Cristofer acordou-se pela tarde, ao pôr-do-sol. Estava em sua casa.
Passara boa parte do dia dormindo, devido à exaustão provocada por sua insana
aventura. Realmente, invadir o castelo do rei para localizar o quarto da
princesa foi uma coisa muito doida que fizera, mas que outra forma de falar com
a menina? Ao menos agora sabia a verdade. Ana Clara ainda o amava.
O rapaz foi até a cozinha, jantou com os seus pais em ritmo de alegria e
voltou ao quarto. No dia seguinte iria ao templo treinar, como de costume.
Ainda bem que conseguira realizar a sua missão na primeira tentativa. Se não
conseguisse, teria que tentar novamente no próximo sábado e poderia ser tarde
demais – Ana estava com o casamento marcado na praça, no próximo domingo.
O que faria? Sua namorada iria casar-se com o príncipe Karus em sete
dias. O que poderia fazer além de assistir ao casamento e desejar felicidades
aos noivos?
Mas Ana não iria ser feliz ao lado do príncipe e deixara isso bem claro.
Ela não o amava. Quando conversou com a menina, reparou não só nos adjetivos
que atribuíra ao príncipe, mas também em seu tom de voz – ela realmente
desprezava o tal Karus.
Mas não havia nada que pudesse fazer a respeito, pensou o monge
tristemente. O rei Sebastian, de alguma forma, intimidara o rei Xavier, a ponto
de fazê-lo obedecer. Qualquer coisa que o rei Sebastian pedisse, o rei Xavier
não mediria esforços em realizar. Mesmo que isso significasse sacrificar a
felicidade da própria filha.
- O almoço estava magnífico, Xavier. Você sabe mesmo agradar as visitas.
- Obrigado, Sebastian, é bondade sua.
A princesa observava, em silêncio,
seu pai trocar amenidades com o rei Sebastian. Reparou que Karus estava
emburrado com o seu distanciamento. Realmente, Ana Clara o ignorara a manhã
inteira. À mesa, sentara ao seu lado, mas não trocava palavras com ele. O
pensamento da garota a situava no momento em que esteve com Cristofer.
O rei Sebastian comentara
exaustivamente, para desgosto do rei Xavier, o episódio do visitante noturno. À
hora do almoço, porém, passara a falar de negócios.
Naquele momento, os reis e a rainha
pareciam bem animados, falando de uma série de empreendimentos que tinham em mente. A princesa
continuava sonhando acordada, pensando na visita que tivera na calada da noite.
O príncipe permanecia emburrado.
- Majestade, lamento interromper sua refeição, mas há homens que lhe
trazem um importante recado – falou o mensageiro, aproximando-se da mesa.
- Disseram o assunto, Raimundo? – perguntou o rei Xavier mecanicamente.
- Sim, senhor. Eles falaram que se trata da invasão em sua residência na
madrugada de ontem.
Todos olharam rapidamente para o
mensageiro Raimundo.
- O que devo dizer a eles, senhor?
- Diga-lhes que irei atendê-los o mais rápido possível, Raimundo.
- Sim, senhor – disse o homem, fazendo uma reverência e retirando-se da
sala.
- Parece que vamos descobrir quem era o invasor - comentou o rei Xavier,
satisfeito.
- Seus homens agiram rápido. Gosto disso – falou o rei Sebastian.
- O que pretende fazer a respeito, querido? – perguntou a rainha.
- Punir o miserável, é claro. Você acha que vou permitir alguém invadir o
meu castelo, colocando em risco a minha família, e sair numa boa? Esse
desgraçado vai sofrer.
Ana Clara empalideceu. Se conseguiram
descobrir que o invasor era Cristofer, então o ex-namorado estaria em grandes
apuros. Mas talvez não tivessem pego o seu amado. Talvez fosse outra pessoa...
- Bem, vamos? – perguntou o rei Xavier, exibindo um largo sorriso.
Todos se encaminharam à sala do
trono, onde o rei atendia as pessoas para resolver os problemas do reino. Ao
chegar à sala, o rei Xavier sentou-se em sua poltrona e a rainha ao seu lado. O
rei Sebastian, o príncipe Karus e a princesa Ana Clara ocuparam outros
assentos.
Na sala estavam dois homens de olhar
sério e um terceiro com a cabeça coberta por um saco, com o corpo todo
machucado – havia levado dezenas de chicotadas.
- Majestade, eu sou o mestre Ozamu.
Este é um dos meus discípulos e este outro – apontou para o rapaz machucado - é
o que invadiu a sua residência.
- Quero ver o rosto dele – disse o
rei.
- Certamente, majestade. Apenas
gostaria que o senhor soubesse que ele já foi terrivelmente castigado.
- Como você descobriu que era ele?
– indagou o rei.
- Porque pedi para este meu
discípulo segui-lo, majestade. Ele o descobriu abandonar uma estalagem, saindo
pela janela do banheiro. Em seguida, foi em direção ao castelo e escalou o
muro.
O homem fez uma pausa, saboreando o
momento.
- Infelizmente, majestade, devo
dizer-lhe que este imbecil também é meu discípulo. Hoje pela manhã o
interrogamos e ele se viu obrigado a confessar tudo. Então o punimos
severamente, como o senhor pode constatar.
- Sim, você fez muito bem, mestre
Ozamu – falou o rei, olhando para o rapaz que exibia costas, barriga, peito e
braços marcados a chicote. – Acho a punição adequada. Que isso sirva de
exemplo. Agora, por favor – disse o rei, apontando para o saco na cabeça do
rapaz.
- É claro, majestade – disse o
mestre, retirando o saco.
- CRIS! – gritou a princesa,
angustiada com o rosto sofrido do rapaz.
A garota levantou-se, foi na
direção do ex-namorado e o abraçou.
- O que fizeram com você, querido?
– falou a menina, em prantos.
Cristofer gemeu. Gostaria muito de
abraçar Ana, mas não naquele momento. A garota sentiu seu sofrimento e deu um
passo para trás.
- VOCÊ! – apontou para o mestre,
com um olhar de puro ódio. – O QUE VOCÊ FEZ, MISERÁVEL?
- Ana, não faça isso – pediu
Cristofer, entre um gemido e outro. – Ele vai me expulsar do templo.
A garota olhou rapidamente para
Cristofer e dirigiu seu olhar mais uma vez ao mestre.
- EXPULSAR? EXPULSAR? EU É QUE
DEVERIA EXPULSÁ-LO DESTE REINO! – disse a garota, colocando toda a raiva para
fora.
- Chega, filha – falou o rei, em
tom firme.
Mas Ana Clara não conseguia se
conter. Estava magoada, frustrada, ferida e agora isto: seu verdadeiro amor
ali, todo machucado, apenas porque a procurou para conversar.
- NÃO, PAI, NÃO CHEGA. NUNCA VAI
CHEGAR! – gritou a menina, as lágrimas escorrendo pela face.
- Ana, por favor, pare – falou
Cristofer, desmaiando em seguida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário