domingo, 12 de fevereiro de 2017

Capítulo 5

Uma nova rotina

            Renam, Naêmia e Joshua estavam se dirigindo ao castelo. Era cedo, tinham feito sua primeira refeição do dia e agora caminhavam em direção a sua nova morada. Enquanto andavam, Joshua lembrava-se de algo dito por Renam na noite anterior. O jovem monge falara que o reino possuía uma fama terrível, mas não compreendia o motivo, pois o único problema que encontrara foi o assalto que havia evitado na estalagem. Isso era algo que Joshua também não conseguia entender. A cidade era bonita, organizada e segura. Por que tinha a fama de “a cidade mais perversa do mundo”? É claro que o reino estava a expandir seus domínios, mas isso não era motivo suficiente para ter uma visão tão terrível de Damaris e seu governante. Como se não bastasse, restava a questão do armazém da estalagem. Um assunto delicado, que teria que ser resolvido num momento mais oportuno. Renam teria que ouvir algumas coisas. Certamente que teria…
            Divagando em seus pensamentos, o bruxo nem reparou que se encontravam tão próximos do castelo. Assim, bastou entrar à direita na outra esquina, caminhar mais um pouco, atravessar um pequeno bosque e estavam diante da mansão mais uma vez.
            — Desejamos falar com o rei — disse Renam aos guardas que ficavam em frente à porta de entrada. — Sou o monge Renam e estamos aqui a seu pedido.
            Um dos guardas deu meia volta, entrou no castelo e, momentos depois, as portas se abriam para os três visitantes.
            Renam, Joshua e Naêmia caminharam pelo longo tapete vermelho em direção ao rei, que estava em seu trono.
            — Bom dia, cavalheiros, espero que tenham refletido sobre a minha proposta e me tragam uma resposta que vá de encontro a meus interesses.
            — Bom dia, majestade — disseram, em uníssono, os três.
            — Rei Julian, discutimos o assunto ontem à noite e chegamos a uma conclusão — disse Renam, fazendo uma pausa. — Acreditamos que sua oferta é generosa e, portanto, vamos aceitá-la.
            — Excelente, cavalheiros. Tenho certeza de que sua estadia em meu castelo será muito agradável.
            Direcionando seus olhos muito brilhantes para Renam, o rei prosseguiu:
            — Você, meu jovem, estará com o mestre Ryan, treinando o tempo todo. Os monges são a maior segurança que posso proporcionar a este castelo e, consequentemente, a mim mesmo. Dessa maneira, é justificável o investimento que faço neles.
            O rei respirou para tomar fôlego e continuou sua fala:
            — Joshua, creio que terá um grande valor para mim se ajudar o nosso feiticeiro. Ninguém ainda quis se candidatar ao cargo. O que me diz? É claro que respeitarei sua resposta, mesmo ela sendo negativa. Entendo o receio que as pessoas têm da bruxaria.
            — Ficarei encantado, majestade. Não há necessidade de se preocupar comigo. Sou um homem de idade e não sinto medo facilmente.
            — Muito bem, então. Jeofrey ficará satisfeito de ganhar um auxiliar. E quanto a você, Naêmia, teria alguma sugestão para mim?
            — Gosto de cozinhar, majestade.
            — Ótimo. Michel está mesmo precisando de mais ajudantes. Muito bem, senhores, creio que isso é tudo. Josef, acompanhe os cavalheiros até seus respectivos ambientes.
            Renam, Joshua e Naêmia acompanhavam o segurança, cada um sendo deixado em um local diferente. Josef apresentou Naêmia ao chefe de cozinha, Joshua ao feiticeiro e, em seguida, conduziu Renam à sala de treinamento dos monges.
            O jovem guerreiro treinou até o momento do almoço. Chegando à cozinha com seus colegas monges, varreu o ambiente com o olhar, a procura de Naêmia e Joshua. Naêmia devia estar atrás da fileira de estantes de mantimentos, que dividia a cozinha em duas partes: numa, as pessoas sentavam-se às mesas para se alimentar; na outra, preparava-se os alimentos. Era impossível ver a amiga através das estantes, tão lotadas de alimentos que estavam. Além disso, a fileira de estantes se estendia por quase toda a largura da sala, deixando apenas uma estreita passagem entre as duas partes que formavam a cozinha.
            — Algum problema, companheiro? — Perguntou Kevin, seu colega de treinamento.
            — O quê? Ah, é que a minha mulher trabalha aqui. Esperava vê-la — respondeu Renam.
            — Bem, então relaxe. Logo servirão a comida e talvez você a veja — disse o rapaz, simpaticamente. — Vamos, sente-se — completou, puxando uma cadeira para Renam.
            — Obrigado — respondeu o jovem guerreiro.
            Renam estava curioso para encontrar seus dois acompanhantes e perguntar-lhes se haviam descoberto algo. Todavia, imaginava que estivessem tão atarefados, que não tiveram tempo para investigações. Enquanto ele estava treinando, Naêmia cozinhava e Joshua ajudava o bruxo do reino. Mas, como diz a expressão “nunca se sabe”, talvez um dos dois tivesse descoberto algo.
            Em determinado momento, dois homens apareceram na parte de refeições da sala, carregando uma enorme panela através da estreita passagem entre a estante e a parede. Colocaram a panela sobre a mesa mais próxima e começaram a servir o almoço. Os monges se levantavam com um prato na mão e, em fila, dirigiam-se até os homens para que fossem servidos.
            Ao retornar a seu lugar, Renam sentou-se e começou a comer. Mal havia iniciado sua refeição quando reparou que um grupo de quatro pessoas saiu da outra parte da cozinha carregando cestos, sendo dois deles cheios de frutas e os outros dois com pães. Ao passo que os cestos com frutas eram carregados por dois homens, os que continham pães eram levados por mulheres. Mas nenhuma das duas era Naêmia.
            O monge terminou a refeição com duas frutas, pão e um copo de suco, que fora servido logo em seguida. Várias outras pessoas começavam a entrar na sala e ocuparem diversas mesas que ainda estavam vazias, no momento em que Renam levantou-se. Procurou, com o olhar atento, por Joshua, mas ele não estava naquele grupo que agora esperava sua vez de ser servido. O jovem guerreiro não poderia esperar mais tempo ali, pois quase todos os monges haviam saído do refeitório. Dessa maneira, decidiu que era hora de sair também.
            Renam se dirigia por um corredor para ir em direção à sala de treinamento dos monges quando ouviu alguém gritar:
            — Ei, rapaz, onde está indo? — perguntou Kevin.
            — Estou retornando ao treinamento.
            — Treinamento? Agora? Ah, não, após o almoço sempre vamos à biblioteca.
            — É mesmo?
            — Claro. Por favor, não me diga que não é adepto da leitura. Nunca vi, em toda a minha vida, um monge que não gosta de ler.
            — Eu adoro a leitura. Meus pais sempre compraram livros, por isso temos a nossa biblioteca particular.
            — Puxa, mas que bacana. E quantos volumes tem em seu acervo?
            — Cerca de quarenta mil. É claro que eles não conseguiram ler nem a metade, mas o fato é que simplesmente adoram livros e ficaram a vida toda adquirindo lançamentos novos.
            — Caramba, seus pais devem ter muito dinheiro. Já os meus tiveram sempre que controlar seus gastos. Éramos em quatro irmãos e significávamos uma despesa muito grande para eles, que não tinham um salário muito bom. Quando tinha a idade de doze verões, apresentei-me ao rei para ser incorporado ao grupo de monges, em troca de um pequeno saldo que ele pagasse a minha família. Os monges não têm salário, mas suas famílias recebem um apoio financeiro do rei. Com uma só cajadada, consegui matar dois coelhos: tornei-me uma boca a menos para ser sustentada, na medida em que passei a morar no castelo, e ainda garanti um dinheiro extra para ajudar minha família. Uma estratégia inteligente, não? — comentou o rapaz, com um sorriso.
            Renam retribuiu o sorriso, mas sentia-se com o coração partido. Diferente desse rapaz, ele nunca passara necessidades. Não sabia o que era a pobreza. Seus pais, comerciantes bem sucedidos, garantiam-lhe que sempre vivesse na abundância. Mesmo assim, Renam tornara-se um monge. Não para ajudar financeiramente sua família, mas por opção. As artes marciais eram a paixão de sua vida, desde a sua infância.
            — Finalmente chegamos. Você já esteve aqui antes, Renam? — perguntou o monge, todo empolgado com o momento de leitura.
            — Fizemos uma visita rápida, meu sogro, minha mulher e eu, na companhia do rei.
            — Bem, tratemos de escolher logo material de leitura, antes que termine o nosso tempo.
            Renam e Kevin dirigiram-se a uma estante e cada um pegou um livro. Renam notou que o livro retirado pelo companheiro era bem volumoso e possuía um marcador de página em seu centro. Sentou-se ao lado dele e começou a ler o livro, enquanto o outro continuava a leitura do seu. Renam não havia mentido para Kevin. Ele realmente gostava de ler. O problema era que ali, no reino de Damaris, ele estava numa missão. Por esse motivo, embora o livro que estivesse em suas mãos narrasse uma história muito interessante, o monge simplesmente não conseguia ler com atenção. Enquanto seus olhos percorriam as páginas, lembrava-se do que havia discutido com Joshua e Naêmia na noite anterior. Na conversa, os três imaginaram que o único momento que teriam para investigar seria nas altas horas da noite, quando os moradores do castelo estivessem dormindo. Mas talvez Joshua e Naêmia pudessem ter tido mais sorte que ele. Talvez pudessem, mesmo atarefados como deveriam estar, ter descoberto algo. Mas Renam não os viu na cozinha, e também não se encontravam na biblioteca. Ainda restaria o café da tarde e a janta. Porém, estava certo quando imaginou que os veria somente após a última refeição.




            Renam estava em seu quarto, sentado na cama, quando percebeu que a porta se abria para Naêmia entrar.
            — Naêmia, finalmente. Conseguiu descobrir algo?
            — Não, estive ocupada o dia inteiro. Havia muito trabalho naquela cozinha.
            — Bem, resta-nos saber se Joshua teve mais sorte que nós. Em caso negativo, teremos que dar prosseguimento ao plano inicial de explorar o castelo na calada da noite.
            — Aparentemente, permanecerá totalmente iluminado. Do contrário, como os vigias conseguiriam fazer a ronda?
            — Sim, concordo com você. Vamos esperar Joshua para traçar um plano de exploração — concluiu o monge.
            Renam e Naêmia permaneceram alguns momentos em silêncio. Porém, não precisaram esperar muito, pois logo a porta de seu quarto se abria para que Joshua pudesse entrar.
            — Olá, vocês estão bem?
            — Sim, Joshua, obrigado — respondeu o monge. — Não conseguimos descobrir nada ainda. E você?
            — Passei o dia todo bancando o auxiliar do bruxo do reino. Separei ingredientes, preparei poções, este tipo de coisa. Estive muito ocupado, como podem ver.
            — Bem, então devemos seguir o plano original — disse o monge.
            — Sim — concordou Naêmia. — A questão é como iremos executá-lo.
            — Devemos considerar o tamanho da área a ser explorada e o tempo limitado para isso — falou o bruxo. — Todo o tempo que pudermos ganhar será bem vindo.
            — Certamente — concordou o monge. — Somos três, portanto devemos nos separar.
            — Mas se um de nós for pego, haverá pouquíssima chance de sobrevivência — disse Naêmia, nervosamente.
            — Um risco que teremos de correr — falou o bruxo. — O que mais podemos fazer?
— Mesmo nos separando, será muito difícil localizarmos a pedra. O castelo é gigantesco – retrucou Naêmia.
            — Sim, mas infelizmente não temos escolha — disse, sombriamente, Renam.
            — Mas e as portas? Como as trancaremos pelo lado de fora? — questionou Naêmia.
            — Está esquecendo que eu sou um bruxo? Lançarei um feitiço que permitirá às portas se abrirem ao toque de nossas mãos.
            — Resta-nos agora definir a direção que cada um seguirá — comentou Renam.
            — Ao sairmos do quarto, se andarmos à esquerda e caminharmos até o final do corredor, chegaremos a uma divisão em formato T. Naêmia poderá seguir para um lado e eu para outro. Você, Renam, pode caminhar à direita ao sair do quarto. Chegará numa sala ampla que dará acesso a várias outras.
            Renam e Naêmia concordaram com a idéia de Joshua. Os três ficaram um longo tempo em silêncio, esperando que os ocupantes do castelo estivessem dormindo profundamente. Então, com um aceno positivo de cabeça, Joshua falou:
    Chegou o momento.
Renam e Naêmia concordaram com um aceno de cabeça. Joshua encaminhou-se para o seu quarto, enquanto Renam vestia-se no reservado, deixando o quarto livre para Naêmia. Seus trajes de combate eram vestimentas pretas que cobriam o corpo inteiro e um capuz que escondia quase todo o rosto, deixando apenas os olhos à vista. Joshua encontrou seus colegas em frente ao quarto ocupado por Renam e Naêmia e, com um gesto, selou a porta do quarto do “casal”.
            — Tenham cuidado – despediu-se Renam.

            — Você também — responderam.

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