domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 9

Salas secretas escondem diversas surpresas

            Renam e Joshua estavam no corredor com seus trajes de combate noturnos. O jovem guerreiro começou a andar em direção à sala circular, enquanto que Joshua esperava por Naêmia, que ainda se vestia. Seu objetivo agora era investigar o que se escondia por trás da terceira porta. Ao chegar na sala, hesitou um pouco ao empurrar a porta, não por medo de possíveis perigos, mas porque por um momento imaginou que outros caminhos estranhos encontraria. Enfrentara corredores extensos e ondulados, escadarias com milhares de degraus, salas redondas e quadradas, salas com os mais diferentes objetos para expor ou armazenar e salas com um visual tão enjoativo que chegava a enjoar. E agora? Descobriria projetos arquitetônicos igualmente insanos? O que mais poderia querer aquele rei? Quando conversava com Naêmia e Joshua, esquecia os detalhes arquitetônicos, o objetivo era a localização da pedra mágica. Dessa maneira, pouco qualquer um dos três chegava a comentar sobre a forma dos corredores e salas — importava muito mais era o que poderiam encontrar nelas, isto é, pistas que os conduzissem à gema sagrada. Por esse motivo, Renam fazia apenas uma idéia de como era o caminho trilhado por seus amigos, assim como eles também mal eram capazes de imaginar como era o seu. Seja como for, o momento de distração foi pequeno. Logo Renam estava com a mão na maçaneta, forçando lentamente a porta.
            Ao entrar na sala, ficou mais uma vez espantado com o que agora via: estava acostumado a salas enormes e esta era muito, mas muito pequena mesmo. Para se ter uma idéia de medidas, caberia, naquele diminuto local, no máximo umas nove pessoas em pé, isso considerando que fossem do porte físico do jovem guerreiro. Confuso, o monge saiu da salinha. Afinal, o que poderia querer naquela sala ridícula, além de perder tempo? Numa rápida olhada pelo interior da salinha, reparou que a única porta era aquela pela qual havia passado. A sala possuía apenas quatro pequenas paredes, sendo cada uma delas apenas um pouco mais larga que a porta. Não havia outra porta, janela, tubulação de ar ou quaisquer outros tipos de aberturas que pudessem ser utilizadas como passagem para sair dali.
            Renam estava na sala circular, dirigindo-se à quarta porta. Ao se aproximar, levou a mão em direção à maçaneta, mas parou-a em pleno ar, antes de tocá-la. Deveria haver alguma coisa naquela salinha, ponderou o monge. Não haveria sentido aquela pequena sala existir para nada. Aparentemente, parecia ser um beco sem saída, mas e se não fosse? E se houvesse algo que somente uma análise detalhada pudesse revelar? Sim, poderia valer a pena observar com mais atenção aquela sala diminuta. Assim, Renam deu meia volta e entrou novamente na pequena sala.
            Observando as paredes, notou que todas as pedras que as constituíam eram do mesmo tamanho. Se havia algum mecanismo que pudesse acionar para abrir uma possível passagem, este não era visível. Dessa maneira, imaginou que o melhor a fazer era deslizar as mãos pelas paredes, pois talvez pudesse ver com as mãos o que não conseguia enxergar com os olhos. Tateando em volta da porta, não descobriu nada. Passou então a tocar em toda a extensão da parede à esquerda, desde as pedras mais próximas do chão até aquelas que seus braços estendidos conseguiam alcançar. Naquela parede, também não obteve sucesso. Começou a inspecionar a parede que ficava em frente à porta. Quando tocou a pedra que se encontrava exatamente no centro da parede, observou que ela se mexeu, projetando-se para dentro da parede. Naquele instante, o chão começou a se mover para baixo.
            O monge afastou-se e ficou no meio da salinha, esperando pelo momento que o chão parasse de se mover. Apesar de se projetar com lentidão para baixo, Renam não pôde deixar de concluir que a passagem era bem engenhosa. Não fazia idéia do mecanismo envolvido, mas tratava-se de mais uma extravagância do rei, digna de se tirar o chapéu.
            Momentos depois, o chão parou de se mover. Para as paredes que o jovem guerreiro olhava, não havia nenhuma saída. Ao virar-se, sorriu quando olhou para a passagem em forma de arco, sem nenhuma porta. Atravessou a passagem sem vacilar, entrando em outro comprido corredor. Diferentemente dos anteriores, este apresentava o mesmo formato da passagem — forma arqueada —, além de várias estátuas posicionadas ao longo das paredes, lembrando-o daquele corredor pelo qual ele, Joshua e Naêmia passaram quando, na companhia do rei, dirigiram-se à biblioteca. Renam seguiu pelo corredor, cujo caminho era único e reto. Ao final, encontrou outra passagem também em forma de arco, porém apresentando uma porta decorada com diversos desenhos feitos em alto relevo.
            A decoração o fez lembrar da porta que encontrara na noite anterior, ao final da escada de dois mil degraus. Colocou a mão na porta e forçou a maçaneta, mas não abriu. Isso era estranho, pois todas as outras portas não apresentaram este tipo de problema; ao menor toque, abriam-se. O jovem guerreiro imaginou que a porta fosse muito pesada e decidiu empregar mais força. Tocou novamente a maçaneta e a porta não se abriu, mesmo forçando-a ao máximo possível. Mas deveria haver uma maneira, pensava o rapaz. Começou a testar outras possibilidades: em vez de forçá-la pela maçaneta, empurrou-a pelo outro lado; também pressionou sua parte mais alta e a mais baixa; tocou novamente a maçaneta e em vez de empurrá-la, puxou-a. Todas as suas tentativas fracassaram. Mas não daria meia volta, agora que chegara até ali. Deveria ter um jeito de abri-la e ele não descansaria enquanto não descobrisse. De repente, uma luz se fez nos pensamentos de Renam: na pequena sala, precisou pressionar a pedra central de uma das paredes. Com este novo raciocínio em mente, observou a distribuição dos desenhos na porta e localizou aquele que se encontrava na posição mais central possível. Colocou sua mão sobre o desenho e o empurrou. Assim como a pedra, o desenho se moveu para o interior da porta e um pequeno estalo se fez ouvir. Renam forçou novamente a maçaneta e a porta se abriu, como se jamais tivesse sido trancada.
            A sala era grande e circular. Reunia estantes, bancadas e armários, distribuídos ao longo das paredes. O grande diferencial nesta sala era a estrela desenhada exatamente em seu centro. Renam conhecia o pentagrama, símbolo místico que nada mais era do que uma estrela de cinco pontas, sendo todas as pontas ligadas por um círculo. Mas aquele não era um pentagrama, pois a estrela possuía muito mais pontas. Além disso, sobre cada uma de suas pontas, erguia-se uma coluna que unia o chão ao teto. Renam aproximou-se do estranho símbolo mágico, imaginando que essa era uma tarefa para Joshua e não para um guerreiro. Por ora, deixaria aquele estranho símbolo de lado e faria uma revista nos armários, estantes e bancadas da sala.
            Em sua busca, tudo o que conseguiu encontrar foi pequenos animais mortos, vários tipos de folhas, pele de diversos animais, ervas, cactos, cogumelos e variados tipos de frutas. A julgar pela quantidade, o rapaz imaginou que aqueles materiais deviam estar magicamente conservados. Havia também materiais não perecíveis como anéis, colares, pulseiras, medalhões e até pedras preciosas, entre elas rubis, safiras e um diamante, mas nada da Ametista Mágica. Desanimado, colocou no mesmo lugar os últimos objetos que examinara, tendo o cuidado para que nada ficasse bagunçado, ou levantaria suspeitas.
            O monge havia feito a volta em toda a sala durante sua análise, e agora se encontrava próximo à porta. A pedra não se encontrava ali, deveria continuar sua busca em outro lugar. Voltou para o corredor e, ao fechar a porta atrás de si e virar-se, ouviu gritos.
            — Ele está lá! Ele está lá!
            Renam não havia percebido a presença dos seguranças noturnos no corredor; eles estavam parados ao lado das estátuas, que se enfileiravam em todo o espaço entre a passagem da salinha e a porta da sala que acabara de investigar. Avaliando rapidamente suas possibilidades, concluiu que não haveria como enfrentar aquelas pessoas num ambiente tão estreito — seria derrotado com facilidade. Também não tinha como saber quantos eram, pois suas silhuetas se confundiam com as das estátuas. Tocou novamente no desenho que destrancava a porta e entrou na sala, fechando-a imediatamente. Talvez seus perseguidores não soubessem como abri-la ou demorassem para descobrir, o que poderia lhe dar tempo para encontrar uma saída alternativa.
            Momentos antes preocupara-se em observar as estantes, os armários e os bancadas. Agora deveria se preocupar em analisar as paredes. Renam percorreu toda a extensão da sala, sem ter encontrado nada que o pudesse ajudar. A única saída era a porta pela qual entrara. Esperava pacientemente pelo momento em que os seguranças conseguissem abri-la. Seu plano agora era muito simples: enfrentá-los, derrotá-los e voltar ao seu quarto o mais rapidamente possível. Afinal, mesmo entrando em confronto direto com eles, o monge não poderia ser reconhecido devido a seus trajes, que cobriam praticamente todo o seu corpo.
            O jovem guerreiro esperava pacientemente pelo momento em que a porta se abrisse, para que o combate pudesse começar. As cutucadas que eram ouvidas pelo lado de dentro da sala, permitia-lhe imaginar o esforço daqueles homens em tentar abrir a porta. Vários momentos se passaram sem que tivessem obtido sucesso. Mas uma coisa era certa: cedo ou tarde conseguiriam. De repente, o monge lembrou-se que não esgotara todas as suas possibilidades de encontrar uma saída alternativa . Era verdade que analisara detalhadamente as paredes e não encontrara nada. E justamente aí estava o problema: as paredes não poderiam ser o seu único objeto de estudo para escapar; o estranho símbolo místico, situado no centro da sala, também deveria ser analisado.
            Estava se aproximando da grande estrela desenhada no chão quando ouviu um estalo. Virou-se e percebeu que não haveria tempo para estudar o símbolo mágico; os seguranças finalmente tinham aberto a porta.
            Oito seguranças, fortemente armados, entravam na sala e avançavam rapidamente na direção do monge. Renam era um dos poucos mestres que havia no planeta Kendora, mas não menosprezaria aqueles homens; subestimar a capacidade do inimigo não era uma atitude inteligente e o jovem guerreiro jamais cometeria tal tolice. Aqueles homens pareciam ser diferentes tipos de especialista em lutas, cada um portava um tipo de arma. Um deles usava uma espada em cada mão; outro segurava uma lança; o terceiro movimentava o Chikathi — três bastões de tamanho médio, unidos por duas correntes de ferro; o mais alto usava duas soqueiras, que eram armas nas quais inseriam os dedos para que, quando fechassem as mãos, multiplicassem o efeito de um soco — as soqueiras possuíam projeções de metal em forma de espinhos; o mais baixo segurava, em cada mão, uma adaga com três pontas, cuja lâmina do meio apresentava o dobro do comprimento que as outras; O segurança mais musculoso estava armado com dois bastões de mesmo tamanho; o sétimo exibia um tridente e o último uma corda.
            Os homens sorriram quando o que segurava as adagas de três pontas falou:
            — Vejam, o idiota está desarmado — falou, em tom desdenhoso.
            O jovem guerreiro interpretou como um bom sinal a atitude daqueles homens, visto que, ao subestimá-lo, estavam sendo tolos.
            A previsão de Renam estava correta. O primeiro a atacá-lo foi o que segurava a corda, a arma de maior alcance. Agilmente esquivou-se da ponta da corda, reforçada com pequenos anéis de ferro, cujo impacto arrancou pedaços de uma das colunas que formavam o estranho símbolo mágico. No segundo ataque, não era mais somente com a corda que o monge deveria se preocupar; os outros já haviam se aproximado o bastante para desferir seus golpes.
            Num rápido movimento, chutou em pleno ar o Chikathi e bloqueou com o antebraço esquerdo um golpe de bastão. Saltou por entre as colunas e girou agilmente o corpo no chão, ficando em pé bem no centro da estrela.
            Caminhando lentamente, como se quisessem saborear o medo de sua presa, os homens entraram no círculo de colunas e rodearam Renam.
            — Parece que ele sabe lutar — disse o homem das soqueiras. — Acho que vai ser interessante.
            — Imagino que sim, Bryan. Já faz um tempo que não temos um bom jogo de gato e rato — concordou, arrogantemente, o homem dos bastões.
            — Esse imbecil não irá durar dois tempos. Somos oito — comentou, com desprezo na voz, o especialista em adagas.
            — E logo seremos… — começou a dizer Bryan, mas foi interrompido por Diego.
            — Chega de conversa fiada. Vamos acabar logo com isso.
            Renam continuava imóvel no centro do símbolo, com braços e pernas levemente afastados, numa posição que lhe permitiria tanto atacar quanto se defender. De todos os seus sentidos, o que estava em maior estado de alerta era sua audição. Não podia enxergar em todas as direções ao mesmo tempo, mas com o som era diferente. Assim, abaixou-se com incrível velocidade quando ouviu ruídos que vinham de dois lados opostos. A sua direita, o homem projetava sua corda contra o monge, enquanto que o da esquerda o atacava com a lança. Como resultado, a corda enrolou-se na outra arma e o monge aproveitou a oportunidade para chutar violentamente o abdômen do guerreiro que segurava a lança, apoderando-se de sua arma. Como a corda continuava presa na lança, Renam puxou com força e o segurança da corda voou em sua direção. Num salto espetacular, acertou fortemente um chute no rosto do adversário em pleno vôo, nocauteando dois lutadores em pouquíssimos instantes.
            Em posse da corda, projetou-a contra o homem das adagas, enrolando-a em seu corpo. Empregando enorme força, fez com que o guerreiro das adagas fosse lançado contra o que usava soqueiras, derrubando-os violentamente no chão. Com alguns golpes, derrotara metade de seus adversários. Mas ainda havia homens armados com espadas, Chikathi, bastões e um tridente.
            O segurança do tridente avançou em direção a Renam, enquanto que os outros tentavam cercá-lo. Num rápido movimento, o tridente foi projetado na direção do peito do monge. Mas o jovem guerreiro foi mais ágil, saltando para trás. Ao se colocar em pé, estava em posse das adagas. Renam girou a adaga da mão esquerda, transformando o cabo da adaga em arma em vez de suas lâminas. A adaga da mão direita continuou segurando no sentido convencional. O segundo ataque do tridente foi bloqueado pela adaga que o monge segurava em sua mão direita, entrelaçando as lâminas de sua arma nas lâminas da outra. Por cima do tridente, socou o rosto do adversário com o cabo da adaga que segurava na outra mão. Ainda prendendo o tridente com a adaga, girou a perna direita, posicionando-a sobre o tridente. Chutou o rosto do adversário, que foi a nocaute. Com o tridente em seu poder, girou-o repetidas vezes ao redor do corpo, afastando seus três oponentes restantes. Seus últimos adversários resolveram atacar em conjunto, imaginando que o derrotariam facilmente. Mas o monge estava acostumado a ser atacado de todos os lados e, numa incrível demonstração de habilidade, defendia-se, esquivava-se e atacava, parecendo estar fazendo tudo ao mesmo tempo. Acertou um chute no rosto do espadachim, enquanto bloqueava um golpe do lutador com bastões. Em seguida, girando o tridente com precisão, acertou a cabeça do guerreiro de bastões com o cabo de sua arma, na medida em que se esquivava de um golpe mortal do lutador de Chikathi. Restava agora só mais um a ser derrotado. Receoso de ser punido pelo rei — que desculpas oito homens poderiam dar para justificar sua derrota por apenas um? — o guerreiro fez uma seqüência de golpes com seu Chikathi. Alguns desses ataques Renam defendia com o tridente; de outros, apenas se esquivava. Em determinado momento, abaixou-se para evitar que a arma do oponente atingisse seu peito. Em seguida foi realizando saltos mortais para trás, evitando os golpes poderosos da arma de seu adversário. Nestes saltos, desfez-se do tridente. Após cinco saltos, Renam pulou para cima e posicionou um pé em cada coluna, deixando suas pernas totalmente abertas. O homem do chikathi, mesmo receoso da punição do rei, não deixou de admirar as incríveis habilidades de luta daquele rapaz, totalmente vestido de preto. Mas precisaria derrotá-lo. Num rápido movimento, pulou para ficar da mesma altura que Renam. Quando emparelhou, golpeou com o chikathi, mas o monge saltou agilmente. Continuaram a luta, cuja vitória foi facilmente conquistada por Renam.
            Após derrotar seu último adversário, Renam queria sair daquele lugar o mais rápido possível e voltar ao seu quarto. Não podia arriscar ser pego porque a missão estaria seriamente comprometida. Dirigiu-se à porta e entrou no corredor, mas parou repentinamente. A pequena sala estava escura. Olhava para a passagem em forma de arco, tentando entender o porquê daquela escuridão. Continuou andando pelo corredor, a passos lentos, olhando fixamente para aquele local. O monge estava no meio do corredor quando percebeu que, na parte mais alta da passagem, começava a aparecer uma luz. Como ainda estava longe da salinha, o jovem guerreiro demorou a perceber que o chão da pequena sala estava se projetando para baixo uma vez mais e vários outros seguranças logo estariam no corredor. Renam mediu suas possibilidades: se ficasse no corredor, não teria como enfrentar todos aqueles homens sem ser derrotado, considerando que não havia espaço para lutar; se retornasse a sala de onde acabara de sair teria chance, mas correria o risco de enfrentar novamente alguns daqueles guerreiros que nocauteara, pois agora estariam acordados e somariam forças com os que acabavam de chegar; além disso, mesmo que derrotasse um grupo de guerreiros novamente, deveria considerar o fato de que fora descoberto — de que outra maneira poderia explicar estes dois grupos de guerreiros em seu encalço? Poderia ser esta a explicação para a chegada destes homens, pensava Renam. Na sala circular, enfrentara oito seguranças. Porém, logo ao chegar na salinha, observou que comportaria cerca de nove pessoas com o seu porte físico. Dessa forma, um daqueles homens deve ter retornado e alertado outros, o que explicaria muita coisa. Mas e o primeiro grupo? Como souberam onde ele estava? A resposta veio imediatamente em seus pensamentos: deixara a porta da salinha aberta e alguém deve ter visto, enquanto se encaminhava para a sala que julgava ser do bruxo. Fora descuidado e agora estava num beco sem saída, com inimigos de todos os lados lhe esperando — os que estavam na sala de onde acabara de sair e começavam a recuperar a consciência, os que se aproximavam do corredor através da salinha e os que deviam estar esperando por ele, caso conseguisse retornar à grande sala circular, onde descobrira tantos caminhos estranhos. Frustrado, deu um soco no peito da estátua mais próxima.
            O monge ficou surpreso quando a estátua tremeu um pouco e começou a deslizar para o lado. Acabara de descobrir uma passagem secreta. Olhou para a esquerda e verificou que o chão da salinha ainda não havia descido totalmente. Aqueles homens, portanto, não o veriam entrar naquele local. Após cruzar a passagem, empurrou a estátua para o lado, fechando-a novamente.
            Assim como as outras partes do castelo, estava num corredor muito bem iluminado, paralelo ao que se dirigia na direção da sala que acreditava ser do bruxo. O corredor inicialmente era reto, mas logo fazia uma curva para, em seguida, continuar em linha reta novamente. O monge estava abismado com a extravagância do rei. As salas eram enormes, os corredores incrivelmente compridos e as decorações eram de primeira qualidade e em quantidade suficiente para deixar qualquer um espantado. Era simplesmente impressionante o custo e o dinheiro investido na construção daquele castelo. Quando, na companhia de seus amigos, observou a morada do rei pela primeira vez, assustou-se com a sua largura, comprimento e altura. Naquele momento, o jovem guerreiro não pôde deixar de imaginar a possibilidade de alguém se perder dentro da imensa casa do rei. Porém, tal pensamento guardara para si, receoso de que talvez Joshua ou Naêmia pudessem rir por considerar tolice. Mas Renam não tinha como saber que tal pensamento logo se mostraria correto.
            Renam continuava pelo corredor, pensando também na sorte que tivera ao descobrir aquela passagem. Mesmo que conseguisse voltar pela salinha, estaria sendo esperado na grande sala circular e, ainda que fose um dos poucos mestres do mundo inteiro, não poderia enfrentar sozinho todos os guerreiros do castelo. O monge nem sentiu a distância percorrida no corredor onde se encontrava, visto que ainda havia muito sobre o que pensar: Joshua, por exemplo, tentara lhe falar algo no dia em que realizaram a primeira exploração no castelo; Renam estava na companhia de Joshua em seu quarto e, quando o bruxo ia comentar algo, Naêmia apareceu e o amigo calou-se ao ver a companheira de aventura. O rei daquele reino parecia ser uma pessoa simpática, apesar de seu olhar de espertalhão; sua voz era suave e tratava a todos com gentileza, o que soava como uma atitude contraditória, considerando que era o governante do reino mais famigerado do planeta Kendora. O próprio reino parecia tão calmo, deixando claro que sua fama era injustificada; a única situação violenta ocorrera no armazém da estalagem, onde trabalhava Karine… Renam deixou de visitá-la e sentia-se mal com isso. Talvez sua atitude fosse a mais correta, afinal quem poderia lhe garantir que sairia com vida desta missão? Os riscos envolvidos eram os mais elevados que até hoje enfrentara. E se saísse da missão com vida, mas falhasse? Neste caso, poderia chamar de vida o que tivesse pela frente?
            Finalmente chegara a uma porta. Por um breve momento, olhou-a, admirado pelo fato de que era totalmente diferente das outras que encontrara, apesar de possuir desenhos estranhos, como a da sala que acreditou ser do bruxo Jeofrey. O formato da porta era quadrado, com um triângulo em sua parte mais elevada. Em seu centro, apresentava duas maçanetas em forma de semicírculos. Esculpido na porta estava o desenho que jamais havia sido imaginado por Renam: a face de uma mulher coberta por um turbante. Tanto o rosto quanto o turbante eram extremamente esquisitos. No lado esquerdo da porta, o rosto era o de um esqueleto; no lado direito, sua face era normal. No lado esquerdo da porta, o turbante era preto; no outro lado, branco. A extravagância do rei parecia ilimitada; não apenas se preocupava com espaços abundantes — salas e corredores enormes — como também com quantidades absurdas dos mais variados objetos que armazenava e, como se não bastasse, era bem detalhista nas decorações.
            Renam colocou uma mão em cada maçaneta e empurrou. A porta nem se mexeu. Resolveu puxar e ainda assim nada aconteceu. Mas a porta se abriu quando forçou cada uma das partes da porta para os lados, em sentidos opostos.
            A sala era de medidas razoáveis, ao contrário daquelas salas enormes que o monge estava acostumado a visitar. Imaginou que era utilizada apenas por uma pessoa, pelo menos na maior parte do tempo em que era usada. Analisando o interior, observou várias estantes com livros, formando dez corredores; uma escrivaninha no fundo da sala e um armário ao lado; sofás posicionados em um canto; um belo tapete no centro; quadros que retratavam rostos de pessoas, desenhados com grafite; uma estante com bebidas e frutas; por fim, uma mesa, localizada bem no centro, com vinte cadeiras a sua volta. O monge ficou admirado com a praticidade da sala. Era uma verdadeira mistura de biblioteca, escritório, sala de reuniões, sala de projetos, estar e jantar. Acostumado a ver tudo separadamente, surpreendeu-se pelo aproveitamento do espaço. Seja como for, não poderia perder mais tempo com divagações, teria que encontrar alguma pista, qualquer coisa que o pudesse levar à pedra mágica. Começou pela parte da sala organizada em forma de biblioteca. Esta, por sua vez, não tinha nem comparação com aquela freqüentada pelos monges, pois era infinitamente menor. A única semelhante com a outra era o fato de que os livros estavam classificados de acordo com a CDD (Código Decimal de Dewe). Dewe foi o homem que inventou um sistema de distribuição dos livros nas estantes, utilizado em todas as bibliotecas do planeta Kendora.
            Dirigiu-se ao primeiro corredor, que reunia obras classificadas como generalidades onde encontrou guias, dicionários e enciclopédias. Retirou um guia da estante e folheou algumas páginas, percebendo que o seu conteúdo era indicar os pontos comerciais da cidade; outro guia tratava sobre os pontos turísticos e assim, sucessivamente, cada um tratava temas relacionados à cidade de Damaris. Encontrou um dicionário de nomes — descrevia as pessoas que ali viveram; um dicionário de música, que relacionava todos os músicos, bandas e músicas tocadas em Durasmo, um reino distante; e um dicionário de moda, descrevendo diferentes tipos de indumentária que foram surgindo, com o tempo, nas cidades vizinhas. Encontrou a Enciclopédia da Mulher, escrita por várias mulheres da cidade, na qual comentavam variados tipos de assunto — corte e costura, jardinagem, cozinha, entre outros; outra enciclopédia que folheou era a Enciclopédia do Artesão, obra na qual os artesãos dos reinos do norte explicavam suas técnicas.
            A impressão que lhe veio à mente, após uma rápida passada pelo corredor das generalidades, era a de que havia finalmente encontrado o lugar certo. E essa impressão foi confirmada quando passou para o corredor seguinte, que reunia obras de psicologia e filosofia. Neste espaço, as obras traziam assuntos relacionados apenas ao reino de Damaris. A mesma situação se repetiu no corredor que tratava sobre asuntos religiosos e nos próximos. Na parte de literatura, todas as histórias pareciam ter sido escritas pelos próprios moradores. O último corredor foi o que mais chamou a atenção do monge. Nele havia biografias, história e geografia. Nas obras de biografias, vários cidadãos colaboraram escrevendo sua história. Comerciantes, donos de estalagem, fazendeiros e trabalhadores em geral escreveram a história de suas vidas. Renam percorria com os olhos as lombadas dos livros, lendo velozmente os diversos nomes dos autores daquelas obras. De repente, seu olhar se fixou num determinado livro, escrito pelo próprio rei. Retirou-o da estante e folheou algumas páginas, percebendo que a obra responderia muitas perguntas relacionadas aquele reino. Guardou-o em um dos bolsos internos de seu traje, prendendo-o com uma pequena alça para que permanecesse seguro, mesmo que tivesse que realizar movimentos bruscos. Também sentiu vontade de levar consigo livros de geografia e história, pois lhe permitiriam ter um conhecimento mais abrangente do reino. Mas, por ora, a biografia do rei deveria ser suficiente.
            Foi até a escrivaninha, abriu todas as gavetas, mas não encontrou nada a não ser materiais de escritório: folhas, penas, tinteiro, grafite, etc. Decidiu verificar o armário próximo à escrivaninha. Encontrou documentos de compra e venda de imóveis, alguns livros e folhetos. Ao abrir a última porta do armário, observou uma pilha de papéis e, sobre ela, um livro. Pegou-o e tentou abri-lo, mas parecia que várias páginas estavam coladas pelas extremidades. Ao manuseá-lo de maneira diferente da habitual, observou que a cada movimento para abri-lo, o livro ficava maior e com uma quantidade de páginas cada vez menor. Ao final, descobriu tratar-se de um grande folheto, dobrado de maneira a aparentar um livro. O jovem guerreiro ficou tão admirado com a criatividade utilizada na elaboração daquele folheto, que precisou de alguns instantes para perceber o seu conteúdo. Quando finalmente entendeu que segurava em suas mãos o mapa do castelo, deu-se conta de que sua missão poderia estar chegando ao fim.
            Voltou à escrivaninha e estendeu sobre ela o mapa, analisando-o detalhadamente. Ansioso da maneira como ficou, a princípio foi difícil decidir por onde começar. Imaginou que o ideal seria observar a entrada do castelo e traçar, com os dedos, trajetórias por caminhos desconhecidos, de modo a ter um amplo conhecimento da arquitetura da morada do rei. O dedo indicador da mão direita deslizava por corredores e salas aos quais estava familiarizado, enquanto que o dedo indicador da mão esquerda percorria caminhos adjacentes. Mas logo deu-se conta de que o ideal era descobrir onde exatamente estava. Assim, rapidamente localizou o seu quarto, o corredor que permitia o acesso à sala de reuniões, a salinha, a passagem secreta que por acaso descobrira e o local onde neste momento se encontrava. Era realmente uma sorte que o mapa fosse tão bem detalhado e desenhado. Conseguia entendê-lo muito bem, pois até mesmo os móveis estavam ali representados, através de pequenas figuras geométricas como círculos, quadrados, retângulos, triângulos, retas e elipses. Se lhe fosse permitido, ficaria mais tempo naquela sala e voltaria às estantes, com o objetivo de localizar mais informações valiosas como as que agora tinha em mãos. Mas sabia que seu tempo estava acabando. Em determinado momento, alguém que conhecesse a passagem secreta seria informado que o fugitivo simplesmente sumira na sala onde derrotara oito seguranças e, somando os fatos, enviaria pessoas em seu encalço, na direção do lugar onde agora se encontrava. Dessa maneira, seu passo seguinte foi o de localizar, no mapa, uma possibilidade de saída daquela sala, que não fosse a passagem pela qual havia entrado. Imediatamente reparou em um caminho, atrás de um pequeno quadrado. Observando mais uma vez a disposição dos móveis na sala e sua representação no mapa, identificou o pequeno quadrado como sendo o armário. Aproximou-se do armário mais uma vez e o arrastou para o lado. Ali estava a passagem que utilizaria para voltar ao seu quarto.
            Novamente diante do mapa, precisava agora saber qual era a trajetória menor e mais segura. O caminho que se iniciava atrás do armário seguia em linha reta, logo fazia uma curva e chegava em um círculo, onde se dividia em três. Acompanhando a direção do caminho da esquerda, notou que não seria aconselhável seguir por ali, pois chegaria à grande sala circular, onde muitos seguranças deviam estar reunidos; o caminho do meio, para a surpresa de Renam, ligava aquela passagem aos aposentos do rei; a melhor alternativa seria seguir pela direita, que lhe permitia chegar numa salinha que ficava ao lado de várias outras, que ficavam na frente de muitas outras, que formavam o corredor onde ficava... os quartos dos monges?
            — Droga, mas é muito azar mesmo — falou para si.
            Sendo um monge, o rapaz sabia o que era ter sono leve. Por menor que fosse o ruído de arrastar o que servisse de porta para a passagem, seria o bastante para acordar o guerreiro que estivesse repousando naquele quarto. Uma vez acordado, o confronto entre os dois geraria barulho suficiente para despertar os que estavam nos quartos mais próximos, que por sua vez acordariam os demais. Uma situação inesperada dessas poderia prejudicar seriamente, talvez impedir totalmente sua missão. Mas então o que fazer? Se optasse pelo caminho da esquerda ou pelo caminho do meio, certamente que entraria em confronto direto com muitos guerreiros; por outro lado, se escolhesse ir pela direita, talvez enfrentasse um grupo de monges. Mas se fosse rápido o bastante, teria apenas um adversário para nocautear. Mas havia outro detalhe a ser considerado: como aquela passagem poderia dar acesso ao quarto de um monge? Seria alguém encarregado de operações secretas para o rei? Fosse quem tivesse que ser, a única certeza de Renam era a de que o monge deveria ser um guerreiro excepcional. Sentiu um leve tremor quando um nome lhe veio à cabeça: mestre Ryan? Se fosse o caso, qualquer alternativa que tinha em mãos era pior do que péssima. Mas esta foi uma das raras ocasiões, na vida do jovem guerreiro, em que entre duas certezas e uma dúvida, escolhera a dúvida. Teria que correr o risco. Ao menos por este caminho chegaria o mais próximo possível de seu quarto.
            Uma vez decidido, começou a dobrar o mapa, até que ficasse do tamanho que o encontrara. Guardou-o em outro bolso interno, prendendo-o com uma alça, da mesma maneira que havia feito antes com a biografia do rei. Entrou na passagem e começou a fechá-la. Quando o armário estava tapando quase que totalmente a passagem, Renam ouviu um barulho. Pela estreita fresta que o armário deixara, observou vários homens armados entrando na sala. Por muito pouco não fora descoberto. O pequeno ruído produzido pelo último puxão que deu no armário não havia sido percebido pelos homens, pois falavam em altas vozes. Analisariam cuidadosamente aquela sala, o que daria a Renam tempo para afastar-se.
            A caminhada pela passagem secreta foi mais demorada que imaginara. Todavia, manteve um ritmo veloz em seus passos, o que lhe permitiu percorrer aquele trajeto num espaço de tempo que muitas pessoas não conseguiriam. Quando reparou que tinha degraus a sua frente, logo viu que havia chegado numa escada em formato caracol. Subiria em círculos, sem ter idéia de quantos degraus precisaria avançar. Não foi demorado, mas talvez porque pulasse, avançando quatro degraus por vez. Ao final, ali estavam os três corredores. Foi nesse momento que o monge entendeu a precisão do mapa: a passagem que iniciava atrás do armário chegava até o circulo e do círculo saíam três outros caminhos. O círculo era a representação da escada. Entrou no corredor da direita, tendo em mente que agiria com velocidade e precisão. Ao final do corredor, num rápido movimento, empurrou a porta para o lado e saltou, parando, num só pulo, no meio do quarto. O monge estava em posição de combate, pronto para nocautear um possível adversário. Mas o fato é que não havia ninguém a ser enfrentado. Não havia ali nem mesmo uma cama. Renam não estava exatamente num quarto, embora estivesse ao lado de quartos ocupados por monges. Na sala onde se encontrava, enxergava apenas materiais de limpeza: baldes, vassouras, panos, sacos de lixo, espanadores, luvas e outras coisas do gênero. A porta que abrira servia, do lado de dentro do quarto, como um estreito armário. Mais uma vez a sorte parecia estar do seu lado. Fechou a passagem secreta e, cautelosamente, abriu a porta da sala e olhou para o corredor; estava completamente deserto, o momento era perfeito. Andou silenciosamente, chegando rapidamente em seu quarto. Deveria ser realmente muito tarde, pois Joshua não se encontrava e Naêmia já estava dormindo.

            Renam tirou o livro e o mapa dos bolsos, despiu-se e guardou tudo no fundo falso de sua grande mala. Seu traje negro ocupava um bom espaço, mas ainda sobrava o suficiente para guardar os dois objetos furtados na sala que descobrira ao entrar na passagem secreta. Foi realmente um grande achado. Tanto o mapa quanto a biografia do rei responderiam a muitas perguntas, sobre as quais o monge refletia diariamente. Naquela noite, porém, não poderia mais dedicar seu tempo à missão. O confronto com vários seguranças e sua fuga para evitar muitas outras lutas, permitiram que sua missão avançasse muito pela noite. Não tardaria o amanhecer e precisava descansar um pouco para recuperar suas forças. Vestiu roupas leves e deitou-se o mais silenciosamente, com o objetivo de não acordar Naêmia. Após a janta, se reuniria com seus dois companheiros de missão, mostraria a eles seus achados e juntos traçariam um novo plano. Com este último pensamento na cabeça, dormiu.

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