça o assunto, tá?
..........O homem fez silêncio.
..........- Olha, em vez de ficar preocupado com a galinha do vizinho, que tal cuidar de sua esposa?
..........Rodrigues riu e abraçou sua mulher. Não pensou mais no assunto.
..........- E aquela sua amiga, Júlia, não virá nos visitar?
..........- Ah, a Luciana? Ela está viajando, amor. Retorna só mês que vem.
..........- Estamos aqui há quase um mês e ainda não tivemos uma visita.
..........- Querido, a Luciana é a única pessoa que conhecemos que mora nesta cidade.
..........- É, tem razão. Acho melhor descansarmos, tivemos um dia cheio.

..........Era sexta-feira. Tassiane estava em seu quarto, sentada na cama, lendo o livro “As Crônicas de Nárnia”, retirado da biblioteca pública. Tratava-se de um volume único, com mais de setecentas páginas.
..........- Tassiane, hora da janta – falou Maria Alice, batendo à porta, sem abri-la.
..........- Já vou – respondeu a garota, colocando o marcador de página e deixando o livro sobre a cômoda.
..........Tassiane chegou à cozinha e viu sua mãe de costas, abaixada, tirando com calma o assado do fogão.
..........- Querida, vá chamar a Tassiane. A janta está servida.
..........- A Alice já me chamou, mãe – falou Tassiane, sentando-se à mesa.
..........- É claro que eu não te chamei – disse Maria Alice, irritada.
..........- Chamou, sim. É a segunda vez que você faz isso.
..........- Meninas, que discussão é essa?
..........- A Alice bate à minha porta para me chamar pra jantar e sai correndo. Quando eu chego à cozinha, ela diz que não me chamou. A primeira vez que ela fez isso foi na segunda-feira. Hoje ela fez de novo.
..........- É mentira. Você está inventando isso – retrucou Maria Alice, com raiva.
..........- Alice! Gurias! Parem!
..........Júlia olhou para o marido, absorto na leitura de uma revista de decoração.
..........- Rodrigues! Rodrigues!
..........- Hã? Ah, a janta está servida! Vamos comer?
..........Júlia e as filhas olharam espantadas para o homem. Rodrigues não havia se dado conta da confusão. Ficara o tempo inteiro hipnotizado pela revista.
..........- O que foi? – perguntou o homem, confuso com o fato de todos o encararem daquele jeito.
..........- Vamos comer – disse a mulher.

..........- Querido, acho que tem alguma coisa errada com esta casa – falou a mulher quando ela e o marido estavam no quarto.
..........- Do que está falando, Júlia?
..........- Você não percebeu que as meninas discutiram. Tassiane havia afirmado que Alice a tinha chamado duas vezes para jantar e Alice negava.
..........- Querida, é bobagem delas, você sabe disso.
..........- Talvez. Mas, e se não for?
..........- O que quer dizer, Júlia?
..........- Tassiane falou que Alice a chamou segunda-feira e a outra vez foi hoje.
..........- E daí?
..........- Daí que segunda-feira você atropelou a galinha na calçada. A partir daí, Tassiane começou a ficar estranha.
..........- Querida, não vamos fazer uma tempestade em um copo d'água, está bem? Galinhas são atropeladas, meninas discutem, a vida é assim. Vamos esquecer o assunto, tá?
..........- Tudo bem, amor. Prometo esquecer.
..........- Mesmo?
..........- Mesmo!

..........Tassiane encontrava-se em seu quarto. Retomara a leitura do livro “As Crônicas de Nárnia”. Mas um ruído chamou-lhe a atenção: um de seus ursinhos caíra da estante e acionara a voz “Eu te amo, eu te amo, eu te amo”, como se alguém tivesse pressionado sua barriga. A garota sobressaltou-se. Deixou cair o livro sobre a cama, aproximou-se da estante e sorriu ao ver o ursinho no chão. Colocou-o de volta à estante, deixando-o mais afastado da beirada. Voltou à cama para continuar a leitura.
..........Mal a menina começou a ler, ouviu outro ruído: uma das gavetas do roupeiro estava aberta. Tassiane ficou assustada. A noite estava estranha. Primeiro havia sido a sua irmã, em seguida o urso e agora a gaveta. A menina saiu da cama, com o objetivo de fechar a gaveta. Ao fechá-la, tomou um grande susto: a televisão ligou-se sozinha, com o volume ao máximo.
..........Tassiane começou a gritar. Foi até a porta e tentou abri-la, mas estava trancada. Forçou a maçaneta ao máximo que pôde e finalmente abriu a porta. Correu até o quarto dos pais.
..........- Mãe, abra a porta – gritava Tassiane, socando e chutando violentamente a porta.
..........- Tassi, mas o que...
..........A menina nem deixou o pai terminar a frase. Correu em direção à mãe.
..........- Eu não quero mais dormir naquele quarto – gritou a menina, desatando a chorar.
..........Júlia aproximou-se da filha e a abraçou. Alguma coisa a tinha perturbado profundamente. Era necessário acalmá-la.
..........- Tassi, está tudo bem. Acalme-se e nos conte o que está acontecendo, para que possamos ajudá-la.
..........- Tem alguma coisa errada naquele quarto, mãe – falou a garota, em meio aos gemidos. – Eu tenho ouvido vozes, meu ursinho caiu no chão, a gaveta do roupeiro abriu sozinha e a televisão se ligou por si.
..........- Tassi, você não vai começar outra vez com histórias de fantasmas, não é?
..........- Pai, tem alguma coisa errada naquele quarto. Por que não querem acreditar em mim?
..........- Filha, não há nada de errado com o quarto. Venha, eu vou lhe mostrar – disse a mãe, indo em direção à porta.
..........- Vamos, Tassi – falou o pai, vendo que a menina não se mexia.
..........Com relutância, Tassiane começou a andar. Deixou seus pais irem à frente. Esperou que entrassem em seu quarto. Aproximou-se da porta e ficou chocada com o que viu.
..........- Mas o que é isso? – perguntou Tassiane, perplexa.
..........- Agora chega. Que tipo de jogo está fazendo com a gente, mocinha? – perguntou o pai, irritado. A mãe também estava indignada.
..........- Tassiane, o que significa isso?
..........A garota não respondeu. Estava mais surpresa que seus pais ao ver a bagunça que estava seu quarto: tudo o que havia no roupeiro, na cômoda e na estante estava espalhado pelo chão. A televisão, de 29 polegadas, de alguma maneira tinha parado em cima de sua cama.
..........- Eu não sei por que você fez isso, Tassiane, mas trate de arrumar agora – falou o pai, saindo do quarto, logo após devolver a enorme televisão à estante.
..........- Mãe, eu não fiz isso.
..........- Pare com histórias, Tassiane. Ninguém está gostando disso.
..........- Mas, mãe...
..........- Chega. Vá arrumar o seu quarto.
..........Tassiane fechou a porta do quarto e começou a chorar. Desde segunda-feira, coisas estranhas começaram a acontecer com ela. Mas seus pais não acreditavam. Eles achavam que ela estava fazendo isso para que se mudassem. Naquele momento, Tassiane pensou no quanto gostaria de ir embora daquele lugar. Estava se sentindo tão mal quanto no dia em que visitou a casa pela primeira vez.
               
..........Eram cerca de 11h30min da manhã quando Tassiane acordou. Ficara até altas horas da madrugada arrumando o quarto. Levantou-se e trocou de roupas. Ouviu batidas na porta.
..........- Oi, Tassi – falou Maria Alice, entrando no quarto. – Já é quase meio-dia, a mãe me pediu para avisar você que o almoço está pronto.
..........- Ah, tá, já vou.
..........- Tem mais uma coisa.
..........Tassiane olhou para a irmãzinha, que procurava algo em seus bolsos.
..........- Quero te dar isso – disse a menina, mostrando a Tassiane a correntinha de prata, cujas extremidades se uniam em um pequeno coração.
..........- Nossa, como conseguiu isso?
..........- Você não gostou?
..........- É claro que gostei. Mas como conseguiu? Não parece ser uma bijuteria.
..........- Eu achei naqueles móveis antigos do porão.
..........- Você foi ao porão? Mas não é perigoso?
..........- Não tem nada lá, a não ser aqueles móveis velhos.
..........A menina pensou um pouco e prosseguiu:
..........- Vamos lá depois do almoço? Pode ser que a gente encontre mais coisas.
..........- Tudo bem, Alice, combinado.
..........A garotinha começou a sair do quarto da irmã mais velha, mas Tassiane a chamou:
..........- Alice.
..........A menina virou-se
..........- Obrigada pela pulseira.
..........Maria Alice sorriu e foi para a cozinha.
..........Tassiane olhou para a televisão, tentando imaginar como seus pais acreditaram que ela tivesse colocado o aparelho sobre a cama. Como conseguiria erguer algo tão grande e pesado? Ela tinha 29 polegadas! Mas o fato é que, mesmo pensando que tinha sido arte da filha mais velha, o pai a devolvera à estante, pensou a garota.
..........A menina foi para a cozinha. Sentia muita fome, pois trabalhara boa parte da madrugada. Sentou-se, receosa de que seus pais começassem a interrogá-la sobre a noite anterior. O que diria? Que fantasmas estavam deixando-a aterrorizada? Tassiane não fazia ideia do que responder, mas o fato é que seus pais não tocaram no assunto.
..........- Vamos lá? – perguntou Maria Alice à irmã mais velha, após o almoço.
..........- Tudo bem – respondeu Tassiane, levantando-se.
..........Tassiane nunca havia entrado no porão. Nunca tivera a curiosidade de saber o que encontraria lá, até agora.
..........- Quanta velharia. De onde vieram essas coisas?
..........- O pai disse que esses móveis estavam na casa. Quando começou reformá-la, trouxe tudo para cá – respondeu Maria Alice.
..........A garota mais velha ficou olhando os móveis. Havia armários, roupeiros, camas, mesas, cadeiras, uma escrivaninha e um fogão à lenha. Parecia um museu histórico.
..........- Venha, vamos ver se encontramos alguma coisa – convidou Maria Alice, começando a mexer em portas e gavetas.
..........Tassiane começou a vasculhar o ambiente. Encontrou um colar e um anel que pareciam ser de prata. Maria Alice achou roupas, revistas e livros. Reuniram todo o material sobre uma mesa.
..........Vai ficar com alguma coisa, Tassi?
..........- Eu gostei das coisas que encontrei. Sim, vou ficar. E você?
..........- As roupas são muito grandes e feias, não vou querer. Mas os livros e as revistas vão entrar para a minha coleção – respondeu a garotinha, feliz.