domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 16

Ana Clara encontrava-se em seu quarto. Desde que conhecera o príncipe Karus, passou a ter dificuldades para dormir. Acordava-se várias vezes durante a noite, desejando permanecer acordada até o amanhecer. Às vezes, era isso o que acontecia. Porém, havia dias em que se encontrava muito cansada e o jeito era entregar-se ao mundo dos sonhos, quase sempre pesadelos.
Levantou-se de sua cama e foi em direção à janela. Ainda estava muito escuro, seria necessário mais algum tempo para que a lua desse lugar ao sol. Diferente das outras noites, Ana Clara não queria que o sol chegasse. Isso porque teria que passar o dia na companhia do detestável príncipe Karus. A cada dia que passava, a menina antipatizava mais com o príncipe. Desde o dia em que o conhecera até hoje, o rapaz nunca demonstrara se importar com seus sentimentos. Por que não virou as costas e foi embora, ao saber que tinha namorado? Nunca falara nada, nunca fizera uma única pergunta sobre Cristofer. Apenas queria ter sua atenção. Por que não se importava em destruir sua felicidade?
            Karus era tão diferente de Cristofer. Por qualquer coisa, já estava irritado, emburrado. Cristofer jamais a tratara assim. Era carinhoso, sensível, sabia como fazer uma menina sentir-se bem. Tratava-a de maneira a demonstrar que se importava muito mais com ela do que consigo mesmo. Como eram diferentes um do outro...
            Batidas. Alguém estava batendo na porta de seu quarto. Quem poderia ser? Ainda nem amanheceu...
            Ana Clara encaminhou-se lentamente para a porta. Receava que fosse o príncipe Karus. Faria questão de não deixá-lo entrar. Insistente e chato como era o príncipe, devia achar um jeito de dispensá-lo rapidamente. Levou a mão à maçaneta, pronta para mandá-lo embora. De preferência, que não sumisse só da sua frente, como também da sua vida. Com o cenho franzido e uma expressão de ódio no olhar, a princesa abriu a porta.
            A expressão de ira no rosto da garota se desfez na mesma hora. Nunca imaginou que isso poderia acontecer. Sabia que não estava sonhando, mas por um momento duvidou. Nada poderia prepará-la para a surpresa daquela noite. Afinal, como poderia imaginar que, pela madrugada, abriria a porta de seu quarto para...
- Cris? – perguntou a garota, em choque.
            Ambos ficaram se olhando por alguns instantes. Cristofer também sentiu uma estranha sensação ao ver Ana Clara, embora estivesse a noite toda em sua procura.
- Cris? – repetiu a garota. – Mas como...
- Já explico tudo, Ana. Tenho que colocar estes guardas dentro do seu quarto, está bem?
            Somente agora Ana Clara dava-se conta de que quatro seguranças encontravam-se caídos, próximo a eles.
- Estão muito machucados? – perguntou a garota, preocupada.
- Não, apenas inconscientes. Mas tenho que escondê-los para não levantar suspeita.
            Com facilidade surpreendente, Cristofer ergueu dois guardas e os colocou no quarto da princesa, um deitado do lado do outro, no chão. Voltou à porta e buscou os outros seguranças. Fechou a porta e aproximou-se de Ana Clara.
- Eu queria saber o que está acontecendo, Ana. De repente você some, eu descubro que é a princesa de Flor-de-lis e que está noiva de um príncipe.
            Os olhos de Ana Clara ficaram vermelhos na mesma hora. Lágrimas escorreram por sua bela face. A princesa baixou a cabeça e levou as mãos ao rosto. Cristofer, vendo o sofrimento da garota, abraçou-a carinhosamente. Deu-lhe alguns beijos em seu rosto e pediu para que se acalmasse.
- Venha, vamos sentar em sua cama.
            Ana Clara balançou a cabeça, concordando. Queria muito encontrar Cristofer, falar com ele e explicar tudo, mas não desta forma, escondendo-se em seu próprio quarto.
- Ana, eu queria apenas saber o porquê de ter sido trocado por um príncipe.
            A menina olhou para o rapaz com uma expressão vazia. Não sabia por onde começar.
- É porque eu sou muito pobre, não é? Seus pais jamais me aceitariam...
- Não, Cris, não é isso. Eu o amo muito. Você não tem a menor ideia do que está acontecendo comigo.
- Bem, foi por isso que eu vim. Eu quero saber, Ana.
            Antes que Ana Clara começasse, bateram na porta do quarto.
- Princesa? Você está bem?
            A garota pensou rápido.
- Um momento, vou vestir algo – falou. Em seguida, olhou para Cristofer. – Cris, esconda esses homens naquele armário, que está vazio – disse, em voz baixa.
            Momentos depois, a princesa abriu a porta.
- Pois não?
- Princesa, lamento muito incomodá-la a esta hora, mas deixei quatro seguranças em frente à porta de seu quarto e eles simplesmente sumiram.
- Bem, nada sei a respeito. A propósito, por que esses guardas estavam vigiando o meu quarto?
- Um indivíduo muito perigoso invadiu o castelo, princesa. Receamos que queira roubar algo ou, pior ainda, ferir alguém. O rei mandou esses homens para sua segurança.
- Oh, bem, fico agradecida.
- É, mas preocupa-me o fato de que sumiram.
- Por que não manda outros no lugar deles?
- Eu farei isso, princesa. Apenas queria ver se estava bem.
- Estou muito bem, não se preocupe. Boa-noite.
- Boa-noite, princesa.
            Ana Clara fechou a porta e respirou aliviada. Esta tinha sido por pouco. Foi até o armário onde Cristofer colocara os homens e também se escondera.
- Venha, Cris, o perigo passou.
Voltaram a sentar-se na cama.
- Cris, eu não sei o que aconteceu com meu pai. Ele parece amedrontado com o rei Sebastian. Tanto que me obrigou a começar um namoro com o príncipe Karus.
            Ana Clara fez uma pausa, em seguida prosseguiu:
- Aquele dia em que estive em sua casa foi um dos melhores da minha vida. Seus pais são exatamente como você: adoráveis! Mas ao chegar ao castelo, encontrei meus pais com o rei Sebastian e seu filho idiota. Não quiseram nem saber quando falei a eles que já tinha um namorado. Não me deram escolha. Teria que casar com o príncipe Karus.
- Isso não faz sentido. Por que seus próprios pais não se importariam com seus sentimentos, Ana?
- Eu me faço essa pergunta o tempo todo, Cris – respondeu a menina com um sorriso triste. – Não sei porque ele está fazendo as vontades daquele rei arrogante e seu filho estúpido, mas o fato é que não liga se estou ou não sofrendo.
- E sua mãe, o que ela diz?
- Ela também não liga, Cris. Meus pais não se importam com a minha felicidade.
            Cristofer abraçou Ana Clara e a beijou. Entendia agora o que realmente acontecia. A garota lutara com todas as suas forças para manter o relacionamento com ele, mas não tivera escolha. Teve que se afastar, sem qualquer chance de explicar o que enfrentava.
- E você, querido, como chegou até aqui?
Cristofer sorriu.
- Esperei-a na praça no outro domingo, como havíamos combinado. Mas você não apareceu. Os outros domingos também foram frustrantes. Ficava a tarde toda na praça, mas você tinha simplesmente desaparecido.
            “Quando soube que a princesa iria noivar na praça, imaginei que a encontraria lá. Sabia que você era rica e seria convidada. Apenas não imaginei que você fosse a noiva. Fiquei chocado. Queria apenas sumir dali e não te ver nunca mais na minha frente. Mas uma tristeza tomou conta do meu coração. Um sentimento que não me deixava em paz. Eu tinha que falar contigo, descobrir o que a levara a me trocar por um príncipe. Você parecia gostar de mim de verdade. Não deu qualquer importância ao fato de eu ser pobre. Algo não fechava nesta história e eu tinha que descobrir o que era.
“Eu via apenas uma forma de falar com você: invadir o castelo e procurar seu quarto. Era uma missão suicida, mas eu queria descobrir a verdade.”
Ana Clara encostou a cabeça no ombro de Cristofer e começou a chorar. O rapaz sentia a garota tremer em seus braços.
- Desculpe tê-lo feito sofrer, Cris. Eu sinto muito mesmo.
- Tudo bem Ana, a culpa não é sua.
            Ficaram um tempo em silêncio, abraçados. Beijaram-se mais uma vez.
- Você precisa ir, Cris. Se meu pai descobrir que está aqui, irá matá-lo.
            O monge balançou a cabeça, concordando.
- Por onde é mais seguro sair?
- Pela janela. Vá até o canto do castelo, onde existe uma árvore próxima ao muro. Ande um pouco pelo muro e poderá pular para a árvore da calçada. Ainda está escuro, será difícil ser avistado.

            O monge aproximou-se da janela e virou-se. Olhou para a amada uma última vez. Em seguida, pulou para o pátio.

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