- Olá, princesa, por favor, sente-se – falou o príncipe Karus, puxando a
cadeira para que a menina sentasse ao seu lado no café da manhã. - Dormiu bem?
- Não – respondeu a princesa com sinceridade.
- Filha... – falou o rei, com uma leve entonação de alerta.
- Não se preocupe, se a noite não foi boa, não significa que o dia não
será – afirmou o príncipe.
- Hoje você parece mais disposto a falar – comentou a princesa.
- Apenas estava tentando ser gentil, minha querida.
Ana Clara, que estava levando uma fatia de pão à boca, deixou o braço
suspenso por um instante e olhou fixamente na direção do príncipe Karus, ao
ouvir as palavras “minha querida”. Ana
Clara sabia que a atitude do rapaz não passava de fachada, com o objetivo de
mascarar a crueldade que habitava nele. Ele era igual ao pai, pois não se importava
com os seus sentimentos. Mesmo sabendo que era uma garota comprometida,
continuava a insistir na ideia de um dia se casar com ela.
Ana Clara desviou os olhos de Karus.
Deu mais algumas mordidas no pão, mas logo parou porque estava mais difícil de engolir,
embora estivesse com fome. Começou a sentir como se o estômago não conseguisse
mais receber alimentos. Levou a xícara à boca, mas não deu mais que dois goles.
A princesa sentia-se arrasada. Dois
meses atrás, preocupava-se apenas com a solidão. Conheceu Cristofer e, com ele,
a felicidade. Mas agora perdera tudo, seus sonhos estavam destruídos. O que lhe
aconteceria a partir daí? Casar-se-ia com este rapaz desagradável apenas porque
era uma princesa, lamentando, para sempre, a perda de seu verdadeiro amor? Isso
era muito pior que a solidão, pois excluía totalmente a possibilidade de ter a
seu lado a pessoa que realmente amava.
- Querida, o príncipe lhe fez uma pergunta, você não irá
respondê-la?
Ana Clara olhou assustada, na
direção do pai.
- Príncipe? Desculpe, eu estava distraída.
O rapaz a olhou com severidade. Em
seguida relaxou os músculos da face, sorriu e repetiu a pergunta:
- Após o almoço iremos embora, mas temos a manhã inteira para passear. O
que você acha?
- É uma ótima ideia, querida – falou o rei Xavier. – Mostre ao príncipe
os lugares que você tanto gosta.
- Tudo bem – respondeu a princesa, levantando-se.
O príncipe também pôs-se em pé.
- Randal! – chamou o rei sebastian, olhando na direção do guerreiro e,
logo a seguir, na direção de Karus e Ana Clara.
O homem olhou para o rei Sebastian e
levantou-se da mesa onde ele e os outros seis guerreiros negros terminavam suas
refeições. Acompanharia o príncipe e a princesa como guarda-costas.
- Com Randal eles não poderiam estar mais seguros – comentou o rei
Xavier.
O rei Sebastian sorriu.
Ana Clara levou Karus aos locais
que costumava frequentar na companhia de Cristofer. Caminharam por ruas cheias
de lojas de todos os tipos, foram à praça e visitaram o pequeno zoológico. Em
várias ocasiões, Karus quis fazer-se de engraçado, mas Ana Clara, embora
tratando-o com educação, não ria de suas piadas e trocadilhos. Por fim restava
apenas voltarem ao castelo para almoçar e finalmente se despedirem.
- Como estava o passeio? – perguntou o rei Xavier, cheio de expectativa.
Esperava que, após uma manhã inteira, na companhia do príncipe Karus, Ana
passasse a gostar um pouco dele.
Mas a garota nada respondeu. Apenas
sentou-se à mesa para almoçar. O rei Xavier desistiu de olhar para a filha e
mirou os olhos na direção do príncipe, que parecia bem animado ao começar a
descrever as coisas que vira na companhia da princesa.
O almoço prosseguiu alegre. À
exceção da princesa, todos pareciam satisfeitos. Queriam contar e ouvir
histórias, como se estivessem comemorando algo importante. Mas Ana Clara, com o
coração partido, não tinha interesse algum em participar da conversa. Seus
pensamentos retornavam aos dias de felicidade que vivera ao lado de Cristofer.
As belas palavras do monge, seu sorriso encantador, seu olhar de amor... Tudo
isso lhe fora tirado deliberadamente. Agora encontrava-se nas mãos do cruel rei
Sebastian e de seu desagradável filho.
Ana Clara parou de pensar em sua
desgraça quando percebeu seus pais levantarem-se, dizendo que acompanhariam o
rei Sebastian e o príncipe Karus até a porta do castelo.
- Foi um almoço magnífico, Xavier.
Você tem ótimos cozinheiros.
- É muita gentileza sua,
Sebastian. Meus cozinheiros capricham mais ainda quando temos visitas tão
importantes.
Ana Clara sentiu-se enjoada com as
amenidades trocadas pelos dois. Desligou-se da conversa, dando-se apenas ao
trabalho de acompanhá-los até à saída.
Ao passarem pela porta do castelo,
lá estavam as duas carruagens que conduziriam o rei, seu filho e os sete
guerreiros negros.
- Em um mês estaremos aqui para o
noivado e no outro mês para o casamento – falou o rei Sebastian.
- Oh, mas é claro. O noivado pode
ser daqui a quatro domingos – concordou o rei Xavier.
- Sim, domingo é um ótimo dia.
Quase todos estão de folga, e é importante que tal evento seja conhecido pela
maioria das pessoas – disse o rei Sebastian. – Alguma ideia do local para a
festa?
- Sim. Podemos fazer na praça.
- Excelente ideia, rei Xavier. A praça é grande e pode concentrar uma boa
quantidade de pessoas. Bem, acho que isso é tudo. Até daqui a quatro domingos,
falou o rei Sebastian, colocando a mão direita no ombro esquerdo do rei Xavier.
Em seguida, beijou a princesa na testa e a rainha na mão. O príncipe segurou a
mão do rei Xavier com as duas mãos e beijou as mãos da rainha e da princesa.
O príncipe Karus, ao entrar na
carruagem, acenou para Ana Clara que retornou o cumprimento sem qualquer
motivação. Ana Clara e seus pais ficaram olhando as carruagens partirem.
Finalmente foram embora, pensou a garota.
- Pai...
- Agora não, Ana. Podemos
conversar à noite, durante a janta. No momento, temos nossos afazeres. Venha,
Tamara.
A princesa ficou olhando seus pais
se afastarem. Eles estariam ocupados até o sol dar lugar à lua. Sim, o rei e a
rainha tinham muito o que fazer, muitas responsabilidades a cumprir. Mas e ela,
na qualidade de princesa, o que faria agora? Aceitaria cegamente o destino que
lhe impuseram? Ela não fora consultada antecipadamente sobre essa situação,
seus sentimentos não foram considerados. Por que seus pais agiram deste modo? Teria
o rei Sebastian ameaçado seus pais? Se assim fosse, que tipos de ameaças
poderiam amedrontar os reis de uma cidade tão poderosa quanto Flor-de-lis?
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