Em
busca da Ametista Mágica
Estava anoitecendo quando pararam
pela primeira vez. Rapidamente armaram uma tenda grande o bastante para que os
três pudessem passar a noite. Renam saiu em busca de uma caça e voltou com uma
bela ave. Naêmia colheu algumas frutas e o bruxo ocupou-se da fogueira. Teriam
um belo jantar.
Enquanto Renam e Naêmia estendiam
uma pequena toalha sobre o chão e ajeitavam as frutas, Joshua assava a carne.
Em pouco tempo, a comida estava pronta e servida — o bruxo usara um pouco de
mágica para o assado ficar pronto mais rápido. Durante o dia inteiro quase não
trocaram palavras, mas agora pareciam dispostos a conversar.
— Eu não entendo como essa pedra pode oferecer um perigo
tão grande — comentou a guarda-costas.
— Não? Mas foi você mesmo quem falou que nossa prioridade
era para com a pedra – disse Renam, olhando para a moça com curiosidade.
— Bem, disse isso por que o rei havia falado antes de
você chegar. Mas não faço idéia de seus poderes.
— Você não é uma monja?
— É claro que sou.
— Então como não conhece a história da pedra mágica?
— O templo onde treinei não ficava neste reino. Faz
apenas alguns verões que passei a morar em Daran e, recentemente, conquistei um
cargo na segurança do castelo.
— Você é bem modesta, Naêmia — falou o bruxo. — O seu é o
maior cargo de segurança que existe no palácio: guarda-costas real.
— Mas e a história da pedra? Está me dizendo que você,
sendo um monge do templo Yshan, conhece a história?
— Sim — assentiu o jovem mestre. — No passado, há cerca
de quinhentos verões, um homem descobriu, numa caverna, uma cidade perdida.
— O quê? Uma cidade no interior da terra? — espantou-se a
mulher.
— Sim. Explorando a cidade, o homem passou a penetrar
cada vez mais profundamente em seus mistérios. A cada dia, descobria mais
coisas importantes e seu conhecimento sobre a cidade aumentava incrível e
perigosamente.
“No começo, porém, o explorador descobriu
apenas objetos de pouco valor e poder: um talismã, uma lança e um colar
maldito. A princípio, poderia até não parecer grande coisa, mas ocorre que o
pior ainda estava por vir.
“Ao entrar na maior das casas, aquela que ocupava a
posição central no reino, encontrou o Diário de Anápoles, um livro que lhe deu
valiosas informações. O diário falava sobre a Ametista Mágica, a Armadura de
Prata e o Tomo Negro, um livro de artes das trevas. Numa busca desenfreada por
tais objetos, foi somente uma questão de tempo até localizá-los.
“Em posse de todos esses objetos,
voltou para sua casa o mais rápido que pôde. Como era praticante de bruxaria,
não tardou a traduzir a mensagem do livro e descobrir os incríveis poderes da
pedra. A mensagem dizia que apenas a pedra, por si só, não poderia ser
utilizada em todo o seu potencial. Ela deveria ser preparada e inserida na
Armadura de Prata. Uma vez feito isso, a pessoa em posse da armadura se
tornaria quase invencível.
“O bruxo executou o ritual descrito
no livro e, quando a mágica estava atingindo seu ponto mais alto, inseriu a
pedra no peito da armadura e a colocou em seu corpo rapidamente. O livro
descrevia a verdade: o homem tornara-se extremamente poderoso.
“Em posse daquela terrível armadura,
causou grandes devastações em vários povoados do planeta. Cidades ficaram
arrasadas, famílias inteiras foram assassinadas e o terror se espalhou pelos
quatro cantos de Kendora, como ventos de uma tempestade que atingem um povoado.
“Em apenas dois ou três verões, o
mundo estava aterrorizado. Por onde o homem passava, exigia que as pessoas se
inclinassem a ele, numa demonstração de reverência, e lhe oferecesse presentes.
Se não fizesse pelo menos uma dessas duas coisas em sua presença, a morte era
certa. O mundo tornara-se seu escravo.
“Mas um grupo de pessoas começou a
se organizar e planejar para derrotar o tirano mais cruel, que até então havia
existido. Era um grupo formado por monges e bruxos. Apenas combinando os
poderes de todos os bruxos e as habilidades marciais dos monges restantes, é
que o guerreiro maldito pôde ser derrotado. Mas o preço foi alto: embora
formassem um exército de milhares e milhares, quase todos pereceram em combate.
“A Armadura de Prata, a Ametista
Mágica e o Livro Negro não puderam ser destruídos. Por esse motivo, foram
separados. Não sei onde estão os outros objetos, e agora não sei nem mesmo onde
a ametista está. Mas sei que, se o rei Julian reunir essas três coisas
malditas, então a vida, da forma como a conhecemos, chegará ao fim.”
Ao terminar a história, o monge calou-se. A mulher ficou
em silêncio, observando-o para ver se contava mais. Boa parte da história era
conhecida pelo guerreiro, pois era tradição, em muitos templos, colocar os
discípulos a par deste capítulo negro de Kendora. O planeta inteiro pagou um
preço caro pela loucura e ganância daquele homem. Lamentavelmente, muitos
também eram igualmente gananciosos e cruéis, a ponto de tentarem trilhar o
mesmo caminho, caso surgisse a possibilidade. Os antigos mestres e bruxos, que
uniram forças para erradicar o mal de seu planeta na época, decidiram, ao
derrotar o poderoso guerreiro, impedir que outras pessoas se apoderassem de
tais objetos mágicos. Assim, combinaram escondê-los nos mais distantes lugares
do mundo, separadamente. Mas agora o tirano de Damaris havia localizado a
Ametista Mágica. Talvez já estivesse em posse do Livro Negro e da Armadura de
Prata, pensamento que se passava na mente dos viajantes. E essa preocupação
apenas aumentaria enquanto não descobrissem se estavam certos ou não. Teriam
que invadir locais secretos do castelo do rei Julian para localizar e roubar a
pedra, salvando o mundo de um destino que poderia acontecer da mesma maneira
que ocorrido há quinhentos verões.
— Bem, não adiantará
muito ficarmos angustiados agora — comentou o bruxo. — Teremos mais dois dias
de viagem e uma tarefa complicada pela frente, ao entrarmos no reino de Julian.
Com um gesto, Joshua fez com que um pequeno campo de
força protegesse a tenda.
— Isso nos permitirá ficar em segurança. Apenas nós três
podemos penetrar no campo. E isto nos manterá aquecidos.
Com
outro gesto, vários pedaços de galhos que estavam caídos pelo chão se juntaram,
formando um pequeno monte. Joshua tirou um pó de cor dourada de sua bolsa e
assoprou em direção àquela madeira, que acabou se incendiando imediatamente.
Os três se dirigiram para a tenda, desejando-se uma boa
noite de sono. Dormiriam lado a lado, cobertos por tecidos conjurados pelo
bruxo.
Ao lado externo da tenda, a fogueira se manteria da mesma
altura até o amanhecer. Todavia, nem mesmo o bruxo tinha como saber que, entre
as árvores mais próximas, que distavam cerca de oitenta passos, havia duas
pessoa que os observavam. Eram dois homens armados com facas, espadas e duas
lanças, mas visivelmente no papel de apenas vigias e não de saqueadores.
— Eles podem
estar a caminho de Damaris, mas ainda não podemos ter certeza — falou um deles.
— Sim, respondeu o outro. Mas o que faremos? Como
saberemos o seu trajeto?
— Teremos que aguardar uma oportunidade de confirmação.
Enquanto isso, dentro da tenda, Naêmia começou a se
mexer.
— Algum problema, Naêmia? — perguntou o monge.
— Estou com a barriga muito cheia. Preciso fazer minhas
necessidades.
— Tudo bem — respondeu o bruxo. — Mas tenha cuidado. O
campo de força é pequeno e não sabemos que perigos podem se esconder fora dele.
— Seja rápida, Naêmia – falou o
jovem guerreiro.
— Cavalheiros, agradeço a preocupação, mas também sou uma
guerreira, esqueceram?
— Sim, mas não dormiremos até que retorne. E se não
voltar numa contagem de zero a trezentos, iremos procurá-la – respondeu Renam.
— Ok, volto logo.
Naêmia saiu da tenda, enquanto o monge e o bruxo
começavam a contar baixinho. Quando chegaram à numeração duzentos e oitenta,
Naêmia entrou na tenda.
— Nenhum sinal de perigo? — quis saber o bruxo.
— Não, está tudo tranqüilo lá fora. Nenhum movimento num
raio de muitos passos.
— Ótimo, vamos dormir – falou Renam.
Há oitenta passos dali, os dois homens começaram a
conversar em voz baixíssima novamente:
— Que tal sairmos logo daqui?
— Não, ainda não devemos. Se partirmos agora, poderemos
ser detectados. Vamos esperar até que estejam em sono profundo.
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