domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 11

- A janta estava deliciosa, Xavier. Um verdadeiro banquete.
            - É muita gentileza sua, Sebastian. Claro que oferecemos sempre o melhor às nossas visitas.
            O rei Sebastian sorriu. Estava satisfeito pela maneira como estava sendo tratado. Chegara a Flor-de-lis pela tarde e ficaria, com a esposa e o filho, o fim de semana inteiro. Iria embora apenas segunda-feira, ao amanhecer.
            - Você não veio na outra vez, querida – falou a rainha Tamara à rainha Lisiane.
            - É, foi uma decisão difícil. Ocorre que, na ocasião, o nosso reino estava com muitos problemas e era necessário que ao menos um de nós permanecesse na cidade – respondeu a mulher, com um largo sorriso.
            Ana Clara reparou que a mulher exibia o mesmo sorriso enigmático e o olhar de espertalhão do marido. Se os pais eram assim, como Karus poderia ser diferente? Ana Clara e seus pais, contudo, não tinham como saber que a mulher acabara de lhes mentir. Na verdade, ela fora visitar sua mãe, ao passo que o marido e o filho viajavam para o reino Flor-de-lis. Sebastian jamais colocaria os pés na casa da sogra pelo simples motivo de que a odiava.
            - Foi uma ideia maravilhosa ter vindo com sua esposa desta vez, Sebastian. É uma grande oportunidade para as nossas famílias se conhecerem melhor.
            - Concordo plenamente, Xavier. Esta é uma importante ocasião, considerando que o casamento de Karus e Ana Clara será daqui a três semanas.
            - Bem, agora que terminamos a janta, que tal irmos à sala de visitas?
            - É uma ideia excelente, Xavier. Ainda não conheço todo o seu castelo, pois esta é apenas a segunda vez que o visito. Entretanto, não creio que exista outro lugar tão agradável quanto aquele em sua residência.
            - Por aqui, por favor – disse o rei Xavier, levantando-se.
            O rei Xavier e a rainha Tamara conduziram seus hóspedes até a sala de visitas. Chegando lá, o rei Sebastian mais uma vez expressou sua opinião sobre o local:
            - Você acertou todos os detalhes ao projetar esta sala: não é grande nem pequena, bem decorada, os móveis bem adequados... Resumindo, aqui há tudo o que uma família precisa para passar um dia inteiro.
            Realmente, a sala correspondia à descrição do rei Sebastian: o tapete era extremamente macio; havia uma mesa quadrada, com dez cadeiras; três sofás, cada um de três lugares, estavam posicionados no canto esquerdo da sala; belos quadros e estátuas estavam espalhados pelas paredes; um bazar, situado no canto direito da sala, era grande o bastante para atender uma dezena de pessoas; por fim, uma lareira, com três poltronas à sua frente e quatro estantes abarrotadas de livros, encerrava a extravagância do rei naquele ambiente.
            Os reis Xavier e Sebastian discutiam sobre negócios, ao passo que suas esposas falavam sobre culinária e moda. O príncipe pensava no que dizer à princesa. Esquadrinhou a sala, fixando o olhar nas estantes de livros.
- Por que não me mostra o acervo literário deste local? – perguntou à garota.
- Ah, sim, é claro – disse a princesa, levantando-se do sofá e indo em direção a uma estante. O príncipe a acompanhou.
- Que livros são esses? – perguntou o rapaz, retirando três exemplares da estante.
- Trata-se da trilogia de Bartimaeus, escrito por Jonathan Stroud – respondeu a garota, ao dar uma rápida olhada em uma das capas. – Em uma cidade, governada por bruxos, um menino de pouca idade é adotado por um feiticeiro. O menino se desenvolve rapidamente no mundo da magia e vive uma grande aventura. No segundo livro, ele tem cerca de quatorze anos e desvenda um mistério que desafiou o governo. No último livro, ele enfrenta o maior de todos os perigos ao lado de uma menina que foi, por muito tempo, sua grande inimiga.
Ana Clara resumira, em poucas frases, a trilogia. Lembrou-se que, no dia em que esteve com Cristofer, na livraria Grandes Leituras, também falara sobre esses livros. Mas, na ocasião, fora muito mais detalhista. Começara a contar a história do primeiro livro e só parou porque Cristofer chamou-lhe a atenção. Falou sobre muitas outras obras, percebendo o interesse do namorado. Com Cristofer, sentia-se animada a falar. Karus, porém, era uma presença indesejada em sua vida.
- Parecem ser bons, mas os livros são enormes – falou o rapaz, após um tempo.
- Bons? Esses livros são excelentes. A historia é tão bem elaborada que em menos de três semanas li a trilogia toda.
Se Karus ficou surpreso, não quis demonstrar. Devolveu os livros à estante e retirou outro. Ana Clara lembrou-se que, quando disse a Cristofer que demorou dezoito dias para ler os três livros, o rapaz ficou surpreso. Com o monge, Ana Clara sentia-se valorizada.
- E este?
- Correr ou morrer. Embora o título seja meio esquisito, a história é muito legal: são garotos que foram aprisionados em um local e não lembram nada além do próprio nome. Eles tentam descobrir como sair daquele lugar, correndo por um labirinto e enfrentando criaturas estranhas.
- Este eu li. Algumas pessoas vão acampar e ao retornar à cidade não encontram ninguém. Começam a investigar e descobrem que a cidade foi invadida por um exército que aprisionou os cidadãos – comentou o príncipe, retirando outro livro da estante.
- Você está enganado, Karus. O livro que você tem em mãos é “Gone: O Mundo Termina Aqui”. Conta a história de uma cidade onde as pessoas, a partir dos quinze anos, somem. Elas “pufam”! Você está confundindo este livro com o outro, cujo título é: “Amanhã, Quando a Guerra Começou”.
            O príncipe Karus ficou vermelho. Não de vergonha, mas de raiva. Fez uma anotação mental para cobrar de Batista a informação errada que lhe dera. Batista lia os livros e resumia as histórias para o príncipe. Graças ao erro deste homem, cometera uma gafe na frente da princesa.
- Qual a sua média de leitura?- perguntou o rapaz, disfarçando o seu equívoco.
- Aproximadamente 2500 páginas por mês. Leio de 70 a 100 páginas por dia.
            Neste momento, Ana Clara lembrou-se de uma ocasião em que estava com Cristofer e conversavam sobre literatura. Naquele domingo, visitaram uma livraria e o namorado quis saber sobre a média de leitura da garota. Após responder, a menina ficou pensando na surpresa que o rapaz teria quando mostrasse a ele um caderno com os títulos de todos os livros lidos.
            Ana Clara lia desde pequena e tinha o costume de, após terminar a leitura de um livro, anotar o título em seu caderno. Registrara mais de mil títulos! Mas a surpresa não iria acontecer, pensava a garota tristemente.
A princesa não sentia a menor vontade de mostrar o seu catálogo a Karus. Aquele era um assunto que queria ter dividido com Cristofer, jamais com o príncipe. Karus era somente um intruso em sua vida; alguém que se colocara entre ela e o seu verdadeiro amor; um terrível obstáculo para encontrar a felicidade.
            Karus se intrometera deliberadamente em sua vida. O rei Sebastian e seu terrível filho conseguiram o que queriam, fazendo-a perder a alegria que conquistara há tão pouco tempo...

            Embora não demonstrasse, Ana Clara estava profundamente triste. Evitava demonstrar seu estado de espírito, mas também não conseguia sorrir. Além disso, não estava conseguindo ser atenciosa com Karus. Mas o rapaz não sabia ser agradável e fizera por merecer sua indiferença. Ao separá-la de Cristofer, Karus abriu feridas em seu coração que jamais poderiam cicatrizar. O rapaz era egoísta e dominador, preocupava-se apenas consigo próprio. Poderia até se casar com ele, mas jamais iria amá-lo.

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