Ainda a segunda porta
Joshua foi para o seu quarto, a fim
de trocar a roupa. Em poucos momentos, três pessoas vestidas de preto estavam
em frente à porta de um dos quartos, sendo que uma delas executava um feitiço
de proteção. Com um leve aceno de cabeça, cada um seguiu na mesma direção que
na noite anterior.
O monge chegou à sala circular e dirigiu-se mais uma vez
à segunda porta à esquerda. Desceu a escadaria de dois mil degraus, abriu
silenciosamente a porta de estranhos desenhos, entrando novamente na sala de quadros.
Caminhou em linha reta entre as fileiras de grossas paredes, até atravessar a
sala e chegar à porta que dava acesso a outro corredor.
Sem vacilar, entrou no corredor e fechou a porta atrás de
si. O caminho era único. Ao final, reparou numa escada em formato “caracol” que
se projetava para baixo. O jovem guerreiro não quis se dar ao trabalho de
contar a quantidade de degraus; apenas observou que a escada era larga o
suficiente para que houvesse lutas, se necessário.
Renam caminhava pela escadaria com todos os seus sentidos
em estado de alerta. Era uma das quatro pessoas, em todo o mundo, capaz de
caminhar silenciosamente. Seus passos não emitiam quaisquer ruídos. Sua
capacidade de se mover em silêncio, somada com seus trajes pretos, o tornariam
indetectável se andasse em locais escuros — algo que havia sido largamente
aproveitado por Renam em missões anteriores.
Após uma descida que cansariam pernas menos acostumadas a
tanto esforço físico, o rapaz atravessou uma passagem em forma de arco, que
permita o acesso a uma ampla sala. A sede do rei daquele reino por um estilo de
vida luxuoso parecia não ter limites: estátuas de todos os tipos de tamanhos
infestavam o local, sendo algumas de crianças, outras de jovens e adultos; as
mais variadas etnias também estavam ali representadas — brancos, negros, índios
e orientais; pessoas da alta sociedade como empresários, fazendeiros,
banqueiros, editores de livros, reis e rainhas; guerreiros, camponeses,
artesãos e até mendigos ganhavam o seu espaço, numa tentativa de representar o
mais exatamente possível os diversos tipos de pessoas que habitavam o planeta
Kendora.
A escada havia deixado Renam exatamente no meio daquela
gigantesca sala. Por esse motivo não notou, de imediato, que a sala era
circular e que, espalhada em toda a volta da parede, havia pequenas salas
semicirculares, como se alguém olhasse de cima e visse um círculo grande com
vários pequenos círculos saindo de dentro dele, em toda a sua extremidade. Em
cada uma dessas pequenas salas havia outros objetos, formando uma enorme
galeria de arte. Na primeira, o monge observou que ali havia diversos tipos de
animais empalhados; na outra, quadros apenas desenhados, ou seja, sem nenhuma
pintura; a seguinte apresentava um grande aquário, com os mais variados tipos
de peixes estranhos. Uma após a outra, Renam encontrava os mais diferentes
tipos de exposição: quadros em alto relevo, diferentes tipos de pedras
preciosas, obras literárias famosas, objetos antigos, objetos mágicos — nesta
sala havia poderosos feitiços de proteção para que ninguém pudesse tocá-los —,
tapetes orientais, cálices de vinho importados do norte e muitos outros. Cada
uma dessas pequenas salas tinha a função de expor um determinado tipo de
produto. Além disso, eram tantos e tão variada a exposição que uma pessoa
poderia ficar um dia inteiro ali, apreciando aquela magnífica galeria. Mas não
foram as estátuas na grande sala e nem os objetos valiosos, mágicos ou
artísticos expostos nas pequenas salas que mais chamaram a atenção de Renam.
Foi na última salinha que o queixo do monge guerreiro caiu: em miniatura, ali
estava exposto uma réplica da cidade, um trabalho artístico jamais visto ou
sequer imaginado pelo jovem guerreiro. O monge ficou um longo momento olhando a
réplica artística. Seus olhos percorreram desde o portão de entrada até as ruas
por onde passaram para chegar ao castelo e se apresentar ao rei, dias atrás;
observou também a Praça Matriz, a casa que alugaram, a estalagem…
Ao observar a estalagem, uma tristeza tomou conta de si.
Foi no armazém da estalagem que salvara Karine. Acompanhara a moça até sua casa
nos três dias seguintes e então sumira. Por que agira assim? Ele sabia a
resposta, a terrível resposta. Há onze verões, namorara uma garota que havia
sido violentada e seriamente ferida num beco do reino de Daran. Quando foi
avisado, já era tarde. Abraçou-a desesperadamente, apenas para ouvir suas
últimas palavras: “eu te amo. Não me deixe”. “Nunca vou deixá-la” — respondeu,
observando os olhos da garota fecharem-se lentamente. As lágrimas escorriam dos
olhos do rapaz com uma intensidade que vinha da alma. Seu coração estava
estraçalhado. Encostou o rosto da garota em seu peito e não conseguiu conter o
uivo de agonia que surgia no mais profundo de seu ser e se libertava por sua
boca, permitindo aos que estavam perto ter uma idéia de sua dor. Tinha sido
feliz com ela nos últimos dois verões, mas aquela felicidade lhe fora arrancada
impiedosamente. Tiraram Aline de sua vida, mas ele jamais a afastaria de seu
coração.
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