domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 10

Cristofer tinha tudo planejado. Nos últimos dias, pensara exaustivamente sobre o que fazer. O monge era incapaz de aceitar a situação que enfrentava. Não era justo, pensava o rapaz. Alguma coisa precisava ser feita antes que Ana se casasse com o príncipe Karus e fosse morar em seu reino.  O momento de agir era agora. Treze dias havia se passado desde o noivado de Ana. O dia seguinte seria sábado e estaria de folga o final da semana. Tendo uma clara ideia do desafio a sua frente, o monge tratou de deitar e dormir. Iria precisar de toda a sua força para realizar o que tinha em mente.



O momento havia chegado. Cristofer tivera uma ótima noite de sono, descansara muito durante o dia e sentia-se pronto para o que queria fazer. Logo anoiteceria e o rapaz achou melhor despedir-se de seus pais. Falara a eles que deveria ir ao templo.
Cristofer começou a andar. Segurava uma sacola. Ao chegar à rua que levaria ao templo, o rapaz, em vez de ir para a esquerda, foi para a direita, andando em direção à praça. Encontrava-se agora no mesmo caminho em que conhecera Ana. Lembrou-se do momento em que salvou a menina e suas primas do grupo de marginais que as atormentavam. As garotas ficaram muito agradecidas e conversaram com ele durante boa parte do caminho. Em seguida, separaram-se – as meninas foram para as lojas e o rapaz seguiu para o templo. Mas Ana havia lhe dado a oportunidade de vê-la novamente: “Eu sempre estou na praça aos domingos, pela tarde”.
O monge sentia-se triste, confuso e frustrado. Triste porque perdera a menina que amava. Ana havia sido seu primeiro e único amor. Não era capaz de se imaginar com outra garota, depois de namorar Ana; sentia-se confuso porque não imaginava os motivos que a levaram a trocá-lo pelo príncipe Karus. A garota continuava a demonstrar o seu carinho, mesmo depois de conhecer seus pais e constatar que o rapaz era de família humilde; por fim, sentia-se frustrado por não ter nascido príncipe. Se em vez de monge ele fosse o filho de um rei, certamente ainda teria a sua namorada.
Chegando à praça, logo avistou o banco onde ele e Ana gostavam de sentar. Dali se tinha uma boa visão do ambiente, observavam as crianças brincando em uma área de lazer feita para elas, os casais passeando, pessoas com seus animais de estimação...
Uma grande tristeza tomou conta de seu coração. Era doloroso olhar para o local onde havia tido momentos de pura felicidade. Após alguns instantes parado, olhando para o banco, o monge retomou sua caminhada. Tinha uma missão a cumprir. Se as coisas saíssem como ele esperava, então teria as respostas que procurava. Mas se algo saísse errado, as consequências seriam imprevisíveis.
Finalmente chegou ao seu destino. Ainda havia um pouco de luz do sol, o bastante para o monge observar com atenção as dimensões do castelo. Extremamente comprido, largo e alto, o lar do rei era de proporções alarmantes. As medidas do castelo eram, sem dúvida, o maior indicativo da imensa fortuna do governante de Flor-de-lis. 
Invadir o castelo pela frente seria complicado, pois três guardas vigiavam o portão pelo lado de dentro. Dois outros guardas estavam posicionados na porta do castelo, cada um segurando uma lança e uma trombeta. Seria fácil enfrentar os cinco soldados, mas antes que nocauteasse todos, o rei seria alertado pelo toque das trombetas. O jeito seria entrar pelo lado ou por trás.                                  
Cristofer caminhou até uma estalagem com o objetivo de fazer uma refeição. Pediu uma xícara de café e duas fatias de pão. Em seguida, encaminhou-se para o sanitário. Pegou a sua sacola e rapidamente tirou a roupa que vestia e colocou uma roupa preta. Além disso, também pôs uma máscara que cobria o nariz e as sobrancelhas. Não pretendia ser reconhecido pelos guardas que enfrentaria. Também tirou de sua sacola uma corda presa a um gancho. Saiu da estalagem pela janela do sanitário, deixando no chão a sacola e as roupas que usara para chegar até ali.
Estava escuro. Era o momento de invadir a morada do rei, numa desesperada tentativa de encontrar as respostas que tanto procurava. Chegou mais uma vez à calçada do castelo e caminhou em direção ao muro. Entraria pelo lado. Parou próximo ao muro e olhou para os lados. Ninguém à vista. Atirou o gancho, prendendo-o no alto do muro. Em instantes o escalara.  Recolheu a corda e saltou para o pátio, mergulhando na escuridão. Aproximou-se da parede do castelo, observando uma janela do terceiro pavimento que se encontrava entreaberta.  A parte de baixo da janela se projetava, de forma a permitir a utilização do gancho. Cristofer atirou o gancho em direção à saliência e conseguiu acertá-la na primeira tentativa. Em um piscar de olhos, o monge se encontrava junto à janela.
Cristofer olhou, pela fresta entre as venezianas, para o interior da sala. Dera sorte, pois não havia ninguém ali, naquele momento. O rapaz então abriu totalmente a janela, entrou na sala e recolheu o gancho e a corda. Estava em uma sala com vários roupeiros, um grande espelho e outros móveis. Estou no vestiário, pensou o rapaz. Pelo local estavam espalhados enormes roupeiros, posicionados junto às paredes. No centro havia apenas dois sofás de três lugares cada um, posicionados de frente um para o outro, quatro banquinhos, uma pequena mesa e o grande espelho, sustentado por um suporte de metal. O monge abriu a porta do roupeiro mais próximo à janela e colocou ali o gancho e a corda.
Cristofer aproximou-se da porta da sala e abriu-a lentamente. Observou o estreito e curto corredor que se iniciava a partir da porta e desembocava em outro corredor, formando um T. O rapaz caminhou cautelosamente pelo pequeno corredor até chegar ao outro. Olhou para os dois lados do outro corredor, observando que era bem mais largo e comprido. O formato era sinuoso, não sendo possível enxergar muito longe para ambos os lados. Seguiu pela direita. Não adiantaria ficar pensando aonde ir, pois não conhecia o interior do castelo. Apenas teria o cuidado de evitar ao máximo possível os vigias que deveriam circular a noite toda pela morada do rei.
Pouco depois de entrar no grande corredor, o monge observou que este era interligado por vários outros pequenos corredores, que davam acesso aos cômodos do castelo. Havia muitos pequenos corredores, cada um conduzindo a uma, duas e até três salas. Cristofer estava apenas revistando o terceiro pavimento do castelo, sendo doze no total. Diante desse quadro, o rapaz imaginava que haveria centenas de salas para revistar. Mas, tudo bem, teria a noite toda para prosseguir em sua busca.  Se falhasse, só poderia tentar novamente em sete dias, pois precisaria descansar no dia seguinte o dia inteiro, devido ao esforço que faria pela noite. Somente assim para suportar outro esforço semelhante.
Após passar por três corredores, o monge retornou ao primeiro que tinha visitado. Verificaria porta por porta, sala por sala. O primeiro corredor ligava o corredor central a uma sala forrada com um grosso tapete, belos quadros e caríssimos móveis. Era ali que o rei recebia visitas importantes para tratar de grandes negócios – investimentos que iriam gerar excelentes impostos ao reino. O segundo corredor conduzia a duas salas: a primeira apresentava fileiras de arquivos, cada um com quatro gavetas. Ali o rei guardava a documentação de todas as negociações realizadas por ele no reino Flor-de-lis e em todos os outros territórios dominados; a segunda sala era um depósito, onde estavam estocados uniformes de soldados.
Cristofer saiu da sala de uniformes, chegando mais uma vez ao corredor principal. Seu objetivo era verificar as salas que poderiam ser acessadas pelo terceiro corredor, mas, a poucos passos depois, foi surpreendido:
- Ei, você! – falou um segurança, que estava acompanhado por outros dois. – Pare aí mesmo, ou vai se arrepender – prosseguiu o homem.
O monge poderia fugir. Certamente que corria muito mais rápido que aqueles guardas. Mas, se fizesse isso, teria mais dificuldades em evitar novos encontros, considerando que não conhecia a residência do rei. Além disso, a segurança do castelo seria alertada rapidamente e perderia o elemento surpresa.
Cristofer ficou parado, esperando que os homens se aproximassem. Quando chegaram perto, o que havia antes lhe dirigido a palavra falou:
- Olhem isso, temos um mascarado conosco. O que você quer passeando pelo castelo enquanto o rei e sua família estão jantando, rapaz?
Cristofer ficou impaciente. Não podia perder muito tempo com aqueles guardas. O castelo era enorme e talvez fosse necessária a noite toda para alcançar o seu objetivo. Assim, colocou-se em posição de combate.
- Mas que mal-educado, Agenor – falou o outro guarda. – Veja, você lhe fez uma pergunta e ele só demonstra interesse em lutar.
- Além de não ter educação também é burro – falou o terceiro segurança. – Ele está sozinho e sem uma única arma, querendo enfrentar três guardas fortemente armados.
- Bem, rapazes, se ele quer lutar, vamos realizar o seu desejo. Prepare-se rapaz – falou Agenor.
O primeiro segurança aproximou-se de Cristofer, empunhando uma espada. Golpeou-a em direção ao pescoço do monge, que se abaixou. Numa espetacular sequência de movimentos, o monge girou o corpo e acertou um chute com a sola do pé no peito do adversário, fazendo-o cair a vários passos. O homem, sentado no chão, olhou surpreso para Cristofer. Os outros dois guardas, que ainda não tinham feito movimento algum, também olharam assustados na direção do mascarado – entre a esquiva e o ataque, Cristofer retirara, com velocidade surpreendente, os bastões fixados entre os tornozelos e os joelhos do vigia. Agora o rapaz estava armado.
Quando o primeiro guarda que havia enfrentado o monge colocou-se em pé, um de seus companheiros voou em sua direção, derrubando-o. Ambos estavam nocauteados. Agenor, o último a enfrentar Cristofer, atacou-o com uma sequência de golpes de espada, facilmente evitados pelo rapaz. Em seguida, acertou os punhos do segurança com os bastões, enquanto este tentava deferir outra sequência de golpes de espada, fazendo-o largar sua arma. Mal a espada começou a cair, Cristofer chutou-a de modo a fazê-la voar em direção à porta, deixando-a fincada na madeira. O homem deu vários passos para trás, olhando fixamente na direção do guerreiro de preto. Quem quer que fosse aquele sujeito, provara ser um artista marcial excepcional. Não poderia enfrentá-lo sozinho.
Agenor virou-se e começou a correr. Mas, após alguns passos, sentiu um bastão atingir-lhe a perna direita, desequilibrando-o e fazendo-o parar. Outro bastão atingiu-lhe a nuca, levando-o a nocaute.
Cristofer pensou no que fazer a seguir. Sabia que não poderia deixar aqueles homens ali, desmaiados. Se fossem encontrados, rapidamente o rei seria alertado. Mas onde escondê-los? A sala de belos móveis não seria uma escolha adequada, considerando que, após a janta, o rei talvez passasse alguns momentos com sua família ali; a sala de arquivos também parecia não ser o local ideal para escondê-los, pois a qualquer momento o rei ou seus empregados poderiam querer verificar ou localizar documentos; a única opção, no momento, era a sala de uniformes. Provavelmente seria procurada pelos guardas apenas ao amanhecer, o que daria a Cristofer o tempo necessário para concluir a sua missão.
Com facilidade extrema, o monge ergueu um dos soldados e o carregou até a porta da sala de uniformes. Rapidamente levou os outros dois, abriu a porta e arrastou os homens para dentro. O guerreiro puxou a faca, que levava presa à calça, próximo ao tornozelo direito, e rasgou alguns dos uniformes, com o objetivo de criar tiras de tecido para amarrar e amordaçar os soldados. Cristofer saiu da sala e pegou a espada que deixara presa à porta com um chute. Não podia deixar rastros de sua passagem pela morada do rei.
O monge foi em direção ao terceiro corredor. À primeira vista, percebeu que era estreito e sinuoso, mas não imaginava que fosse tão comprido. Decidiu ir até o final, ignorando as quatro portas que apresentava. Ao final do corredor, ficou surpreso ao vê-lo ligar a outro corredor central. O castelo do rei era um verdadeiro labirinto. Se não tivesse cuidado, poderia se perder lá dentro.
Não havia tempo a perder. Tinha quatro salas para verificar. Abriu a porta da primeira sala e ficou surpreso ao constatar que se tratava de um ateliê. Talvez fosse uma sala de aprendizagem para a princesa, talvez fosse um passatempo para o rei ou a rainha. Quem sabe o lugar significasse ambos os casos? Mas o fato é que isso não importava agora. Bastava uma rápida olhada pelo lugar para constatar se era ou não o que procurava. Assim, Cristofer logo quis sair da sala e examinar a seguinte.
A próxima sala tratava-se de uma biblioteca. O monge olhou para os imensos corredores formados por estantes posicionadas uma ao lado da outra, abarrotadas de livros. O rei, pelo jeito, valorizava a leitura. A terceira sala consistia apenas em um local usado para lazer e descanso: uma imensa piscina, com várias cadeiras e pequenas mesas a sua volta e alguns armários contendo grandes variedades de alimentos. A última sala daquele corredor era um local onde ocorriam apresentações. Havia muitas cadeiras espalhadas pelo lugar e, na outra extremidade da sala, um palco.

Cristofer retornou ao corredor central. Como calculara, sua missão poderia durar a noite inteira. O castelo do rei devia ter centenas de cômodos, o que representaria um grande trabalho ao monge. Mas ele não desistiria. O momento era de ser forte. Conseguiria as respostas que tanto procurava. Ou morreria na tentativa.

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