Salas
secretas escondem diversas surpresas
Renam e Joshua estavam no corredor
com seus trajes de combate noturnos. O jovem guerreiro começou a andar em
direção à sala circular, enquanto que Joshua esperava por Naêmia, que ainda se
vestia. Seu objetivo agora era investigar o que se escondia por trás da
terceira porta. Ao chegar na sala, hesitou um pouco ao empurrar a porta, não
por medo de possíveis perigos, mas porque por um momento imaginou que outros
caminhos estranhos encontraria. Enfrentara corredores extensos e ondulados,
escadarias com milhares de degraus, salas redondas e quadradas, salas com os
mais diferentes objetos para expor ou armazenar e salas com um visual tão
enjoativo que chegava a enjoar. E agora? Descobriria projetos arquitetônicos
igualmente insanos? O que mais poderia querer aquele rei? Quando conversava com
Naêmia e Joshua, esquecia os detalhes arquitetônicos, o objetivo era a
localização da pedra mágica. Dessa maneira, pouco qualquer um dos três chegava
a comentar sobre a forma dos corredores e salas — importava muito mais era o
que poderiam encontrar nelas, isto é, pistas que os conduzissem à gema sagrada.
Por esse motivo, Renam fazia apenas uma idéia de como era o caminho trilhado
por seus amigos, assim como eles também mal eram capazes de imaginar como era o
seu. Seja como for, o momento de distração foi pequeno. Logo Renam estava com a
mão na maçaneta, forçando lentamente a porta.
Ao entrar na sala, ficou mais uma vez espantado com o que
agora via: estava acostumado a salas enormes e esta era muito, mas muito pequena
mesmo. Para se ter uma idéia de medidas, caberia, naquele diminuto local, no
máximo umas nove pessoas em pé, isso considerando que fossem do porte físico do
jovem guerreiro. Confuso, o monge saiu da salinha. Afinal, o que poderia querer
naquela sala ridícula, além de perder tempo? Numa rápida olhada pelo interior
da salinha, reparou que a única porta era aquela pela qual havia passado. A
sala possuía apenas quatro pequenas paredes, sendo cada uma delas apenas um
pouco mais larga que a porta. Não havia outra porta, janela, tubulação de ar ou
quaisquer outros tipos de aberturas que pudessem ser utilizadas como passagem
para sair dali.
Renam estava na sala circular, dirigindo-se à quarta
porta. Ao se aproximar, levou a mão em direção à maçaneta, mas parou-a em pleno
ar, antes de tocá-la. Deveria haver alguma coisa naquela salinha, ponderou o
monge. Não haveria sentido aquela pequena sala existir para nada.
Aparentemente, parecia ser um beco sem saída, mas e se não fosse? E se houvesse
algo que somente uma análise detalhada pudesse revelar? Sim, poderia valer a
pena observar com mais atenção aquela sala diminuta. Assim, Renam deu meia
volta e entrou novamente na pequena sala.
Observando as paredes, notou que todas as pedras que as
constituíam eram do mesmo tamanho. Se havia algum mecanismo que pudesse acionar
para abrir uma possível passagem, este não era visível. Dessa maneira, imaginou
que o melhor a fazer era deslizar as mãos pelas paredes, pois talvez pudesse
ver com as mãos o que não conseguia enxergar com os olhos. Tateando em volta da
porta, não descobriu nada. Passou então a tocar em toda a extensão da parede à
esquerda, desde as pedras mais próximas do chão até aquelas que seus braços
estendidos conseguiam alcançar. Naquela parede, também não obteve sucesso.
Começou a inspecionar a parede que ficava em frente à porta. Quando tocou a
pedra que se encontrava exatamente no centro da parede, observou que ela se
mexeu, projetando-se para dentro da parede. Naquele instante, o chão começou a
se mover para baixo.
O monge afastou-se e ficou no meio da salinha, esperando
pelo momento que o chão parasse de se mover. Apesar de se projetar com lentidão
para baixo, Renam não pôde deixar de concluir que a passagem era bem engenhosa.
Não fazia idéia do mecanismo envolvido, mas tratava-se de mais uma
extravagância do rei, digna de se tirar o chapéu.
Momentos depois, o chão parou de se mover. Para as
paredes que o jovem guerreiro olhava, não havia nenhuma saída. Ao virar-se,
sorriu quando olhou para a passagem em forma de arco, sem nenhuma porta.
Atravessou a passagem sem vacilar, entrando em outro comprido corredor.
Diferentemente dos anteriores, este apresentava o mesmo formato da passagem —
forma arqueada —, além de várias estátuas posicionadas ao longo das paredes,
lembrando-o daquele corredor pelo qual ele, Joshua e Naêmia passaram quando, na
companhia do rei, dirigiram-se à biblioteca. Renam seguiu pelo corredor, cujo
caminho era único e reto. Ao final, encontrou outra passagem também em forma de
arco, porém apresentando uma porta decorada com diversos desenhos feitos em
alto relevo.
A decoração o fez lembrar da porta que encontrara na
noite anterior, ao final da escada de dois mil degraus. Colocou a mão na porta
e forçou a maçaneta, mas não abriu. Isso era estranho, pois todas as outras
portas não apresentaram este tipo de problema; ao menor toque, abriam-se. O
jovem guerreiro imaginou que a porta fosse muito pesada e decidiu empregar mais
força. Tocou novamente a maçaneta e a porta não se abriu, mesmo forçando-a ao
máximo possível. Mas deveria haver uma maneira, pensava o rapaz. Começou a
testar outras possibilidades: em vez de forçá-la pela maçaneta, empurrou-a pelo
outro lado; também pressionou sua parte mais alta e a mais baixa; tocou
novamente a maçaneta e em vez de empurrá-la, puxou-a. Todas as suas tentativas
fracassaram. Mas não daria meia volta, agora que chegara até ali. Deveria ter
um jeito de abri-la e ele não descansaria enquanto não descobrisse. De repente,
uma luz se fez nos pensamentos de Renam: na pequena sala, precisou pressionar a
pedra central de uma das paredes. Com este novo raciocínio em mente, observou a
distribuição dos desenhos na porta e localizou aquele que se encontrava na
posição mais central possível. Colocou sua mão sobre o desenho e o empurrou.
Assim como a pedra, o desenho se moveu para o interior da porta e um pequeno
estalo se fez ouvir. Renam forçou novamente a maçaneta e a porta se abriu, como
se jamais tivesse sido trancada.
A sala era grande e circular. Reunia estantes, bancadas e
armários, distribuídos ao longo das paredes. O grande diferencial nesta sala
era a estrela desenhada exatamente em seu centro. Renam conhecia o pentagrama,
símbolo místico que nada mais era do que uma estrela de cinco pontas, sendo
todas as pontas ligadas por um círculo. Mas aquele não era um pentagrama, pois
a estrela possuía muito mais pontas. Além disso, sobre cada uma de suas pontas,
erguia-se uma coluna que unia o chão ao teto. Renam aproximou-se do estranho
símbolo mágico, imaginando que essa era uma tarefa para Joshua e não para um
guerreiro. Por ora, deixaria aquele estranho símbolo de lado e faria uma
revista nos armários, estantes e bancadas da sala.
Em sua busca, tudo o que conseguiu encontrar foi pequenos
animais mortos, vários tipos de folhas, pele de diversos animais, ervas,
cactos, cogumelos e variados tipos de frutas. A julgar pela quantidade, o rapaz
imaginou que aqueles materiais deviam estar magicamente conservados. Havia
também materiais não perecíveis como anéis, colares, pulseiras, medalhões e até
pedras preciosas, entre elas rubis, safiras e um diamante, mas nada da Ametista
Mágica. Desanimado, colocou no mesmo lugar os últimos objetos que examinara,
tendo o cuidado para que nada ficasse bagunçado, ou levantaria suspeitas.
O monge havia feito a volta em toda a sala durante sua
análise, e agora se encontrava próximo à porta. A pedra não se encontrava ali,
deveria continuar sua busca em outro lugar. Voltou para o corredor e, ao fechar
a porta atrás de si e virar-se, ouviu gritos.
— Ele está lá! Ele está lá!
Renam não havia percebido a presença dos seguranças
noturnos no corredor; eles estavam parados ao lado das estátuas, que se
enfileiravam em todo o espaço entre a passagem da salinha e a porta da sala que
acabara de investigar. Avaliando rapidamente suas possibilidades, concluiu que
não haveria como enfrentar aquelas pessoas num ambiente tão estreito — seria
derrotado com facilidade. Também não tinha como saber quantos eram, pois suas
silhuetas se confundiam com as das estátuas. Tocou novamente no desenho que
destrancava a porta e entrou na sala, fechando-a imediatamente. Talvez seus
perseguidores não soubessem como abri-la ou demorassem para descobrir, o que
poderia lhe dar tempo para encontrar uma saída alternativa.
Momentos antes preocupara-se em observar as estantes, os
armários e os bancadas. Agora deveria se preocupar em analisar as paredes.
Renam percorreu toda a extensão da sala, sem ter encontrado nada que o pudesse
ajudar. A única saída era a porta pela qual entrara. Esperava pacientemente
pelo momento em que os seguranças conseguissem abri-la. Seu plano agora era
muito simples: enfrentá-los, derrotá-los e voltar ao seu quarto o mais
rapidamente possível. Afinal, mesmo entrando em confronto direto com eles, o
monge não poderia ser reconhecido devido a seus trajes, que cobriam
praticamente todo o seu corpo.
O jovem guerreiro esperava pacientemente pelo momento em
que a porta se abrisse, para que o combate pudesse começar. As cutucadas que
eram ouvidas pelo lado de dentro da sala, permitia-lhe imaginar o esforço
daqueles homens em tentar abrir a porta. Vários momentos se passaram sem que
tivessem obtido sucesso. Mas uma coisa era certa: cedo ou tarde conseguiriam.
De repente, o monge lembrou-se que não esgotara todas as suas possibilidades de
encontrar uma saída alternativa . Era verdade que analisara detalhadamente as
paredes e não encontrara nada. E justamente aí estava o problema: as paredes
não poderiam ser o seu único objeto de estudo para escapar; o estranho símbolo
místico, situado no centro da sala, também deveria ser analisado.
Estava se aproximando da grande estrela desenhada no chão
quando ouviu um estalo. Virou-se e percebeu que não haveria tempo para estudar
o símbolo mágico; os seguranças finalmente tinham aberto a porta.
Oito seguranças, fortemente armados, entravam na sala e
avançavam rapidamente na direção do monge. Renam era um dos poucos mestres que
havia no planeta Kendora, mas não menosprezaria aqueles homens; subestimar a
capacidade do inimigo não era uma atitude inteligente e o jovem guerreiro
jamais cometeria tal tolice. Aqueles homens pareciam ser diferentes tipos de
especialista em lutas, cada um portava um tipo de arma. Um deles usava uma
espada em cada mão; outro segurava uma lança; o terceiro movimentava o Chikathi
— três bastões de tamanho médio, unidos por duas correntes de ferro; o mais
alto usava duas soqueiras, que eram armas nas quais inseriam os dedos para que,
quando fechassem as mãos, multiplicassem o efeito de um soco — as soqueiras
possuíam projeções de metal em forma de espinhos; o mais baixo segurava, em
cada mão, uma adaga com três pontas, cuja lâmina do meio apresentava o dobro do
comprimento que as outras; O segurança mais musculoso estava armado com dois
bastões de mesmo tamanho; o sétimo exibia um tridente e o último uma corda.
Os homens sorriram quando o que segurava as adagas de
três pontas falou:
— Vejam, o idiota está desarmado — falou, em tom
desdenhoso.
O jovem guerreiro interpretou como um bom sinal a atitude
daqueles homens, visto que, ao subestimá-lo, estavam sendo tolos.
A previsão de Renam estava correta. O primeiro a atacá-lo
foi o que segurava a corda, a arma de maior alcance. Agilmente esquivou-se da
ponta da corda, reforçada com pequenos anéis de ferro, cujo impacto arrancou
pedaços de uma das colunas que formavam o estranho símbolo mágico. No segundo
ataque, não era mais somente com a corda que o monge deveria se preocupar; os
outros já haviam se aproximado o bastante para desferir seus golpes.
Num rápido movimento, chutou em pleno ar o Chikathi e
bloqueou com o antebraço esquerdo um golpe de bastão. Saltou por entre as
colunas e girou agilmente o corpo no chão, ficando em pé bem no centro da
estrela.
Caminhando lentamente, como se quisessem saborear o medo
de sua presa, os homens entraram no círculo de colunas e rodearam Renam.
— Parece que ele sabe lutar — disse o homem das
soqueiras. — Acho que vai ser interessante.
— Imagino que sim, Bryan. Já faz um tempo que não temos
um bom jogo de gato e rato — concordou, arrogantemente, o homem dos bastões.
— Esse imbecil não irá durar dois tempos. Somos oito —
comentou, com desprezo na voz, o especialista em adagas.
— E logo seremos… — começou a dizer Bryan, mas foi
interrompido por Diego.
— Chega de conversa fiada. Vamos acabar logo com isso.
Renam continuava imóvel no centro do símbolo, com braços
e pernas levemente afastados, numa posição que lhe permitiria tanto atacar
quanto se defender. De todos os seus sentidos, o que estava em maior estado de
alerta era sua audição. Não podia enxergar em todas as direções ao mesmo tempo,
mas com o som era diferente. Assim, abaixou-se com incrível velocidade quando
ouviu ruídos que vinham de dois lados opostos. A sua direita, o homem projetava
sua corda contra o monge, enquanto que o da esquerda o atacava com a lança.
Como resultado, a corda enrolou-se na outra arma e o monge aproveitou a
oportunidade para chutar violentamente o abdômen do guerreiro que segurava a
lança, apoderando-se de sua arma. Como a corda continuava presa na lança, Renam
puxou com força e o segurança da corda voou em sua direção. Num salto
espetacular, acertou fortemente um chute no rosto do adversário em pleno vôo,
nocauteando dois lutadores em pouquíssimos instantes.
Em posse da corda, projetou-a contra o homem das adagas,
enrolando-a em seu corpo. Empregando enorme força, fez com que o guerreiro das
adagas fosse lançado contra o que usava soqueiras, derrubando-os violentamente
no chão. Com alguns golpes, derrotara metade de seus adversários. Mas ainda
havia homens armados com espadas, Chikathi, bastões e um tridente.
O segurança do tridente avançou em direção a Renam,
enquanto que os outros tentavam cercá-lo. Num rápido movimento, o tridente foi
projetado na direção do peito do monge. Mas o jovem guerreiro foi mais ágil,
saltando para trás. Ao se colocar em pé, estava em posse das adagas. Renam
girou a adaga da mão esquerda, transformando o cabo da adaga em arma em vez de
suas lâminas. A adaga da mão direita continuou segurando no sentido
convencional. O segundo ataque do tridente foi bloqueado pela adaga que o monge
segurava em sua mão direita, entrelaçando as lâminas de sua arma nas lâminas da
outra. Por cima do tridente, socou o rosto do adversário com o cabo da adaga
que segurava na outra mão. Ainda prendendo o tridente com a adaga, girou a
perna direita, posicionando-a sobre o tridente. Chutou o rosto do adversário,
que foi a nocaute. Com o tridente em seu poder, girou-o repetidas vezes ao
redor do corpo, afastando seus três oponentes restantes. Seus últimos
adversários resolveram atacar em conjunto, imaginando que o derrotariam
facilmente. Mas o monge estava acostumado a ser atacado de todos os lados e,
numa incrível demonstração de habilidade, defendia-se, esquivava-se e atacava,
parecendo estar fazendo tudo ao mesmo tempo. Acertou um chute no rosto do
espadachim, enquanto bloqueava um golpe do lutador com bastões. Em seguida,
girando o tridente com precisão, acertou a cabeça do guerreiro de bastões com o
cabo de sua arma, na medida em que se esquivava de um golpe mortal do lutador
de Chikathi. Restava agora só mais um a ser derrotado. Receoso de ser punido
pelo rei — que desculpas oito homens poderiam dar para justificar sua derrota
por apenas um? — o guerreiro fez uma seqüência de golpes com seu Chikathi. Alguns
desses ataques Renam defendia com o tridente; de outros, apenas se esquivava.
Em determinado momento, abaixou-se para evitar que a arma do oponente atingisse
seu peito. Em seguida foi realizando saltos mortais para trás, evitando os
golpes poderosos da arma de seu adversário. Nestes saltos, desfez-se do
tridente. Após cinco saltos, Renam pulou para cima e posicionou um pé em cada
coluna, deixando suas pernas totalmente abertas. O homem do chikathi, mesmo
receoso da punição do rei, não deixou de admirar as incríveis habilidades de
luta daquele rapaz, totalmente vestido de preto. Mas precisaria derrotá-lo. Num
rápido movimento, pulou para ficar da mesma altura que Renam. Quando
emparelhou, golpeou com o chikathi, mas o monge saltou agilmente. Continuaram a
luta, cuja vitória foi facilmente conquistada por Renam.
Após derrotar seu último adversário, Renam queria sair
daquele lugar o mais rápido possível e voltar ao seu quarto. Não podia arriscar
ser pego porque a missão estaria seriamente comprometida. Dirigiu-se à porta e
entrou no corredor, mas parou repentinamente. A pequena sala estava escura.
Olhava para a passagem em forma de arco, tentando entender o porquê daquela
escuridão. Continuou andando pelo corredor, a passos lentos, olhando fixamente
para aquele local. O monge estava no meio do corredor quando percebeu que, na
parte mais alta da passagem, começava a aparecer uma luz. Como ainda estava
longe da salinha, o jovem guerreiro demorou a perceber que o chão da pequena
sala estava se projetando para baixo uma vez mais e vários outros seguranças
logo estariam no corredor. Renam mediu suas possibilidades: se ficasse no
corredor, não teria como enfrentar todos aqueles homens sem ser derrotado,
considerando que não havia espaço para lutar; se retornasse a sala de onde
acabara de sair teria chance, mas correria o risco de enfrentar novamente
alguns daqueles guerreiros que nocauteara, pois agora estariam acordados e
somariam forças com os que acabavam de chegar; além disso, mesmo que derrotasse
um grupo de guerreiros novamente, deveria considerar o fato de que fora
descoberto — de que outra maneira poderia explicar estes dois grupos de
guerreiros em seu encalço? Poderia ser esta a explicação para a chegada destes
homens, pensava Renam. Na sala circular, enfrentara oito seguranças. Porém,
logo ao chegar na salinha, observou que comportaria cerca de nove pessoas com o
seu porte físico. Dessa forma, um daqueles homens deve ter retornado e alertado
outros, o que explicaria muita coisa. Mas e o primeiro grupo? Como souberam
onde ele estava? A resposta veio imediatamente em seus pensamentos: deixara a
porta da salinha aberta e alguém deve ter visto, enquanto se encaminhava para a
sala que julgava ser do bruxo. Fora descuidado e agora estava num beco sem
saída, com inimigos de todos os lados lhe esperando — os que estavam na sala de
onde acabara de sair e começavam a recuperar a consciência, os que se
aproximavam do corredor através da salinha e os que deviam estar esperando por
ele, caso conseguisse retornar à grande sala circular, onde descobrira tantos
caminhos estranhos. Frustrado, deu um soco no peito da estátua mais próxima.
O monge ficou
surpreso quando a estátua tremeu um pouco e começou a deslizar para o lado.
Acabara de descobrir uma passagem secreta. Olhou para a esquerda e verificou
que o chão da salinha ainda não havia descido totalmente. Aqueles homens,
portanto, não o veriam entrar naquele local. Após cruzar a passagem, empurrou a
estátua para o lado, fechando-a novamente.
Assim como as
outras partes do castelo, estava num corredor muito bem iluminado, paralelo ao
que se dirigia na direção da sala que acreditava ser do bruxo. O corredor
inicialmente era reto, mas logo fazia uma curva para, em seguida, continuar em
linha reta novamente. O monge estava abismado com a extravagância do rei. As
salas eram enormes, os corredores incrivelmente compridos e as decorações eram
de primeira qualidade e em quantidade suficiente para deixar qualquer um
espantado. Era simplesmente impressionante o custo e o dinheiro investido na
construção daquele castelo. Quando, na companhia de seus amigos, observou a
morada do rei pela primeira vez, assustou-se com a sua largura, comprimento e
altura. Naquele momento, o jovem guerreiro não pôde deixar de imaginar a
possibilidade de alguém se perder dentro da imensa casa do rei. Porém, tal
pensamento guardara para si, receoso de que talvez Joshua ou Naêmia pudessem
rir por considerar tolice. Mas Renam não tinha como saber que tal pensamento
logo se mostraria correto.
Renam continuava pelo
corredor, pensando também na sorte que tivera ao descobrir aquela passagem.
Mesmo que conseguisse voltar pela salinha, estaria sendo esperado na grande
sala circular e, ainda que fose um dos poucos mestres do mundo inteiro, não
poderia enfrentar sozinho todos os guerreiros do castelo. O monge nem sentiu a
distância percorrida no corredor onde se encontrava, visto que ainda havia
muito sobre o que pensar: Joshua, por exemplo, tentara lhe falar algo no dia em
que realizaram a primeira exploração no castelo; Renam estava na companhia de
Joshua em seu quarto e, quando o bruxo ia comentar algo, Naêmia apareceu e o
amigo calou-se ao ver a companheira de aventura. O rei daquele reino parecia
ser uma pessoa simpática, apesar de seu olhar de espertalhão; sua voz era suave
e tratava a todos com gentileza, o que soava como uma atitude contraditória,
considerando que era o governante do reino mais famigerado do planeta Kendora.
O próprio reino parecia tão calmo, deixando claro que sua fama era
injustificada; a única situação violenta ocorrera no armazém da estalagem, onde
trabalhava Karine… Renam deixou de visitá-la e sentia-se mal com isso. Talvez
sua atitude fosse a mais correta, afinal quem poderia lhe garantir que sairia
com vida desta missão? Os riscos envolvidos eram os mais elevados que até hoje
enfrentara. E se saísse da missão com vida, mas falhasse? Neste caso, poderia
chamar de vida o que tivesse pela frente?
Finalmente
chegara a uma porta. Por um breve momento, olhou-a, admirado pelo fato de que
era totalmente diferente das outras que encontrara, apesar de possuir desenhos
estranhos, como a da sala que acreditou ser do bruxo Jeofrey. O formato da
porta era quadrado, com um triângulo em sua parte mais elevada. Em seu centro,
apresentava duas maçanetas em forma de semicírculos. Esculpido na porta estava
o desenho que jamais havia sido imaginado por Renam: a face de uma mulher
coberta por um turbante. Tanto o rosto quanto o turbante eram extremamente
esquisitos. No lado esquerdo da porta, o rosto era o de um esqueleto; no lado
direito, sua face era normal. No lado esquerdo da porta, o turbante era preto;
no outro lado, branco. A extravagância do rei parecia ilimitada; não apenas se
preocupava com espaços abundantes — salas e corredores enormes — como também com
quantidades absurdas dos mais variados objetos que armazenava e, como se não
bastasse, era bem detalhista nas decorações.
Renam colocou uma
mão em cada maçaneta e empurrou. A porta nem se mexeu. Resolveu puxar e ainda
assim nada aconteceu. Mas a porta se abriu quando forçou cada uma das partes da
porta para os lados, em sentidos opostos.
A sala era de
medidas razoáveis, ao contrário daquelas salas enormes que o monge estava
acostumado a visitar. Imaginou que era utilizada apenas por uma pessoa, pelo
menos na maior parte do tempo em que era usada. Analisando o interior, observou
várias estantes com livros, formando dez corredores; uma escrivaninha no fundo
da sala e um armário ao lado; sofás posicionados em um canto; um belo tapete no
centro; quadros que retratavam rostos de pessoas, desenhados com grafite; uma
estante com bebidas e frutas; por fim, uma mesa, localizada bem no centro, com
vinte cadeiras a sua volta. O monge ficou admirado com a praticidade da sala.
Era uma verdadeira mistura de biblioteca, escritório, sala de reuniões, sala de
projetos, estar e jantar. Acostumado a ver tudo separadamente, surpreendeu-se
pelo aproveitamento do espaço. Seja como for, não poderia perder mais tempo com
divagações, teria que encontrar alguma pista, qualquer coisa que o pudesse
levar à pedra mágica. Começou pela parte da sala organizada em forma de
biblioteca. Esta, por sua vez, não tinha nem comparação com aquela freqüentada
pelos monges, pois era infinitamente menor. A única semelhante com a outra era
o fato de que os livros estavam classificados de acordo com a CDD (Código
Decimal de Dewe). Dewe foi o homem que inventou um sistema de distribuição dos
livros nas estantes, utilizado em todas as bibliotecas do planeta Kendora.
Dirigiu-se ao
primeiro corredor, que reunia obras classificadas como generalidades onde
encontrou guias, dicionários e enciclopédias. Retirou um guia da estante e
folheou algumas páginas, percebendo que o seu conteúdo era indicar os pontos
comerciais da cidade; outro guia tratava sobre os pontos turísticos e assim,
sucessivamente, cada um tratava temas relacionados à cidade de Damaris.
Encontrou um dicionário de nomes — descrevia as pessoas que ali viveram; um
dicionário de música, que relacionava todos os músicos, bandas e músicas
tocadas em Durasmo, um reino distante; e um dicionário de moda, descrevendo
diferentes tipos de indumentária que foram surgindo, com o tempo, nas cidades
vizinhas. Encontrou a Enciclopédia da Mulher, escrita por várias mulheres da
cidade, na qual comentavam variados tipos de assunto — corte e costura,
jardinagem, cozinha, entre outros; outra enciclopédia que folheou era a
Enciclopédia do Artesão, obra na qual os artesãos dos reinos do norte
explicavam suas técnicas.
A impressão que
lhe veio à mente, após uma rápida passada pelo corredor das generalidades, era
a de que havia finalmente encontrado o lugar certo. E essa impressão foi
confirmada quando passou para o corredor seguinte, que reunia obras de
psicologia e filosofia. Neste espaço, as obras traziam assuntos relacionados
apenas ao reino de Damaris. A mesma situação se repetiu no corredor que tratava
sobre asuntos religiosos e nos próximos. Na parte de literatura, todas as
histórias pareciam ter sido escritas pelos próprios moradores. O último
corredor foi o que mais chamou a atenção do monge. Nele havia biografias,
história e geografia. Nas obras de biografias, vários cidadãos colaboraram
escrevendo sua história. Comerciantes, donos de estalagem, fazendeiros e
trabalhadores em geral escreveram a história de suas vidas. Renam percorria com
os olhos as lombadas dos livros, lendo velozmente os diversos nomes dos autores
daquelas obras. De repente, seu olhar se fixou num determinado livro, escrito
pelo próprio rei. Retirou-o da estante e folheou algumas páginas, percebendo
que a obra responderia muitas perguntas relacionadas aquele reino. Guardou-o em
um dos bolsos internos de seu traje, prendendo-o com uma pequena alça para que
permanecesse seguro, mesmo que tivesse que realizar movimentos bruscos. Também
sentiu vontade de levar consigo livros de geografia e história, pois lhe
permitiriam ter um conhecimento mais abrangente do reino. Mas, por ora, a
biografia do rei deveria ser suficiente.
Foi até a
escrivaninha, abriu todas as gavetas, mas não encontrou nada a não ser materiais
de escritório: folhas, penas, tinteiro, grafite, etc. Decidiu verificar o
armário próximo à escrivaninha. Encontrou documentos de compra e venda de
imóveis, alguns livros e folhetos. Ao abrir a última porta do armário, observou
uma pilha de papéis e, sobre ela, um livro. Pegou-o e tentou abri-lo, mas
parecia que várias páginas estavam coladas pelas extremidades. Ao manuseá-lo de
maneira diferente da habitual, observou que a cada movimento para abri-lo, o
livro ficava maior e com uma quantidade de páginas cada vez menor. Ao final,
descobriu tratar-se de um grande folheto, dobrado de maneira a aparentar um
livro. O jovem guerreiro ficou tão admirado com a criatividade utilizada na
elaboração daquele folheto, que precisou de alguns instantes para perceber o
seu conteúdo. Quando finalmente entendeu que segurava em suas mãos o mapa do
castelo, deu-se conta de que sua missão poderia estar chegando ao fim.
Voltou à
escrivaninha e estendeu sobre ela o mapa, analisando-o detalhadamente. Ansioso
da maneira como ficou, a princípio foi difícil decidir por onde começar.
Imaginou que o ideal seria observar a entrada do castelo e traçar, com os
dedos, trajetórias por caminhos desconhecidos, de modo a ter um amplo
conhecimento da arquitetura da morada do rei. O dedo indicador da mão direita
deslizava por corredores e salas aos quais estava familiarizado, enquanto que o
dedo indicador da mão esquerda percorria caminhos adjacentes. Mas logo deu-se
conta de que o ideal era descobrir onde exatamente estava. Assim, rapidamente
localizou o seu quarto, o corredor que permitia o acesso à sala de reuniões, a
salinha, a passagem secreta que por acaso descobrira e o local onde neste
momento se encontrava. Era realmente uma sorte que o mapa fosse tão bem
detalhado e desenhado. Conseguia entendê-lo muito bem, pois até mesmo os móveis
estavam ali representados, através de pequenas figuras geométricas como
círculos, quadrados, retângulos, triângulos, retas e elipses. Se lhe fosse
permitido, ficaria mais tempo naquela sala e voltaria às estantes, com o
objetivo de localizar mais informações valiosas como as que agora tinha em
mãos. Mas sabia que seu tempo estava acabando. Em determinado momento, alguém
que conhecesse a passagem secreta seria informado que o fugitivo simplesmente
sumira na sala onde derrotara oito seguranças e, somando os fatos, enviaria
pessoas em seu encalço, na direção do lugar onde agora se encontrava. Dessa
maneira, seu passo seguinte foi o de localizar, no mapa, uma possibilidade de
saída daquela sala, que não fosse a passagem pela qual havia entrado.
Imediatamente reparou em um caminho, atrás de um pequeno quadrado. Observando
mais uma vez a disposição dos móveis na sala e sua representação no mapa,
identificou o pequeno quadrado como sendo o armário. Aproximou-se do armário
mais uma vez e o arrastou para o lado. Ali estava a passagem que utilizaria
para voltar ao seu quarto.
Novamente diante
do mapa, precisava agora saber qual era a trajetória menor e mais segura. O
caminho que se iniciava atrás do armário seguia em linha reta, logo fazia uma
curva e chegava em um círculo, onde se dividia em três. Acompanhando a direção
do caminho da esquerda, notou que não seria aconselhável seguir por ali, pois
chegaria à grande sala circular, onde muitos seguranças deviam estar reunidos;
o caminho do meio, para a surpresa de Renam, ligava aquela passagem aos
aposentos do rei; a melhor alternativa seria seguir pela direita, que lhe
permitia chegar numa salinha que ficava ao lado de várias outras, que ficavam
na frente de muitas outras, que formavam o corredor onde ficava... os quartos
dos monges?
— Droga, mas é
muito azar mesmo — falou para si.
Sendo um monge, o
rapaz sabia o que era ter sono leve. Por menor que fosse o ruído de arrastar o
que servisse de porta para a passagem, seria o bastante para acordar o
guerreiro que estivesse repousando naquele quarto. Uma vez acordado, o
confronto entre os dois geraria barulho suficiente para despertar os que
estavam nos quartos mais próximos, que por sua vez acordariam os demais. Uma situação
inesperada dessas poderia prejudicar seriamente, talvez impedir totalmente sua
missão. Mas então o que fazer? Se optasse pelo caminho da esquerda ou pelo
caminho do meio, certamente que entraria em confronto direto com muitos
guerreiros; por outro lado, se escolhesse ir pela direita, talvez enfrentasse
um grupo de monges. Mas se fosse rápido o bastante, teria apenas um adversário
para nocautear. Mas havia outro detalhe a ser considerado: como aquela passagem
poderia dar acesso ao quarto de um monge? Seria alguém encarregado de operações
secretas para o rei? Fosse quem tivesse que ser, a única certeza de Renam era a
de que o monge deveria ser um guerreiro excepcional. Sentiu um leve tremor
quando um nome lhe veio à cabeça: mestre Ryan? Se fosse o caso, qualquer
alternativa que tinha em mãos era pior do que péssima. Mas esta foi uma das
raras ocasiões, na vida do jovem guerreiro, em que entre duas certezas e uma
dúvida, escolhera a dúvida. Teria que correr o risco. Ao menos por este caminho
chegaria o mais próximo possível de seu quarto.
Uma vez decidido,
começou a dobrar o mapa, até que ficasse do tamanho que o encontrara. Guardou-o
em outro bolso interno, prendendo-o com uma alça, da mesma maneira que havia
feito antes com a biografia do rei. Entrou na passagem e começou a fechá-la.
Quando o armário estava tapando quase que totalmente a passagem, Renam ouviu um
barulho. Pela estreita fresta que o armário deixara, observou vários homens
armados entrando na sala. Por muito pouco não fora descoberto. O pequeno ruído
produzido pelo último puxão que deu no armário não havia sido percebido pelos
homens, pois falavam em altas vozes. Analisariam cuidadosamente aquela sala, o
que daria a Renam tempo para afastar-se.
A caminhada pela
passagem secreta foi mais demorada que imaginara. Todavia, manteve um ritmo
veloz em seus passos, o que lhe permitiu percorrer aquele trajeto num espaço de
tempo que muitas pessoas não conseguiriam. Quando reparou que tinha degraus a
sua frente, logo viu que havia chegado numa escada em formato caracol. Subiria
em círculos, sem ter idéia de quantos degraus precisaria avançar. Não foi
demorado, mas talvez porque pulasse, avançando quatro degraus por vez. Ao
final, ali estavam os três corredores. Foi nesse momento que o monge entendeu a
precisão do mapa: a passagem que iniciava atrás do armário chegava até o
circulo e do círculo saíam três outros caminhos. O círculo era a representação
da escada. Entrou no corredor da direita, tendo em mente que agiria com
velocidade e precisão. Ao final do corredor, num rápido movimento, empurrou a
porta para o lado e saltou, parando, num só pulo, no meio do quarto. O monge
estava em posição de combate, pronto para nocautear um possível adversário. Mas
o fato é que não havia ninguém a ser enfrentado. Não havia ali nem mesmo uma
cama. Renam não estava exatamente num quarto, embora estivesse ao lado de
quartos ocupados por monges. Na sala onde se encontrava, enxergava apenas
materiais de limpeza: baldes, vassouras, panos, sacos de lixo, espanadores,
luvas e outras coisas do gênero. A porta que abrira servia, do lado de dentro
do quarto, como um estreito armário. Mais uma vez a sorte parecia estar do seu
lado. Fechou a passagem secreta e, cautelosamente, abriu a porta da sala e
olhou para o corredor; estava completamente deserto, o momento era perfeito.
Andou silenciosamente, chegando rapidamente em seu quarto. Deveria ser
realmente muito tarde, pois Joshua não se encontrava e Naêmia já estava
dormindo.
Renam tirou o
livro e o mapa dos bolsos, despiu-se e guardou tudo no fundo falso de sua
grande mala. Seu traje negro ocupava um bom espaço, mas ainda sobrava o
suficiente para guardar os dois objetos furtados na sala que descobrira ao
entrar na passagem secreta. Foi realmente um grande achado. Tanto o mapa quanto
a biografia do rei responderiam a muitas perguntas, sobre as quais o monge
refletia diariamente. Naquela noite, porém, não poderia mais dedicar seu tempo
à missão. O confronto com vários seguranças e sua fuga para evitar muitas
outras lutas, permitiram que sua missão avançasse muito pela noite. Não
tardaria o amanhecer e precisava descansar um pouco para recuperar suas forças.
Vestiu roupas leves e deitou-se o mais silenciosamente, com o objetivo de não
acordar Naêmia. Após a janta, se reuniria com seus dois companheiros de missão,
mostraria a eles seus achados e juntos traçariam um novo plano. Com este último
pensamento na cabeça, dormiu.
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