domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 13

O dia da folga

            — Acorde, Renam, já amanheceu – falou sua companheira de aventura para despertá-lo, cutucando levemente o ombro esquerdo do monge.
            Imediatamente, o monge se levantou. Lavou-se no reservado, vestiu sua roupa de monge e saiu do quarto — Naêmia já havia se dirigido aos seus afazeres. Começou a andar em direção à sala dos monges, mas parou porque alguém lhe chamava:
            — Renam, onde pensa que vai? — perguntou Kevin, com um sorriso.
            — Kevin, por que me pergunta isso?
            — Ora, você não está pensando em treinar hoje, não é?
            — E por que não? O que há de especial no dia de hoje?
            Ainda sorridente, o rapaz respondeu:
            — Eu me recuso a acreditar: ele esqueceu!
            — O que esqueci? — indagou Renam, intrigado.
            — Hoje é nosso dia de folga, camarada. É o dia que podemos sair deste castelo, passear pela cidade, ver outras pessoas, sentir o sol.
            — Nossa, é verdade, eu estava completamente esquecido.
            — Esquecido? Caramba, sua memória deve ser pior que péssima. Esquecer o dia que estamos livres… Mas vamos lá, chega de papo furado.
            Os dois percorreram longos corredores e logo estavam na rua.
            — Não seria melhor tomar café antes de nos aventurarmos pela cidade?
            — Mas é claro que não, Renam. Não vá me dizer que também esqueceu que os armazéns fornecem refeições gratuitas aos monges.
            — Ah, é…
            Kevin parecia estar maravilhado pelo fato de andar nas ruas, sentindo o sol em sua pele. Caminharam um bom tempo, entraram num armazém e sentaram-se. Tiveram uma ótima refeição matinal. Em seguida, encaminharam-se para a praça da cidade. Renam lembrava-se da primeira vez que passara por ela para chegar ao castelo. Ainda assim, não deixou de se surpreender com sua incrível beleza: árvores devidamente podadas, chão rastelado, bancos bem pintados, espaços quadrados, cujo piso era coberto de areia para que crianças pequenas pudessem brincar; um lago onde passeavam patos, cisnes, peixes e tartarugas – sobre o lago havia uma estreita ponte, onde os casais passeavam abraçados; também havia um espaço reservado às estátuas.
            Kevin aproximou-se das estátuas com Renam e lhe contou a história de cada um dos homens, imortalizados através daquelas imagens de pedra. Enquanto ouvia as histórias, Renam apreciava, fascinado, a dedicação do artista em reproduzir a imagem daquelas pessoas com tanta perfeição. Kevin estava muito animado, não parava de falar. Em determinado momento, o jovem guerreiro desligou-se da voz de seu colega e, imerso em pensamentos, refletiu sobre a missão. Teria mais duas noites de leitura e alguns dias de estudo do mapa. Era necessário esperar mais alguns dias para somente então começar a agir. Se pudesse, teria ficado em seu quarto lendo o restante do livro. Mas sabia que não poderia levantar suspeitas. O rei acolhera a ele, Joshua e Naêmia por considerá-los pessoas de confiança. Por esse motivo, devia mostrar-se digno.
            A manhã passou rapidamente. Quando Renam e Kevin deram-se conta, estava na hora do almoço. Ambos estavam na zona oeste da cidade, bem afastados do castelo. Fizeram outra bela refeição, descansaram um pouco e continuaram o passeio. Após o café da tarde, Kevin achou que seria melhor retornarem ao castelo, pois estavam longe e não deveriam chegar depois do pôr-do-sol. Renam, que achara as casas esquisitas logo ao entrar na cidade, agora via nelas uma beleza exótica. As casas, muros, ruas, calçadas, tudo era tão bem construído e limpo. Era incrível como uma cidade tão bela e organizada pudesse ter a pior fama do mundo. Mas talvez a biografia do rei fornecesse esta resposta. Ainda restavam umas cento e oitenta páginas…
            Perdido em pensamentos, Renam demorou muito a perceber que a pessoa que caminhava na mesma rua que ele e seu colega monge, vinha em sua direção e a cada instante se aproximava mais. Quando finalmente a notou, seu olhar se cruzou com o dela e sentiu como se alguém o tivesse esfaqueado. Acabara de passar por Karine. Nenhum dos dois ousou cumprimentar o outro, nem olhar para trás. Apenas seguiram seus caminhos, como se não se conhecessem. O jovem guerreiro, que já sentia fortes dores no coração, agora tinha que suportar uma dor a mais. Por que se importava com aquela garota? Salvara-a de bandidos em seu armazém e a acompanhara por três dias até a sua residência. Mas fora somente isso. O que sentia por ela, afinal? Amor? Remorso? Renam não sabia, mas o que quer que fosse, o machucava.
            Ele e Kevin entraram em outro armazém para a última refeição do dia. Após algumas mordidas no pão, largou-o no prato. Sua garganta parecia trancada, de modo que tudo o que conseguiu foi ser notado por seu companheiro.
            — O que há, Renam? Não está se sentindo bem?
            — Apenas sem fome.
            — O que acha de nossa cidade, amigo?
            — Ah, é muito bonita e organizada, não tenho dúvidas.
            — E como é a sua cidade, Renam?
            Embora estivesse falando de sua terra natal, o pensamento do jovem guerreiro estava cada vez mais distante, pois respondia a pergunta de Kevin de forma mecanizada. Esperava voltar logo ao castelo e continuar a leitura da biografia do rei. Como aquele era o dia de folga, teria mais tempo para se dedicar à leitura. Naêmia também sairia mais cedo da cozinha; teria menos trabalho naquele dia, considerando que não precisaria fazer comida para os monges.
            Os guerreiros não se demoraram na última refeição. Não tardaria o pôr-do-sol e deveriam logo estar nas dependências do castelo.
            Ao retornar ao seu quarto, Renam trocou a roupa e sentou-se na cama. Logo a porta se abriu. O monge imaginou tratar-se de Naêmia, mas quem entrou em seu quarto foi Joshua.
            — Boa noite, Renam.
            — Joshua, como vai? Faz vários dias que não nos falamos…
            — Sim, por isso estou aqui. Você e Naêmia terminaram a leitura da biografia do rei?
            — Ainda restam cento e oitenta páginas. Nosso objetivo é ler cento e vinte páginas hoje e deixarmos o restante para amanhã. Em dois dias, trocaremos o livro pelo mapa.
            — Ótimo. Ainda estou estudando o mapa. Acredito que nos próximos dois dias terei memorizado-o totalmente.
            — Ele não é difícil de interpretá-lo, apenas é muito grande.
            — Concordo, Renam. Mas o fato é que o mapa não está completo.
            — Como assim?
            — Ele mostra apenas a planta dos primeiro e segundo pavimentos.
            — O quê? Mas este castelo deve ter uns sete ou oito andares.
            — Exatamente.
            — O que faremos?
            — Andei pensando a respeito. Primeiro, estudaremos o que temos em mãos. Se não for suficiente, teremos que procurar a planta dos pavimentos superiores.
            Mais uma vez a porta do quarto se abriu.
            — Joshua, que surpresa agradável! Como tem passado?
            — Estou muito bem, obrigado. E você?
            — Ótima.
            — Naêmia, eu estava explicando a Renam sobre uma particularidade do mapa.
            A mulher não o interrompeu. Apenas esperou que prosseguisse.
— Ele não é completo, Naêmia.
— O quê?
— Cada lado do mapa representa um pavimento.
— O quê? Mas…
— Sim, sabemos o que você dirá. Este castelo não tem somente dois andares, mas vários.
— Mas o que faremos então?
— Incrível, sua reação foi a mesma de Renam — falou Joshua, com um leve sorriso. — O que temos em mãos deve bastar, Naêmia. Mas se isso provar-se insuficiente, então teremos que encontrar novas pistas.
Joshua levantou-se e abriu a porta. Desejou um bom descanso aos dois e foi para o seu quarto. Renam e Naêmia sentaram-se lado a lado e abriram o livro. Estavam no capítulo quatro. Naquela parte do livro, o rei começava a narrar a empreitada dos Monges Vermelhos em busca da Ametista Mágica, uma missão que durou quinze verões nas terras do norte. Enfrentaram grandes desafios, foram astutos, pagaram informantes, subornaram guardas e finalmente roubaram a ametista de um reino distante.
O capítulo terminava narrando que a ametista foi guardada com os outros objetos mágicos, numa sala de segurança máxima do castelo, e que logo seria escolhido um guerreiro para possuir a armadura e realizar a grande tarefa que o rei tinha em mente.
— Só mais sessenta páginas, como havíamos imaginado, Naêmia.
— Sim. Tomara que neste capítulo final encontremos as respostas que tanto procuramos.
— Assim espero — disse Renam, com um suspiro. — Já lemos quase todo o livro e, mesmo sendo uma história fascinante, não tem sido de grande ajuda para a nossa missão.

— Acho melhor dormir, Renam. Estamos muito cansados.

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