domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 8

Lembranças

            Quando Joshua e Naêmia abriram a porta do quarto, observaram que Renam se encontrava deitado, de costas para eles. Joshua murmurou algo na linha de “o rapaz estar cansado e deixá-lo dormir” e desejou boa-noite à amiga, indo para o seu quarto. Naêmia tirou a roupa preta e deitou-se ao lado de Renam, com a roupa que usava por baixo. Nem Joshua ou Naêmia chegaram a olhar diretamente para o rosto do monge. Porém, se tivessem olhado, veriam que de seus olhos escorriam algumas gotas de lágrimas — o monge ainda estava acordado.
            Mais da metade da noite já havia passado quando o jovem guerreiro finalmente conseguiu dormir. Pouco depois amanhecia e Naêmia o acordava. Renam sentiu-se exausto, mas não se importou. Havia se colocado numa situação que o deixava em conflito, fazendo-o perceber que a missão apresentava mais obstáculos que imaginara. Logo que chegara em seu quarto, após a investigação da noite anterior, estava abatido. Recordações antigas e recentes formavam um quadro doloroso em seus pensamentos. Por um lado, aquela moça do armazém da estalagem havia-lhe despertado sentimentos, há muito tempo esquecidos; por outro lado, até então mantinha-se fiel à idéia de jamais trair seu primeiro amor. Porém, após muita reflexão, o monge decidiu que não poderia permitir que nada interferisse em sua missão. Ele e seus dois amigos eram o último recurso contra forças malignas, que poderiam destruir o modo de vida do planeta Kendora. Dessa forma, sua vida sentimental parecia, no final das contas, um problema pequeno se comparado com o caos absoluto que reinaria no mundo, caso falhassem. Assim, mesmo cansado pelo pouquíssimo tempo de repouso, estava de certo modo renovado; sua missão se colocava em seus pensamentos como aquilo que de mais importante e urgente poderia e deveria ser.
            Renam seguiu para a sala de treino, logo após para a sala de refeições, encaminhou-se à biblioteca e leu até o momento do café da tarde. Em seguida, retornou aos treinos até que fosse servida a janta. A rotina fora exatamente igual a dos dias anteriores. Não houve absolutamente nenhuma alteração. Se não fosse pelo fato de que o monge tinha muito a refletir sobre suas investigações noturnas, poderia até se sentir enjoado pela mesmice que era o dia-a-dia naquele castelo. Em seu reino, passara a morar no templo dos monges a partir do momento em que completara doze verões. Visitava seus pais e irmãos apenas de vez em quando. Apesar do treinamento ser extremamente difícil, seguidamente os monges saíam para se aventurar na floresta próxima à cidade: enfrentavam a correnteza do rio, escalavam montanhas, percorriam grandes distâncias apenas saltando através dos galhos das árvores mais próximas, desciam e subiam em paredes de desfiladeiros. O ponto mais alto no treinamento da floresta era sobreviver sozinho durante vários dias, enfrentando animais selvagens sem um único tipo de arma.

            Todavia, no reino de Damaris, as coisas permaneciam inalteradas. Pelo que Kevin comentava, sempre fora assim. Havia apenas um dia, entre dez de treinamento, que os monges eram dispensados do castelo e podiam passear livremente pela cidade. Os monges não possuíam dinheiro, pois o rei considerava desnecessário pagar-lhes um salário visto que ganhavam roupas, alimentação, livros e um quarto onde pudessem repousar. Assim, jamais podiam comprar qualquer produto que fosse na cidade, mas isso não lhes fazia falta porque todas as suas necessidades eram supridas no castelo. As famílias dos monges é que recebiam uma pequena quantia em dinheiro a cada lua cheia. Mas faltavam alguns dias para que esse momento de folga, tão comentado por Kevin, chegasse. Não que isso fizesse qualquer diferença para Renam; suas caminhadas noturnas permitiam-lhe quebrar a monotonia.

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