domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 9

Os dias seguintes foram de trevas para Cristofer. Descarregava sua fúria socando e chutando violentamente sacos de areia, quebrando tijolos e madeiras com os punhos, e executando dificílimos movimentos com os mais variados tipos de armas. O mestre percebia a fúria em seus movimentos, o olhar de ódio do monge e perguntava-se por que motivo o rapaz treinava com tanta raiva. Fazia pelo menos uns dez dias que Cristofer agia desta maneira.
              O mestre tomou uma decisão: alguma coisa havia acontecido com seu discípulo e iria conversar com o rapaz para descobrir o que se passava com ele.
               À hora do almoço, Cristofer sentara sozinho, como de costume. Escolhera uma mesa pequena e começou a devorar avidamente a refeição. Como estava exigindo mais de si mesmo nos treinos, sentia mais fome.
                De repente, Cristofer parou de mastigar. Ficou surpreso ao ver o seu mestre sentando à sua frente.
                - Importa-se se eu quiser lhe fazer companhia?
                - O quê? Ah, claro que não, mestre. Por favor, sente-se.
                - Obrigado.
                 O mestre acomodou-se na cadeira, deu uma mordida no pão e começou a mastigar lentamente.
                - Como está a refeição, Cristofer?
                - Hmm? Ótima, mestre, muito boa mesmo.
                - É, pelo jeito está boa. Você pegou bastante comida.  
                - Tenho sentido mais fome ultimamente, senhor.
                - Imagino que sim. Atualmente, você é o primeiro a chegar ao local de treinamento e o último a sair. O que está acontecendo com você?
                - Eu não quero falar sobre isso, senhor.
                - Mas eu quero.
                 Cristofer parou de levar o alimento à boca e olhou demoradamente para o mestre. Estava considerando suas palavras. O rapaz sabia que o mestre era muito rígido. Os castigos poderiam ser severos, caso resolvesse, a qualquer momento, desobedecer uma ordem direta. E a palavra do mestre era lei. O homem queria saber o que estava acontecendo e, se não tivesse uma resposta, as consequências poderiam ser bem desagradáveis.
                - E então? – perguntou o mestre, parecendo levemente irritado.
                - Eu me apaixonei por uma garota. Ela foi minha namorada por dois meses. Então, sem dar qualquer tipo de satisfação, ela sumiu. Semanas depois eu a vi comemorando o seu noivado com um rapaz que nem era da nossa cidade.
                 O mestre nada falou. Apenas sentiu pena de Cristofer, ao vê-lo naquela triste situação.
                  - Se eu puder fazer algo... – disse o mestre.
                  - Agradeço, senhor, mas não existe nada que possa fazer.
                  - Bem, nunca se sabe, não é?
                   Após alguns instantes, o mestre continuou:
                  - A propósito, eu conheço a garota?
                  - Acredito que sim, senhor. Mas não creio que deva falar o seu nome. O senhor não iria acreditar em mim.
                  - E por que eu não acreditaria?
                  Cristofer pensou um pouco. O mestre iria achar que estava mentindo. Mas não via alternativa, não sabia como sair pela tangente. Decidiu contar.
                  - A princesa.
                  - O que tem a princesa? – perguntou o mestre, confuso.
                  - É ela!
                  O queixo do mestre caiu. Não, não podia ser verdade. Contudo, não era hábito de um monge mentir.
                   - Você sabe que a mentira pode resultar em sérios castigos – relembrou o mestre, com ar carrancudo. 
                   - E por que eu mentiria?
                   Os olhos de Cristofer ficaram vermelhos, seu rosto adquiriu o aspecto da mais pura infelicidade e mais uma vez não pôde conter as lágrimas. Chocado, o mestre observou o rapaz levar as mãos ao rosto. Cristofer havia lhe contado uma história fantástica demais para ser verdadeira, mas sua infelicidade indicava que não era mentira. Mas como acreditar? Princesas casam-se com príncipes, duques com duquesas, reis com rainhas. Era assim. A nobreza não se misturava com a pobreza. Cristofer deveria ter ao seu lado alguém de sua condição social, jamais a princesa Ana Clara.

                  - Bem, sinto muito por isso – disse o mestre, retirando-se da mesa.

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