domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 5

Sexta-feira, 19 de agosto. Júlia estava em casa com o seu marido. Era manhã, as meninas se encontravam na escola. O celular de Júlia tocou.
..........- Alô, Luciana, como vai?
..........- Olá, Júlia. Eu estou ótima. E você?     
..........- Muito bem, obrigada. Como foi a viagem?        
..........- Estava sensacional. Eu fui uma das organizadoras da conferência, cujo palestrante foi Divaldo Pereira Franco.
..........- E a palestra foi boa?
..........- Está brincando comigo, Júlia? Divaldo é espetacular. Conseguiu prender a atenção de todos por 90 minutos.
..........- Nossa, conseguir segurar um público por uma hora e meia é muita coisa. Mas fale aí, Luciana, quando virá nos visitar.
..........- Bem, cheguei em casa hoje. Estou organizando muitas coisas aqui, mas pela tardinha terei terminado. O que acha se eu chegar aí por volta das 20h, amiga?
..........- Está ótimo. Venha jantar conosco, então.
..........- Combinado. Até à noite, Júlia. Beijos.
..........- Até lá. Beijos.
..........- Então a sua amiga virá hoje à noite. Isso é muito bom.
..........- Também acho, querido. Já estamos aqui há dois meses e esta será a nossa primeira visita.
..........- Isso porque os nossos vizinhos são estranhos. Desde que chegamos aqui, tentamos fazer a amizade com os mais próximos à nossa casa, mas eles não abrem a porta ao verem que somos nós.
..........- Esta cidade é diferente da nossa, querido. As pessoas gostam de viver isoladas neste lugar.
..........Rodrigues ficou pensativo. Após o episódio da bagunça no quarto de Tassiane, o homem sugeriu que conseguissem um psicólogo para a filha. Júlia recusava a ideia de um psicólogo, receosa de que ele pudesse indicar um psiquiatra. Por esse motivo, jogava a culpa na casa. Quando quis comentar com a mulher que a menina agia assim porque sentia falta de seus amigos e queria, portanto, voltar para Uruguaiana, a mulher o questionou sobre o porquê dela não ter feito isso na casa que haviam alugado. Ficaram vários meses ali sem qualquer incidente. Na casa nova, porém, bastou três semanas para que coisas ruins começassem a acontecer. A lógica de Júlia o desarmara, pensou Rodrigues, infeliz. Mas continuaria procurando motivos para levar a filha a um psicólogo.
               
..........- A janta estava ótima, Júlia. Você sempre foi uma excelente cozinheira – elogiou Luciana.
..........Júlia sorriu. Sentia-se feliz com a presença da amiga em sua casa. Rodrigues também estava satisfeito. Provara que o fato de ninguém querer entrar em sua casa não passava de coincidências. Os homens que o ajudaram na mudança estiveram no interior do casarão. E agora a amiga de Júlia também se encontrava ali. Não havia nada de errado com a casa, como Júlia e Tassiane afirmavam. O estranho é que, em alguns momentos, até ele achou que tivesse alguma coisa esquisita em sua residência. Mas sabia que estava errado. Júlia e Tassiane também estavam.
..........- Que tal irmos para a sala? – convidou Rodrigues.
..........Todos dirigiam-se à sala. Luciana sentou-se no sofá que tinha dois lugares, com Maria Alice ao seu lado. Rodrigues, Júlia e Tassiane ocuparam o sofá de três lugares. Luciana continuou a narrar casos bem interessantes. Sendo ela espírita, sabia de muitas histórias e tivera participações em várias outras.
..........Em determinado momento, Luciana parou de falar e fixou o olhar em Tassiane. Rodrigues e sua família se entreolharam em silêncio. Olhavam para Luciana, que mantinha seu olhar fixo em Tassiane, sem dizer uma única palavra.
..........- Há uma presença nesta casa – falou a mulher de repente, olhando para Júlia. – É uma presença maligna. E você sabe. Você também sentiu – disse, voltando a olhar para Tassiane.
..........- Luciana, por favor, está assustando as crianças – alertou Rodrigues.
..........Luciana levantou a mão, indicando ao homem que fizesse silêncio.
..........- Há um perigo muito grande aqui – falou, levantando-se. Os outros também se colocaram em pé. - Coisas muito ruins aconteceram nesta residência – disse a mulher, subindo a escada. Os outros a seguiram.
..........Luciana chegou ao quarto de Tassiane.
..........- Coisas horríveis aconteceram no porão desta casa. Mas a pior coisa que houve, ocorreu neste quarto.
..........Luciana começou a se sentir mal. Escorou-se na parede, para evitar cair no chão. Sentia-se fraca.
..........- Tenho que sair daqui – disse a mulher, sendo amparada por Júlia. - Devo sair agora desta casa. O que quer que exista aqui é maligno e forte demais. Não sei se pode ser enfrentado.
..........Júlia ajudou a amiga a chegar à porta da frente. Luciana saiu para a área e sentiu-se um pouco melhor.
..........- Vocês correm perigo aqui. Um grande perigo. Principalmente você – disse a mulher, olhando para Tassiane. Saiam enquanto podem.
..........Luciana virou-se e correu. Saiu da casa como se tivesse fugindo de um predador. Rodrigues e sua família ficaram estacados na área, perplexos, observando a mulher entrar no carro e partir sem a menor cerimônia.
..........- Que mulher maluca! – falou Rodrigues, quebrando o silêncio.
..........Tassiane olhou para o seu pai. Sentia-se frustrada com o seu ceticismo. Desta vez, nem tentou discutir. Sabia que não adiantaria. Virou-se e começou a andar.
..........- Tassi, aonde você vai? – perguntou a mulher, tentando entender o que Luciana dissera.
..........Tassiane virou-se.
..........- Vou para o meu quarto, mãe. Você e o pai já devem ter percebido que é bem seguro por lá...
..........- Filha...
..........- Deixe-a. Não alimente suas fantasias sobrenaturais.
..........Júlia ficou sem saber o que fazer. Nunca acreditara em nada e não pretendia começar agora. Luciana e Tassiane pareciam convictas do que diziam. Porém, ela, Maria Alice e o marido não tinham visto nada de anormal.
..........- Venha, querida, eu a ajudo com a louça. E, você mocinha, para a cama.
..........- Mas, pai, hoje é sexta-feira – falou Maria Alice.
..........- E daí?
..........- Daí que amanhã eu não vou ter aula.
..........- Não importa. Vá para o quarto agora.
..........Júlia e o marido dirigiam-se à cozinha. Em instantes, tudo estava limpo e organizado. Logo estavam no quarto.
..........- Parece pensativa, meu bem.
..........- Você não acredita mesmo na Luciana, não é?
..........- Júlia, a Luciana é pirada. Você não viu o que ela fez
..........Rodrigues suspirou e prosseguiu:
..........- Querida, quem, em sã consciência, vai interromper uma conversa para começar a falar um monte de asneiras e, em seguida, sair correndo da casa que está visitando, como se estivesse sendo perseguido por um assassino?
..........- Tudo bem, tudo tem uma explicação científica, certo?
..........- Certo.
..........- Então explique como ela sabia que Tassiane tinha sentido algo estranho nesta casa e como foi direto ao quarto dela, dizendo que ali algo muito ruim tinha acontecido.
..........- Talvez você tenha dito algo a Luciana e ela deduziu a história.
..........- Eu não disse nada.
..........- Talvez ela tenha inventado e acertou na mosca.
..........- Improvável. As chances disso acontecer seriam a de uma em um milhão. 
..........- Tudo bem. Vamos fazer assim: você, eu e a Alice não vimos nada de anormal, certo?
..........- Certo.
..........- Luciana falou que algo horrível aconteceu no quarto ocupado por Tassiane, é isso?
..........- Sim.
..........- Bem, se isso for verdade, então explica o porquê de apenas Tassiane ter visto algo. Assim, vamos mudá-la de quarto e tudo será resolvido, está bem?
..........- Tudo bem, acho que vale a pena tentarmos – concordou a mulher.

..........Tassiane estava em seu quarto. Terminara de ler “As Crônicas de Nárnia” e agora lia “O Jardim da meia-noite”, de Philippa Pearce. O livro não era volumoso, pensou a menina. Logo retornaria à biblioteca para trocá-lo.
..........Alguns minutos depois, sentiu vontade de ir ao banheiro. Posicionou o marcador de página no livro, fechou-o e colocou-o sobre a cômoda. A casa tinha dois banheiros, um em cada pavimento. Tassiane começou a caminhar pelo corredor e logo entrou à direita. Ao entrar no outro corredor, a garota viu que Maria Alice estava caminhando à sua frente, quase alcançando o sanitário.
..........- Alice – falou Tassiane, em voz alta, abanando para a irmãzinha.
..........Maria Alice parou, olhou na direção da irmã e entrou no banheiro. Tassiane estranhou a irmã. Correu até o banheiro e ficou na porta, olhando para a menina que estava em pé, de costas para ela.
..........- Alice?
..........- O que foi?
..........Tassiane olhou para a esquerda. Maria Alice estava no corredor, a vários metros do banheiro. Voltou a olhar para dentro do banheiro, e a menina que estava parada havia sumido. Tassiane arrepiou-se. Saiu correndo dali, pegou a irmãzinha pelo braço, puxando-a com força.
..........- O que foi? – perguntou a garotinha, confusa.
..........- Corre – respondeu Tassiane, levando Maria Alice para o seu quarto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário