Lembranças
Quando Joshua e Naêmia abriram a
porta do quarto, observaram que Renam se encontrava deitado, de costas para
eles. Joshua murmurou algo na linha de “o rapaz estar cansado e deixá-lo
dormir” e desejou boa-noite à amiga, indo para o seu quarto. Naêmia tirou a
roupa preta e deitou-se ao lado de Renam, com a roupa que usava por baixo. Nem
Joshua ou Naêmia chegaram a olhar diretamente para o rosto do monge. Porém, se
tivessem olhado, veriam que de seus olhos escorriam algumas gotas de lágrimas —
o monge ainda estava acordado.
Mais da metade da noite já havia passado quando o jovem
guerreiro finalmente conseguiu dormir. Pouco depois amanhecia e Naêmia o
acordava. Renam sentiu-se exausto, mas não se importou. Havia se colocado numa situação
que o deixava em conflito, fazendo-o perceber que a missão apresentava mais
obstáculos que imaginara. Logo que chegara em seu quarto, após a investigação
da noite anterior, estava abatido. Recordações antigas e recentes formavam um
quadro doloroso em seus pensamentos. Por um lado, aquela moça do armazém da
estalagem havia-lhe despertado sentimentos, há muito tempo esquecidos; por
outro lado, até então mantinha-se fiel à idéia de jamais trair seu primeiro
amor. Porém, após muita reflexão, o monge decidiu que não poderia permitir que
nada interferisse em sua missão. Ele e seus dois amigos eram o último recurso
contra forças malignas, que poderiam destruir o modo de vida do planeta
Kendora. Dessa forma, sua vida sentimental parecia, no final das contas, um
problema pequeno se comparado com o caos absoluto que reinaria no mundo, caso
falhassem. Assim, mesmo cansado pelo pouquíssimo tempo de repouso, estava de
certo modo renovado; sua missão se colocava em seus pensamentos como aquilo que
de mais importante e urgente poderia e deveria ser.
Renam seguiu para a sala de treino, logo após para a sala
de refeições, encaminhou-se à biblioteca e leu até o momento do café da tarde.
Em seguida, retornou aos treinos até que fosse servida a janta. A rotina fora
exatamente igual a dos dias anteriores. Não houve absolutamente nenhuma
alteração. Se não fosse pelo fato de que o monge tinha muito a refletir sobre
suas investigações noturnas, poderia até se sentir enjoado pela mesmice que era
o dia-a-dia naquele castelo. Em seu reino, passara a morar no templo dos monges
a partir do momento em que completara doze verões. Visitava seus pais e irmãos
apenas de vez em quando. Apesar do treinamento ser extremamente difícil,
seguidamente os monges saíam para se aventurar na floresta próxima à cidade:
enfrentavam a correnteza do rio, escalavam montanhas, percorriam grandes
distâncias apenas saltando através dos galhos das árvores mais próximas,
desciam e subiam em paredes de desfiladeiros. O ponto mais alto no treinamento
da floresta era sobreviver sozinho durante vários dias, enfrentando animais
selvagens sem um único tipo de arma.
Todavia, no reino de Damaris, as coisas permaneciam
inalteradas. Pelo que Kevin comentava, sempre fora assim. Havia apenas um dia,
entre dez de treinamento, que os monges eram dispensados do castelo e podiam
passear livremente pela cidade. Os monges não possuíam dinheiro, pois o rei
considerava desnecessário pagar-lhes um salário visto que ganhavam roupas,
alimentação, livros e um quarto onde pudessem repousar. Assim, jamais podiam
comprar qualquer produto que fosse na cidade, mas isso não lhes fazia falta
porque todas as suas necessidades eram supridas no castelo. As famílias dos
monges é que recebiam uma pequena quantia em dinheiro a cada lua cheia. Mas
faltavam alguns dias para que esse momento de folga, tão comentado por Kevin,
chegasse. Não que isso fizesse qualquer diferença para Renam; suas caminhadas
noturnas permitiam-lhe quebrar a monotonia.
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