- Está muito
tarde. É melhor nos recolhermos – disse o rei Xavier.
- Princesa, eu a acompanharei até o seu
aposento – falou Karus, erguendo um pouco o seu braço esquerdo para que Ana
Clara o segurasse.
O casal dirigiu-se para o quarto da
princesa. Seguiram pelo corredor central em direção a uma sala onde havia uma
escada que os conduziria ao pavimento inferior.
Você não gosta muito de escadas,
não é, Ana?
- Ah, você reparou. É, acho
cansativo ficar subindo e descendo escadas. Mas como descobriu esse meu...
desconforto?
- Simples: seu quarto fica no
primeiro piso do castelo. Que outro motivo a levaria escolher um quarto neste
pavimento?
- Tem razão.
A princesa apenas concordou e ficou
em silêncio. Karus percebeu que a conversa que estava tendo com a menina se
resumia em um conjunto de perguntas e respostas. Ele perguntava, ela respondia.
A garota nunca comentava nada por vontade própria. A menina era bonita. Era
linda, pensava Karus. Mas sua frieza era igualmente notável, o que prejudicava
sua bela aparência. Porém, não iria desistir. Precisava apenas de algum tempo
para conquistá-la.
- Esse castelo é enorme. Nunca
havia visto um tão grande assim – falou o príncipe, após caminhar um bom trecho
pelo corredor principal.
- Meu pai ampliou a nossa casa quando
conseguiu conquistar outros reinos. Ele acredita que o homem é representado por
sua morada.
- Isso significa o quê?
- Significa que se a casa de alguém
é grande e luxuosa, então trata-se de uma pessoa de grande poder e respeito.
- Você concorda com essa ideia, Ana?
A princesa parou de caminhar e
ficou olhando fixamente para Karus.
Naquele momento,
lembrou-se da casa e dos pais de Cristofer. O ex-namorado e seus pais eram
pessoas maravilhosas. Cristofer era um exímio lutador. Entretanto, moravam na
casa mais humilde onde já colocara os pés. Preferia morar naquela casa com
Cristofer a morar num castelo com Karus.
- Não – respondeu a garota e
continuou caminhando, fazendo com que o príncipe tivesse que apurar o passo
para alcançá-la.
“Além de fria é doida” pensou o
rapaz, frustrado com a ideia de sentir-se rejeitado pela princesa.
Ambos prosseguiram em silêncio até
o quarto da garota.
- Bem, é melhor deixá-la descansar.
Tenha uma boa-noite, Ana - falou o príncipe.
- Boa-noite para você também, Karus
– disse a princesa, fechando a porta de seu quarto logo em seguida.
Ana Clara cruzou as mãos atrás, apoiou suas
costas na porta e suspirou profundamente. Que droga seus pais estavam fazendo
da sua vida? Que direito tinham eles de escolher seu futuro marido? “Você é uma
princesa, tem um grande compromisso com o reino” dissera o seu pai, ao tentar
justificar, durante um jantar, o relacionamento forçado. Se tivesse nascido
plebeia, não estaria nesta situação incômoda. Talvez não houvesse a necessidade
de nascer plebeia. Não se considerasse que sua situação não seria tão
desagradável se não tivesse conhecido Cristofer. Cristofer... Pensar no rapaz
agora causava uma sensação horrível em Ana Clara. A menina sentia como se uma
parte de si tivesse morrido, desde que soubera que se casaria com o príncipe
Karus e não com quem escolhera para dividir sua vida consigo. Tantas coisas boas
tivera com aquele rapaz agradável, tantas risadas e brincadeiras...
Estava tudo acabado. O rei
Sebastian e o príncipe Karus a afastaram de seu verdadeiro amor, destruindo sua
felicidade. Não poderia mais ver Cristofer. Nem mesmo uma última vez. Ele saíra
de sua vida. Não, ele fora tirado de seu caminho. O príncipe e seu pai haviam
se encarregado de tal tarefa.
Sentindo as lágrimas rolarem por
sua face, acompanhadas de uma tristeza que não poderia descrever, Ana Clara
distanciou-se da porta e caminhou em direção a sua cama. Sentou-se e olhou ao
redor: apenas o seu quarto era maior que a casa toda de Cristofer. Desde que
começara a namorá-lo, ele evitara levá-la em sua casa. A princesa sabia o
motivo. Dera a entender, desde o primeiro encontro, que era muito rica. Apenas
não dissera que era filha do rei. Assim como o rapaz tinha receio de ser
rejeitado por sua pobreza, Ana Clara temia que ele não a quisesse mais ao saber
que era a princesa do reino. Por tais motivos, ambos adiaram ao máximo o
momento em que um visitaria a casa do outro.
Ana Clara deitou-se, tentando
entender a ganância e a maldade no coração dos homens. Seu pai, o conquistador,
havia sido conquistado. Sentia medo do rei Sebastian e de seus guerreiros
negros. E o homem trouxera apenas um pequeno grupo de seus soldados. Que
artimanhas teria imaginado para mostrar ao poderoso rei Xavier que ele não era
invencível, de maneira a fazê-lo concordar com a ridícula ideia de casamento
sem amor, não se importando em destruir a vida da própria filha? E sua mãe
também concordara. Ana Clara jamais imaginara que seus pais pudessem ser
capazes de tal atitude. Será que não a amavam?
A garota imaginou que alguma coisa
precisava ser feita, mas não tinha ideia do que poderia ser. Recusar-se a
casar? Não, seus pais jamais aceitariam. Começar a tratar Karus mal, com o
objetivo de fazê-lo desiludir-se? Poderia funcionar, mas, se não desse certo, o
rapaz iria vingar-se depois do casamento. Fugir e esconder-se? Neste caso, para
onde iria? Se fizesse isso, seus pais enlouqueceriam. Certamente que mandariam
centenas de soldados fazerem uma varredura em todo o reino, revistando casa por
casa.
A princesa suspirou mais uma vez.
Não havia nada que pudesse fazer. Deveria aceitar o seu destino, ciente que de
que qualquer tentativa contrária poderia resultar em tragédia. De repente,
a garota sentiu-se um pouco pior. Até aqui, tinha pensado apenas em si. “Como
sou egoísta. E Cristofer, o quanto deve estar sofrendo?” questionou-se a
menina, em pensamento.
Sim , Cristofer também a amava e estava pagando o preço da
ousadia do rei Sebastian e do príncipe Karus. Onde estaria o rapaz agora? Como
estaria lidando com sua dor?
A princesa sentiu-se como se fosse
um poço de perguntas, mas sem uma única resposta. Não tinha ideia do porquê
estava sofrendo desse jeito. Não sabia o que fazer, a quem recorrer, aonde ir.
Todas as portas da felicidade pareciam estar fechadas a sete chaves. Com o
olhar vazio, mirando o infinito, a princesa finalmente entregou-se ao mundo dos
sonhos.
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