domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 16

Sem saída

Renam e Joshua estavam no quarto do monge, esperando a noite avançar um pouco mais. Era chegada a hora de executarem uma busca na sala do tesouro, e teriam que empreender esta empreitada sem Naêmia.
Joshua parecia um pouco pensativo, observara Renam. Em determinado momento, o bruxo começou a falar:
— Renam, há coisas importantes relacionadas à Ametista Mágica e também sobre Naêmia, que preciso lhe contar. É o seguinte...
Enquanto Joshua comentava, Renam fazia cara de incrédulo. Ao terminar sua fala, o bruxo acrescentou:
— É claro que o que diz respeito a nossa colega não passa de suposições do rei de Daran. Eu, particularmente, não acredito nisso. Bem, está na hora, Renam.
O jovem guerreiro balançou a cabeça, em sinal de concordância. Vestiram seus trajes de combate e saíram do quarto, cuja porta foi selada magicamente por Joshua.
Avançaram pela direita, chegando na grande sala circular onde tantas vezes Renam estivera. Encaminharam-se pela esquerda, parando em frente à oitava porta. Entraram em um corredor que apresentava estátuas, quadros, cabeças de animais e muitos outros tipos de objetos valiosos distribuídos ao longo de suas paredes. Pararam em frente a um armário, quase no final do corredor. Empurraram-no para o lado e entraram na passagem secreta que conduziria à sala do tesouro. Ao entrar na sala, Renam e Joshua ficaram espantados: estantes, armários e baús de todas as formas e tamanhos estavam cheios de jóias; grandes caixas de vidro guardavam somas absurdas de dinheiro em papel; grossas colunas de barra de ouro erguiam-se como torres, quase alcançando o teto; uma caixa, quase da altura de Renam, cuja largura era duas vezes o comprimento de seus braços abertos, transbordava moedas; bancadas estendidas pelas paredes exibiam colares, diamantes de vários tamanhos, coroas de ouro puro, anéis com pedras de rubi, pulseiras de pedras preciosas e outros objetos de incrível valor; pelo chão, havia pequenos montes de jóias que chegavam até a cintura de Renam; estátuas de ouro também infestavam o local, sendo que algumas destas estátuas seguravam cestas cheias de diamante.
— Esta sala possui um tesouro de valor incalculável. Como o rei consegue ser tão rico? – questionou Joshua, alarmado com tanta riqueza.
Antes que Renam pudesse dizer qualquer coisa, ouviram uma porta do outro lado da sala se abrir. Não houve tempo para que os guerreiros pudessem se esconder. O rei entrara em companhia de seu bruxo e se aproximava, demonstrando grande segurança. A alguns passos de distância parou e cumprimentou os dois guerreiros.
— Boa noite, Renam. Boa noite, Joshua.
Joshua olhou para Renam que, por sua vez, nada fez a não ser tirar o capuz e encarar o rei, sem demonstrar surpresa. Joshua também tirou o capuz para mostrar o seu rosto e esperou pelas palavras seguintes do rei:
— Parece que chegamos no momento que tanto esperava, afinal de contas.
O rei sorriu. Desta vez, porém, o sorriso era acompanhado de um olhar maldoso e um tom de voz seco, desprovido de emoção.
— Se você chegou até aqui, Renam, então provou ser o homem que eu estava procurando. É suficientemente inteligente e habilidoso para a tarefa que lhe darei.
Joshua olhou para Renam, em seguida para o rei e mais uma vez para Renam.
— Tarefa? Do que ele está falando?
Sem olhar para o amigo, o monge respondeu:
— Tudo não passou de um teste, Joshua. O rei queria descobrir se éramos capazes de combinar inteligência e habilidade de luta num nível capaz de localizar e se apoderar da Ametista Mágica. Uma vez que provássemos o nosso valor, seríamos utilizados em um serviço que até agora ninguém conseguiu realizar.
— Serviço? — indagou Joshua, confuso.
— Ontem confirmei algo sobre o qual já suspeitava havia algum tempo: a biografia do rei foi escrita em dois volumes.
Joshua olhou assustado para o amigo.
— Renam, como…?
— Voltei à sala onde havia descoberto o primeiro livro e procurei pelo segundo. Encontrei-o rapidamente. Resolvi também procurar pela continuação do mapa, mas não encontrei. Voltei ao quarto e li o livro, que possuía apenas 70 páginas. Embora pequeno, forneceu muito mais respostas que o outro, que possuía quase quinhentas páginas.
Joshua estava admirado; o rei demonstrava satisfação em seu olhar, enquanto ouvia o relato de Renam; o bruxo do reino, por sua vez, mantinha um olhar inexpressivo.
— O primeiro livro narra que foi construída a área isolada da cidade, na qual o guerreiro da Armadura de Prata prendera milhares de homens e mulheres criminosos. Logo que os imensos muros foram erguidos, foi construída uma grande casa, que serviria de prisão aqueles delinqüentes. Até aí, nada de novo. No segundo volume da biografia, o rei relata que, logo que o crime foi controlado, ele e seu irmão mais moço travaram um combate, dentro do castelo, pela posse da Armadura de Prata, da Ametista Mágica e do Tomo Negro. O pai deles até tentou interferir, mas foi morto pelos golpes que ambos aplicavam entre si. Quando o terceiro irmão entrou no salão onde se encontravam, ainda estavam lutando. Vendo o pai no chão, morto, atacou os dois irmãos com o auxílio de vários guardas, imobilizando-os. Julian, como era o irmão mais velho, ficou neste reino, em posse da Armadura de Prata. Os outros partiram, um com o Tomo Negro e o outro com a Ametista Mágica.
“Com o tempo, alguém da prisão conseguiu descobrir uma saída e aventurou-se por este castelo, até encontrar e roubar a Armadura de Prata. Levou-a para a área isolada da cidade e a escondeu na grande casa – prisão. Continuou vindo ao castelo, numa tentativa de encontrar a pedra e o livro, mas acabou sendo descoberto e foi torturado até revelar tudo.
“O rei começou a enviar os soldados da Guarda Imperial, numa tentativa de recuperar a armadura. Além de não conseguirem localizá-la, a maioria dos soldados acabou sendo assassinada pelos criminosos que infestavam o lugar. Temendo que o mesmo pudesse ocorrer aos seus monges, o rei decidiu não enviá-los, pois poderia ficar sem proteção para o castelo.
“Mas o fato é que mais pessoas devem partilhar do segredo do ladrão da armadura. Você deve lembrar, Joshua, que a alguns dias contei-lhe que um espião havia sido pego. E se além dele, houver outros?”
— Bravo, bravo! — exclamou o rei com um leve sorriso e palmas. — Você realmente mostrou-se digno da tarefa, Renam. É muito inteligente para descobrir tantos segredos e maravilhosamente habilidoso para escapar de meus seguranças noturnos. Por esse motivo, estarei oferecendo a você a chance de se unir a mim. Juntos, teríamos condições de nos tornarmos os senhores do mundo. Olhe a sua volta, quanta riqueza. E pensar que há muito mais lá fora… O que me diz?
Renam olhou a sua volta, observando a quantidade absurda de riqueza acumulada. Esse homem deveria ter arruinado famílias inteiras para ter um tesouro tão grande, pensava Renam. O rei olhava fixamente para o monge, esperando sua decisão. Joshua demonstrou um olhar surpreso, como se também estivesse em expectativa. Finalmente, o jovem guerreiro falou:
— Você me enoja. Somente me unirei a você quando o sol se transformar numa bola de gelo.
    Você não sabe o que está perdendo, Renam — falou uma voz
conhecida.
Naquele momento, Renam e Joshua perceberam que o rei Sebastian estava certo. Logo em seguida, uma mulher saiu de trás de uma das grossas colunas de ouro e se aproximou do rei, beijando-lhe o rosto.
— Naêmia?! — falaram Renam e Joshua ao mesmo tempo.
— Talvez ele não seja tão inteligente assim, querido — debochou Naêmia, enquanto alisava o cabelo do rei e beijava o seu rosto. — Quem você acha que roubou a Ametista Mágica de Sebastian, aquele rei idiota? Eu a trouxe para cá e a entreguei, na primeira oportunidade, ao meu amante, Renam. Como pode ver, você acertou quando disse que tudo foi um teste. Mas você só descobriu isso no momento em que o rei entrou na sala e lhe chamou pelo nome, quando ainda estava com o capuz. Até então, acreditava que poderia recuperar a pedra.
— Como você foi capaz…
— Como, meu querido companheiro de quarto? Aquele rei idiota podia me dar um emprego, dinheiro, comida e um lugar para morar. Mas o que mais queria, ele não pôde me dar: amor.
Renam e Joshua se entreolharam.
— Sim, eu o amava. Mas ele apenas me iludiu e me fez sofrer. E eu sofri muito, muito mesmo. Mas um dia, ao realizar uma missão neste reino, descobri o verdadeiro amor. Aquele rei idiota merecia uma lição por ter brincado com meus sentimentos e eu providenciaria para que isso acontecesse. Roubei a pedra, sabendo que seria uma das pessoas enviadas para este reino, com o objetivo de resgatá-la. Que ironia, não, Renam? Moramos na mesma casa, dormimos no mesmo quarto… bastaria você olhar em minhas coisas para encontrar a bendita gema. Mas o puritano do monge Renam jamais faria isso a uma dama…
A mulher fez uma pausa e logo prosseguiu:
— Sim, fiz tudo ao meu alcance para me vingar de Sebastian. O meu noivo sabia que estávamos a caminho muito antes de chegarmos. Lembram daquela noite que saí da tenda, com a desculpa de satisfazer minhas necessidades físicas? Pois bem, enquanto vocês me esperavam no prazo de uma contagem de zero a trezentos, eu fui falar com agentes de Julian, que me esperavam a uns oitenta passos de distância, para confirmar-lhes que o plano estava saindo como previsto. Em breve, chegaríamos em Damaris.
— Joshua, cuide do bruxo enquanto me ocupo com Naêmia — falou Renam, disposto a não ouvir mais nenhuma explicação da traidora.
Mas antes que fizessem qualquer movimento, Naêmia assoprou um apito com força. Mais uma vez a porta pela qual o rei entrara e, momentos depois e sorrateiramente, Naêmia também utilizara, abriu-se. Renam e Joshua ficaram chocados. Vários guerreiros entravam na sala e se aproximavam do rei. Os dois guerreiros da frente ladeavam uma garota, um deles apontado uma espada para a barriga da menina, enquanto que o outro mantinha uma faca muito próxima à garganta.
— Renam? — falou a menina, horrorizada.
— Karine!
O olhar de pânico de Renam permitia a Joshua ter uma idéia da gravidade da situação. O rei os encurralara de uma forma tal, que não teriam escolha a não ser fazer o que ele dissesse.
— Eu avisei, rapaz. Mas você preferiu tentar do modo mais difícil…
O rei fez uma pausa, saboreando a expressão aterrorizada do monge.
— Você é o homem mais indicado para fazer o que vários de meus soldados tentaram e falharam. É o mais habilidoso guerreiro deste castelo e, creio, do reino inteiro. Mas, a exemplo de meus guardas, você não ousará falhar; porque se não me trouxer a armadura, bem, imagino que faz idéia do que acontecerá a sua namorada. Levem-nos — concluiu o rei, virando as costas ao monge e saindo imponentemente da sala.

Alguns guardas conduziram Renam e Joshua até seus quartos. No dia seguinte, teriam que se apresentar ao rei.

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