domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 2

Em busca da Ametista Mágica

            Estava anoitecendo quando pararam pela primeira vez. Rapidamente armaram uma tenda grande o bastante para que os três pudessem passar a noite. Renam saiu em busca de uma caça e voltou com uma bela ave. Naêmia colheu algumas frutas e o bruxo ocupou-se da fogueira. Teriam um belo jantar.
            Enquanto Renam e Naêmia estendiam uma pequena toalha sobre o chão e ajeitavam as frutas, Joshua assava a carne. Em pouco tempo, a comida estava pronta e servida — o bruxo usara um pouco de mágica para o assado ficar pronto mais rápido. Durante o dia inteiro quase não trocaram palavras, mas agora pareciam dispostos a conversar.
            — Eu não entendo como essa pedra pode oferecer um perigo tão grande — comentou a guarda-costas.
            — Não? Mas foi você mesmo quem falou que nossa prioridade era para com a pedra – disse Renam, olhando para a moça com curiosidade.
            — Bem, disse isso por que o rei havia falado antes de você chegar. Mas não faço idéia de seus poderes.
            — Você não é uma monja?
            — É claro que sou.
            — Então como não conhece a história da pedra mágica?
            — O templo onde treinei não ficava neste reino. Faz apenas alguns verões que passei a morar em Daran e, recentemente, conquistei um cargo na segurança do castelo.
            — Você é bem modesta, Naêmia — falou o bruxo. — O seu é o maior cargo de segurança que existe no palácio: guarda-costas real.
            — Mas e a história da pedra? Está me dizendo que você, sendo um monge do templo Yshan, conhece a história?
            — Sim — assentiu o jovem mestre. — No passado, há cerca de quinhentos verões, um homem descobriu, numa caverna, uma cidade perdida.
            — O quê? Uma cidade no interior da terra? — espantou-se a mulher.
            — Sim. Explorando a cidade, o homem passou a penetrar cada vez mais profundamente em seus mistérios. A cada dia, descobria mais coisas importantes e seu conhecimento sobre a cidade aumentava incrível e perigosamente.
            No começo, porém, o explorador descobriu apenas objetos de pouco valor e poder: um talismã, uma lança e um colar maldito. A princípio, poderia até não parecer grande coisa, mas ocorre que o pior ainda estava por vir.
            “Ao entrar na maior das casas, aquela que ocupava a posição central no reino, encontrou o Diário de Anápoles, um livro que lhe deu valiosas informações. O diário falava sobre a Ametista Mágica, a Armadura de Prata e o Tomo Negro, um livro de artes das trevas. Numa busca desenfreada por tais objetos, foi somente uma questão de tempo até localizá-los.
            “Em posse de todos esses objetos, voltou para sua casa o mais rápido que pôde. Como era praticante de bruxaria, não tardou a traduzir a mensagem do livro e descobrir os incríveis poderes da pedra. A mensagem dizia que apenas a pedra, por si só, não poderia ser utilizada em todo o seu potencial. Ela deveria ser preparada e inserida na Armadura de Prata. Uma vez feito isso, a pessoa em posse da armadura se tornaria quase invencível.
            “O bruxo executou o ritual descrito no livro e, quando a mágica estava atingindo seu ponto mais alto, inseriu a pedra no peito da armadura e a colocou em seu corpo rapidamente. O livro descrevia a verdade: o homem tornara-se extremamente poderoso.
            “Em posse daquela terrível armadura, causou grandes devastações em vários povoados do planeta. Cidades ficaram arrasadas, famílias inteiras foram assassinadas e o terror se espalhou pelos quatro cantos de Kendora, como ventos de uma tempestade que atingem um povoado.
            “Em apenas dois ou três verões, o mundo estava aterrorizado. Por onde o homem passava, exigia que as pessoas se inclinassem a ele, numa demonstração de reverência, e lhe oferecesse presentes. Se não fizesse pelo menos uma dessas duas coisas em sua presença, a morte era certa. O mundo tornara-se seu escravo.
            “Mas um grupo de pessoas começou a se organizar e planejar para derrotar o tirano mais cruel, que até então havia existido. Era um grupo formado por monges e bruxos. Apenas combinando os poderes de todos os bruxos e as habilidades marciais dos monges restantes, é que o guerreiro maldito pôde ser derrotado. Mas o preço foi alto: embora formassem um exército de milhares e milhares, quase todos pereceram em combate.
            “A Armadura de Prata, a Ametista Mágica e o Livro Negro não puderam ser destruídos. Por esse motivo, foram separados. Não sei onde estão os outros objetos, e agora não sei nem mesmo onde a ametista está. Mas sei que, se o rei Julian reunir essas três coisas malditas, então a vida, da forma como a conhecemos, chegará ao fim.”
            Ao terminar a história, o monge calou-se. A mulher ficou em silêncio, observando-o para ver se contava mais. Boa parte da história era conhecida pelo guerreiro, pois era tradição, em muitos templos, colocar os discípulos a par deste capítulo negro de Kendora. O planeta inteiro pagou um preço caro pela loucura e ganância daquele homem. Lamentavelmente, muitos também eram igualmente gananciosos e cruéis, a ponto de tentarem trilhar o mesmo caminho, caso surgisse a possibilidade. Os antigos mestres e bruxos, que uniram forças para erradicar o mal de seu planeta na época, decidiram, ao derrotar o poderoso guerreiro, impedir que outras pessoas se apoderassem de tais objetos mágicos. Assim, combinaram escondê-los nos mais distantes lugares do mundo, separadamente. Mas agora o tirano de Damaris havia localizado a Ametista Mágica. Talvez já estivesse em posse do Livro Negro e da Armadura de Prata, pensamento que se passava na mente dos viajantes. E essa preocupação apenas aumentaria enquanto não descobrissem se estavam certos ou não. Teriam que invadir locais secretos do castelo do rei Julian para localizar e roubar a pedra, salvando o mundo de um destino que poderia acontecer da mesma maneira que ocorrido há quinhentos verões.
             — Bem, não adiantará muito ficarmos angustiados agora — comentou o bruxo. — Teremos mais dois dias de viagem e uma tarefa complicada pela frente, ao entrarmos no reino de Julian.
            Com um gesto, Joshua fez com que um pequeno campo de força protegesse a tenda.
            — Isso nos permitirá ficar em segurança. Apenas nós três podemos penetrar no campo. E isto nos manterá aquecidos.
            Com outro gesto, vários pedaços de galhos que estavam caídos pelo chão se juntaram, formando um pequeno monte. Joshua tirou um pó de cor dourada de sua bolsa e assoprou em direção àquela madeira, que acabou se incendiando imediatamente.
            Os três se dirigiram para a tenda, desejando-se uma boa noite de sono. Dormiriam lado a lado, cobertos por tecidos conjurados pelo bruxo.
            Ao lado externo da tenda, a fogueira se manteria da mesma altura até o amanhecer. Todavia, nem mesmo o bruxo tinha como saber que, entre as árvores mais próximas, que distavam cerca de oitenta passos, havia duas pessoa que os observavam. Eram dois homens armados com facas, espadas e duas lanças, mas visivelmente no papel de apenas vigias e não de saqueadores.   
— Eles podem estar a caminho de Damaris, mas ainda não podemos ter certeza — falou um deles.
            — Sim, respondeu o outro. Mas o que faremos? Como saberemos o seu trajeto?
            — Teremos que aguardar uma oportunidade de confirmação.
            Enquanto isso, dentro da tenda, Naêmia começou a se mexer.
            — Algum problema, Naêmia? — perguntou o monge.
            — Estou com a barriga muito cheia. Preciso fazer minhas necessidades.
            — Tudo bem — respondeu o bruxo. — Mas tenha cuidado. O campo de força é pequeno e não sabemos que perigos podem se esconder fora dele.
           — Seja rápida, Naêmia – falou o jovem guerreiro.
            — Cavalheiros, agradeço a preocupação, mas também sou uma guerreira, esqueceram?
            — Sim, mas não dormiremos até que retorne. E se não voltar numa contagem de zero a trezentos, iremos procurá-la – respondeu Renam.
            — Ok, volto logo.
            Naêmia saiu da tenda, enquanto o monge e o bruxo começavam a contar baixinho. Quando chegaram à numeração duzentos e oitenta, Naêmia entrou na tenda.
            — Nenhum sinal de perigo? — quis saber o bruxo.
            — Não, está tudo tranqüilo lá fora. Nenhum movimento num raio de muitos passos.
            — Ótimo, vamos dormir – falou Renam.
            Há oitenta passos dali, os dois homens começaram a conversar em voz baixíssima novamente:
            — Que tal sairmos logo daqui?

            — Não, ainda não devemos. Se partirmos agora, poderemos ser detectados. Vamos esperar até que estejam em sono profundo.

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