- A janta estava deliciosa, Xavier. Um verdadeiro banquete.
- É muita
gentileza sua, Sebastian. Claro que oferecemos sempre o melhor às nossas
visitas.
O rei Sebastian
sorriu. Estava satisfeito pela maneira como estava sendo tratado. Chegara a Flor-de-lis
pela tarde e ficaria, com a esposa e o filho, o fim de semana inteiro. Iria
embora apenas segunda-feira, ao amanhecer.
- Você não
veio na outra vez, querida – falou a rainha Tamara à rainha Lisiane.
- É, foi uma decisão difícil. Ocorre
que, na ocasião, o nosso reino estava com muitos problemas e era necessário que
ao menos um de nós permanecesse na cidade – respondeu a mulher, com um largo
sorriso.
Ana Clara reparou que a mulher
exibia o mesmo sorriso enigmático e o olhar de espertalhão do marido. Se os
pais eram assim, como Karus poderia ser diferente? Ana Clara e seus pais,
contudo, não tinham como saber que a mulher acabara de lhes mentir. Na verdade,
ela fora visitar sua mãe, ao passo que o marido e o filho viajavam para o reino
Flor-de-lis. Sebastian jamais colocaria os pés na casa da sogra pelo simples
motivo de que a odiava.
- Foi uma ideia maravilhosa ter
vindo com sua esposa desta vez, Sebastian. É uma grande oportunidade para as
nossas famílias se conhecerem melhor.
- Concordo plenamente, Xavier. Esta
é uma importante ocasião, considerando que o casamento de Karus e Ana Clara
será daqui a três semanas.
- Bem, agora que terminamos a janta,
que tal irmos à sala de visitas?
- É uma ideia excelente, Xavier.
Ainda não conheço todo o seu castelo, pois esta é apenas a segunda vez que o
visito. Entretanto, não creio que exista outro lugar tão agradável quanto
aquele em sua residência.
- Por aqui, por favor – disse o rei
Xavier, levantando-se.
O rei Xavier e a rainha Tamara
conduziram seus hóspedes até a sala de visitas. Chegando lá, o rei Sebastian
mais uma vez expressou sua opinião sobre o local:
- Você acertou todos os detalhes ao
projetar esta sala: não é grande nem pequena, bem decorada, os móveis bem
adequados... Resumindo, aqui há tudo o que uma família precisa para passar um
dia inteiro.
Realmente, a sala correspondia à descrição
do rei Sebastian: o tapete era extremamente macio; havia uma mesa quadrada, com
dez cadeiras; três sofás, cada um de três lugares, estavam posicionados no
canto esquerdo da sala; belos quadros e estátuas estavam espalhados pelas
paredes; um bazar, situado no canto direito da sala, era grande o bastante para
atender uma dezena de pessoas; por fim, uma lareira, com três poltronas à sua
frente e quatro estantes abarrotadas de livros, encerrava a extravagância do
rei naquele ambiente.
Os reis Xavier e Sebastian discutiam
sobre negócios, ao passo que suas esposas falavam sobre culinária e moda. O
príncipe pensava no que dizer à princesa. Esquadrinhou a sala, fixando o olhar
nas estantes de livros.
- Por que não me mostra o acervo literário deste local? – perguntou à
garota.
- Ah, sim, é claro – disse a princesa, levantando-se do sofá e indo em
direção a uma estante. O príncipe a acompanhou.
- Que livros são esses? – perguntou o rapaz, retirando três exemplares da
estante.
- Trata-se da trilogia de Bartimaeus, escrito por Jonathan Stroud –
respondeu a garota, ao dar uma rápida olhada em uma das capas. – Em uma cidade,
governada por bruxos, um menino de pouca idade é adotado por um feiticeiro. O
menino se desenvolve rapidamente no mundo da magia e vive uma grande aventura.
No segundo livro, ele tem cerca de quatorze anos e desvenda um mistério que
desafiou o governo. No último livro, ele enfrenta o maior de todos os perigos
ao lado de uma menina que foi, por muito tempo, sua grande inimiga.
Ana Clara resumira, em poucas frases, a trilogia. Lembrou-se que, no dia
em que esteve com Cristofer, na livraria Grandes Leituras, também falara sobre
esses livros. Mas, na ocasião, fora muito mais detalhista. Começara a contar a
história do primeiro livro e só parou porque Cristofer chamou-lhe a atenção. Falou
sobre muitas outras obras, percebendo o interesse do namorado. Com Cristofer,
sentia-se animada a falar. Karus, porém, era uma presença indesejada em sua
vida.
- Parecem ser bons, mas os livros são enormes – falou o rapaz, após um
tempo.
- Bons? Esses livros são excelentes. A historia é tão bem elaborada que
em menos de três semanas li a trilogia toda.
Se Karus ficou surpreso, não quis demonstrar. Devolveu os livros à
estante e retirou outro. Ana Clara lembrou-se que, quando disse a Cristofer que
demorou dezoito dias para ler os três livros, o rapaz ficou surpreso. Com o
monge, Ana Clara sentia-se valorizada.
- E este?
- Correr ou morrer. Embora o título seja meio esquisito, a história é
muito legal: são garotos que foram aprisionados em um local e não lembram nada
além do próprio nome. Eles tentam descobrir como sair daquele lugar, correndo
por um labirinto e enfrentando criaturas estranhas.
- Este eu li. Algumas pessoas vão acampar e ao retornar à cidade não
encontram ninguém. Começam a investigar e descobrem que a cidade foi invadida
por um exército que aprisionou os cidadãos – comentou o príncipe, retirando
outro livro da estante.
- Você está enganado, Karus. O livro que você tem em mãos é “Gone: O Mundo
Termina Aqui”. Conta a história de uma cidade onde as pessoas, a partir dos
quinze anos, somem. Elas “pufam”! Você está confundindo este livro com o outro,
cujo título é: “Amanhã, Quando a Guerra Começou”.
O príncipe Karus ficou vermelho. Não
de vergonha, mas de raiva. Fez uma anotação mental para cobrar de Batista a
informação errada que lhe dera. Batista lia os livros e resumia as histórias
para o príncipe. Graças ao erro deste homem, cometera uma gafe na frente da
princesa.
- Qual a sua média de leitura?- perguntou o rapaz, disfarçando o seu
equívoco.
- Aproximadamente 2500 páginas por mês. Leio de 70 a 100 páginas por dia.
Neste momento, Ana Clara lembrou-se
de uma ocasião em que estava com Cristofer e conversavam sobre literatura.
Naquele domingo, visitaram uma livraria e o namorado quis saber sobre a média
de leitura da garota. Após responder, a menina ficou pensando na surpresa que o
rapaz teria quando mostrasse a ele um caderno com os títulos de todos os livros
lidos.
Ana Clara lia desde pequena e tinha
o costume de, após terminar a leitura de um livro, anotar o título em seu
caderno. Registrara mais de mil títulos! Mas a surpresa não iria acontecer,
pensava a garota tristemente.
A princesa não sentia a menor vontade de mostrar o seu catálogo a Karus.
Aquele era um assunto que queria ter dividido com Cristofer, jamais com o
príncipe. Karus era somente um intruso em sua vida; alguém que se colocara
entre ela e o seu verdadeiro amor; um terrível obstáculo para encontrar a
felicidade.
Karus se intrometera deliberadamente
em sua vida. O rei Sebastian e seu terrível filho conseguiram o que queriam,
fazendo-a perder a alegria que conquistara há tão pouco tempo...
Embora não demonstrasse, Ana Clara
estava profundamente triste. Evitava demonstrar seu estado de espírito, mas também
não conseguia sorrir. Além disso, não estava conseguindo ser atenciosa com
Karus. Mas o rapaz não sabia ser agradável e fizera por merecer sua
indiferença. Ao separá-la de Cristofer, Karus abriu feridas em seu coração que
jamais poderiam cicatrizar. O rapaz era egoísta e dominador, preocupava-se apenas
consigo próprio. Poderia até se casar com ele, mas jamais iria amá-lo.
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