Os dias
seguintes foram de trevas para Cristofer. Descarregava sua fúria socando e
chutando violentamente sacos de areia, quebrando tijolos e madeiras com os
punhos, e executando dificílimos movimentos com os mais variados tipos de
armas. O mestre percebia a fúria em seus movimentos, o olhar de ódio do monge e
perguntava-se por que motivo o rapaz treinava com tanta raiva. Fazia pelo menos
uns dez dias que Cristofer agia desta maneira.
O mestre tomou uma decisão: alguma
coisa havia acontecido com seu discípulo e iria conversar com o rapaz para descobrir
o que se passava com ele.
À hora do almoço, Cristofer
sentara sozinho, como de costume. Escolhera uma mesa pequena e começou a
devorar avidamente a refeição. Como estava exigindo mais de si mesmo nos
treinos, sentia mais fome.
De repente, Cristofer parou de
mastigar. Ficou surpreso ao ver o seu mestre sentando à sua frente.
- Importa-se se eu quiser lhe
fazer companhia?
- O quê? Ah, claro que não,
mestre. Por favor, sente-se.
- Obrigado.
O mestre acomodou-se na
cadeira, deu uma mordida no pão e começou a mastigar lentamente.
- Como está a refeição,
Cristofer?
- Hmm? Ótima, mestre, muito boa
mesmo.
- É, pelo jeito está boa. Você
pegou bastante comida.
- Tenho sentido mais fome
ultimamente, senhor.
- Imagino que sim. Atualmente,
você é o primeiro a chegar ao local de treinamento e o último a sair. O que
está acontecendo com você?
- Eu não quero falar sobre
isso, senhor.
- Mas eu quero.
Cristofer parou de levar o
alimento à boca e olhou demoradamente para o mestre. Estava considerando suas
palavras. O rapaz sabia que o mestre era muito rígido. Os castigos poderiam ser
severos, caso resolvesse, a qualquer momento, desobedecer uma ordem direta. E a
palavra do mestre era lei. O homem queria saber o que estava acontecendo e, se
não tivesse uma resposta, as consequências poderiam ser bem desagradáveis.
- E então? – perguntou o
mestre, parecendo levemente irritado.
- Eu me apaixonei por uma
garota. Ela foi minha namorada por dois meses. Então, sem dar qualquer tipo de
satisfação, ela sumiu. Semanas depois eu a vi comemorando o seu noivado com um
rapaz que nem era da nossa cidade.
O mestre nada falou. Apenas
sentiu pena de Cristofer, ao vê-lo naquela triste situação.
- Se eu puder fazer algo... –
disse o mestre.
- Agradeço, senhor, mas não existe nada
que possa fazer.
- Bem, nunca se sabe, não é?
Após alguns instantes, o
mestre continuou:
- A propósito, eu conheço a
garota?
- Acredito que sim, senhor.
Mas não creio que deva falar o seu nome. O senhor não iria acreditar em mim.
- E por que eu não
acreditaria?
Cristofer pensou um pouco. O mestre iria achar que estava mentindo. Mas
não via alternativa, não sabia como sair pela tangente. Decidiu contar.
- A princesa.
- O que tem a princesa? –
perguntou o mestre, confuso.
- É ela!
O queixo do mestre caiu. Não,
não podia ser verdade. Contudo, não era hábito de um monge mentir.
- Você sabe que a mentira
pode resultar em sérios castigos – relembrou o mestre, com ar carrancudo.
- E por que eu mentiria?
Os olhos de Cristofer
ficaram vermelhos, seu rosto adquiriu o aspecto da mais pura infelicidade e
mais uma vez não pôde conter as lágrimas. Chocado, o mestre observou o rapaz
levar as mãos ao rosto. Cristofer havia lhe contado uma história fantástica
demais para ser verdadeira, mas sua infelicidade indicava que não era mentira.
Mas como acreditar? Princesas casam-se com príncipes, duques com duquesas, reis
com rainhas. Era assim. A nobreza não se misturava com a pobreza. Cristofer
deveria ter ao seu lado alguém de sua condição social, jamais a princesa Ana
Clara.
- Bem, sinto muito por isso –
disse o mestre, retirando-se da mesa.
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