O
dia da folga
— Acorde, Renam, já amanheceu – falou sua companheira de
aventura para despertá-lo, cutucando levemente o ombro esquerdo do monge.
Imediatamente, o monge se levantou.
Lavou-se no reservado, vestiu sua roupa de monge e saiu do quarto — Naêmia já
havia se dirigido aos seus afazeres. Começou a andar em direção à sala dos
monges, mas parou porque alguém lhe chamava:
— Renam, onde pensa que vai? — perguntou Kevin, com um
sorriso.
— Kevin, por que me pergunta isso?
— Ora, você não está pensando em treinar hoje, não é?
— E por que não? O que há de especial no dia de hoje?
Ainda sorridente, o rapaz respondeu:
— Eu me recuso a acreditar: ele esqueceu!
— O que esqueci? — indagou Renam, intrigado.
— Hoje é nosso dia de folga, camarada. É o dia que
podemos sair deste castelo, passear pela cidade, ver outras pessoas, sentir o
sol.
— Nossa, é verdade, eu estava completamente esquecido.
— Esquecido? Caramba, sua memória deve ser pior que
péssima. Esquecer o dia que estamos livres… Mas vamos lá, chega de papo furado.
Os dois percorreram longos corredores e logo estavam na
rua.
— Não seria melhor tomar café antes de nos aventurarmos
pela cidade?
— Mas é claro que não, Renam. Não vá me dizer que também
esqueceu que os armazéns fornecem refeições gratuitas aos monges.
— Ah, é…
Kevin parecia estar maravilhado pelo fato de andar nas
ruas, sentindo o sol em sua pele. Caminharam um bom tempo, entraram num armazém
e sentaram-se. Tiveram uma ótima refeição matinal. Em seguida, encaminharam-se
para a praça da cidade. Renam lembrava-se da primeira vez que passara por ela
para chegar ao castelo. Ainda assim, não deixou de se surpreender com sua
incrível beleza: árvores devidamente podadas, chão rastelado, bancos bem
pintados, espaços quadrados, cujo piso era coberto de areia para que crianças
pequenas pudessem brincar; um lago onde passeavam patos, cisnes, peixes e
tartarugas – sobre o lago havia uma estreita ponte, onde os casais passeavam
abraçados; também havia um espaço reservado às estátuas.
Kevin aproximou-se das estátuas com Renam e lhe contou a
história de cada um dos homens, imortalizados através daquelas imagens de
pedra. Enquanto ouvia as histórias, Renam apreciava, fascinado, a dedicação do
artista em reproduzir a imagem daquelas pessoas com tanta perfeição. Kevin
estava muito animado, não parava de falar. Em determinado momento, o jovem
guerreiro desligou-se da voz de seu colega e, imerso em pensamentos, refletiu
sobre a missão. Teria mais duas noites de leitura e alguns dias de estudo do
mapa. Era necessário esperar mais alguns dias para somente então começar a
agir. Se pudesse, teria ficado em seu quarto lendo o restante do livro. Mas
sabia que não poderia levantar suspeitas. O rei acolhera a ele, Joshua e Naêmia
por considerá-los pessoas de confiança. Por esse motivo, devia mostrar-se
digno.
A manhã passou rapidamente. Quando Renam e Kevin deram-se
conta, estava na hora do almoço. Ambos estavam na zona oeste da cidade, bem
afastados do castelo. Fizeram outra bela refeição, descansaram um pouco e
continuaram o passeio. Após o café da tarde, Kevin achou que seria melhor
retornarem ao castelo, pois estavam longe e não deveriam chegar depois do
pôr-do-sol. Renam, que achara as casas esquisitas logo ao entrar na cidade,
agora via nelas uma beleza exótica. As casas, muros, ruas, calçadas, tudo era
tão bem construído e limpo. Era incrível como uma cidade tão bela e organizada
pudesse ter a pior fama do mundo. Mas talvez a biografia do rei fornecesse esta
resposta. Ainda restavam umas cento e oitenta páginas…
Perdido em pensamentos, Renam demorou muito a perceber
que a pessoa que caminhava na mesma rua que ele e seu colega monge, vinha em
sua direção e a cada instante se aproximava mais. Quando finalmente a notou,
seu olhar se cruzou com o dela e sentiu como se alguém o tivesse esfaqueado.
Acabara de passar por Karine. Nenhum dos dois ousou cumprimentar o outro, nem
olhar para trás. Apenas seguiram seus caminhos, como se não se conhecessem. O
jovem guerreiro, que já sentia fortes dores no coração, agora tinha que suportar
uma dor a mais. Por que se importava com aquela garota? Salvara-a de bandidos
em seu armazém e a acompanhara por três dias até a sua residência. Mas fora
somente isso. O que sentia por ela, afinal? Amor? Remorso? Renam não sabia, mas
o que quer que fosse, o machucava.
Ele e Kevin entraram em outro armazém para a última
refeição do dia. Após algumas mordidas no pão, largou-o no prato. Sua garganta
parecia trancada, de modo que tudo o que conseguiu foi ser notado por seu
companheiro.
— O que há, Renam? Não está se sentindo bem?
— Apenas sem fome.
— O que acha de nossa cidade, amigo?
— Ah, é muito bonita e organizada, não tenho dúvidas.
— E como é a sua cidade, Renam?
Embora estivesse falando de sua terra natal, o pensamento
do jovem guerreiro estava cada vez mais distante, pois respondia a pergunta de
Kevin de forma mecanizada. Esperava voltar logo ao castelo e continuar a
leitura da biografia do rei. Como aquele era o dia de folga, teria mais tempo
para se dedicar à leitura. Naêmia também sairia mais cedo da cozinha; teria
menos trabalho naquele dia, considerando que não precisaria fazer comida para
os monges.
Os guerreiros não se demoraram na última refeição. Não
tardaria o pôr-do-sol e deveriam logo estar nas dependências do castelo.
Ao retornar ao seu quarto, Renam trocou a roupa e
sentou-se na cama. Logo a porta se abriu. O monge imaginou tratar-se de Naêmia,
mas quem entrou em seu quarto foi Joshua.
— Boa noite, Renam.
— Joshua, como vai? Faz vários dias que não nos falamos…
— Sim, por isso estou aqui. Você e Naêmia terminaram a
leitura da biografia do rei?
— Ainda restam cento e oitenta páginas. Nosso objetivo é
ler cento e vinte páginas hoje e deixarmos o restante para amanhã. Em dois
dias, trocaremos o livro pelo mapa.
— Ótimo. Ainda estou estudando o mapa. Acredito que nos
próximos dois dias terei memorizado-o totalmente.
— Ele não é difícil de interpretá-lo, apenas é muito
grande.
— Concordo, Renam. Mas o fato é que o mapa não está
completo.
— Como assim?
— Ele mostra apenas a planta dos primeiro e segundo
pavimentos.
— O quê? Mas este castelo deve ter uns sete ou oito
andares.
— Exatamente.
— O que faremos?
— Andei pensando a respeito. Primeiro, estudaremos o que
temos em mãos. Se não for suficiente, teremos que procurar a planta dos
pavimentos superiores.
Mais uma vez a porta do quarto se abriu.
— Joshua, que surpresa agradável! Como tem passado?
— Estou muito bem, obrigado. E você?
— Ótima.
— Naêmia, eu estava explicando a Renam sobre uma
particularidade do mapa.
A mulher não o interrompeu. Apenas esperou que
prosseguisse.
— Ele não é
completo, Naêmia.
— O quê?
— Cada lado do
mapa representa um pavimento.
— O quê? Mas…
— Sim, sabemos
o que você dirá. Este castelo não tem somente dois andares, mas vários.
— Mas o que
faremos então?
— Incrível,
sua reação foi a mesma de Renam — falou Joshua, com um leve sorriso. — O que
temos em mãos deve bastar, Naêmia. Mas se isso provar-se insuficiente, então
teremos que encontrar novas pistas.
Joshua
levantou-se e abriu a porta. Desejou um bom descanso aos dois e foi para o seu
quarto. Renam e Naêmia sentaram-se lado a lado e abriram o livro. Estavam no
capítulo quatro. Naquela parte do livro, o rei começava a narrar a empreitada
dos Monges Vermelhos em busca da Ametista Mágica, uma missão que durou quinze
verões nas terras do norte. Enfrentaram grandes desafios, foram astutos,
pagaram informantes, subornaram guardas e finalmente roubaram a ametista de um
reino distante.
O capítulo
terminava narrando que a ametista foi guardada com os outros objetos mágicos,
numa sala de segurança máxima do castelo, e que logo seria escolhido um
guerreiro para possuir a armadura e realizar a grande tarefa que o rei tinha em
mente.
— Só mais
sessenta páginas, como havíamos imaginado, Naêmia.
— Sim. Tomara
que neste capítulo final encontremos as respostas que tanto procuramos.
— Assim espero
— disse Renam, com um suspiro. — Já lemos quase todo o livro e, mesmo sendo uma
história fascinante, não tem sido de grande ajuda para a nossa missão.
— Acho melhor
dormir, Renam. Estamos muito cansados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário