Uma
nova rotina
Renam,
Naêmia e Joshua estavam se dirigindo ao castelo. Era cedo, tinham feito sua
primeira refeição do dia e agora caminhavam em direção a sua nova morada.
Enquanto andavam, Joshua lembrava-se de algo dito por Renam na noite anterior.
O jovem monge falara que o reino possuía uma fama terrível, mas não compreendia
o motivo, pois o único problema que encontrara foi o assalto que havia evitado
na estalagem. Isso era algo que Joshua também não conseguia entender. A cidade
era bonita, organizada e segura. Por que tinha a fama de “a cidade mais
perversa do mundo”? É claro que o reino estava a expandir seus domínios, mas
isso não era motivo suficiente para ter uma visão tão terrível de Damaris e seu
governante. Como se não bastasse, restava a questão do armazém da estalagem. Um
assunto delicado, que teria que ser resolvido num momento mais oportuno. Renam
teria que ouvir algumas coisas. Certamente que teria…
Divagando em seus pensamentos, o bruxo nem reparou que se
encontravam tão próximos do castelo. Assim, bastou entrar à direita na outra
esquina, caminhar mais um pouco, atravessar um pequeno bosque e estavam diante
da mansão mais uma vez.
— Desejamos falar com o rei — disse Renam aos guardas que
ficavam em frente à porta de entrada. — Sou o monge Renam e estamos aqui a seu
pedido.
Um dos guardas deu meia volta, entrou no castelo e,
momentos depois, as portas se abriam para os três visitantes.
Renam, Joshua e Naêmia caminharam pelo longo tapete
vermelho em direção ao rei, que estava em seu trono.
— Bom dia, cavalheiros, espero que tenham refletido sobre
a minha proposta e me tragam uma resposta que vá de encontro a meus interesses.
— Bom dia, majestade — disseram, em uníssono, os três.
— Rei Julian, discutimos o assunto ontem à noite e
chegamos a uma conclusão — disse Renam, fazendo uma pausa. — Acreditamos que
sua oferta é generosa e, portanto, vamos aceitá-la.
— Excelente, cavalheiros. Tenho certeza de que sua
estadia em meu castelo será muito agradável.
Direcionando seus olhos muito brilhantes para Renam, o
rei prosseguiu:
— Você, meu jovem, estará com o mestre Ryan, treinando o
tempo todo. Os monges são a maior segurança que posso proporcionar a este
castelo e, consequentemente, a mim mesmo. Dessa maneira, é justificável o
investimento que faço neles.
O rei respirou para tomar fôlego e continuou sua fala:
— Joshua, creio que terá um grande valor para mim se
ajudar o nosso feiticeiro. Ninguém ainda quis se candidatar ao cargo. O que me
diz? É claro que respeitarei sua resposta, mesmo ela sendo negativa. Entendo o
receio que as pessoas têm da bruxaria.
— Ficarei encantado, majestade. Não há necessidade de se
preocupar comigo. Sou um homem de idade e não sinto medo facilmente.
— Muito bem, então. Jeofrey ficará satisfeito de ganhar
um auxiliar. E quanto a você, Naêmia, teria alguma sugestão para mim?
— Gosto de cozinhar, majestade.
— Ótimo. Michel está mesmo precisando de mais ajudantes.
Muito bem, senhores, creio que isso é tudo. Josef, acompanhe os cavalheiros até
seus respectivos ambientes.
Renam, Joshua e Naêmia acompanhavam o segurança, cada um
sendo deixado em um local diferente. Josef apresentou Naêmia ao chefe de
cozinha, Joshua ao feiticeiro e, em seguida, conduziu Renam à sala de
treinamento dos monges.
O jovem guerreiro treinou até o momento do almoço.
Chegando à cozinha com seus colegas monges, varreu o ambiente com o olhar, a
procura de Naêmia e Joshua. Naêmia devia estar atrás da fileira de estantes de
mantimentos, que dividia a cozinha em duas partes: numa, as pessoas sentavam-se
às mesas para se alimentar; na outra, preparava-se os alimentos. Era impossível
ver a amiga através das estantes, tão lotadas de alimentos que estavam. Além
disso, a fileira de estantes se estendia por quase toda a largura da sala,
deixando apenas uma estreita passagem entre as duas partes que formavam a
cozinha.
— Algum problema, companheiro? — Perguntou Kevin, seu
colega de treinamento.
— O quê? Ah, é que a minha mulher trabalha aqui. Esperava
vê-la — respondeu Renam.
— Bem, então relaxe. Logo servirão a comida e talvez você
a veja — disse o rapaz, simpaticamente. — Vamos, sente-se — completou, puxando
uma cadeira para Renam.
— Obrigado — respondeu o jovem guerreiro.
Renam estava curioso para encontrar seus dois
acompanhantes e perguntar-lhes se haviam descoberto algo. Todavia, imaginava
que estivessem tão atarefados, que não tiveram tempo para investigações.
Enquanto ele estava treinando, Naêmia cozinhava e Joshua ajudava o bruxo do
reino. Mas, como diz a expressão “nunca se sabe”, talvez um dos dois tivesse
descoberto algo.
Em determinado momento, dois homens apareceram na parte
de refeições da sala, carregando uma enorme panela através da estreita passagem
entre a estante e a parede. Colocaram a panela sobre a mesa mais próxima e
começaram a servir o almoço. Os monges se levantavam com um prato na mão e, em
fila, dirigiam-se até os homens para que fossem servidos.
Ao retornar a seu lugar, Renam sentou-se e começou a
comer. Mal havia iniciado sua refeição quando reparou que um grupo de quatro
pessoas saiu da outra parte da cozinha carregando cestos, sendo dois deles
cheios de frutas e os outros dois com pães. Ao passo que os cestos com frutas
eram carregados por dois homens, os que continham pães eram levados por
mulheres. Mas nenhuma das duas era Naêmia.
O monge terminou a refeição com duas frutas, pão e um
copo de suco, que fora servido logo em seguida. Várias outras pessoas começavam
a entrar na sala e ocuparem diversas mesas que ainda estavam vazias, no momento
em que Renam levantou-se. Procurou, com o olhar atento, por Joshua, mas ele não
estava naquele grupo que agora esperava sua vez de ser servido. O jovem
guerreiro não poderia esperar mais tempo ali, pois quase todos os monges haviam
saído do refeitório. Dessa maneira, decidiu que era hora de sair também.
Renam se dirigia por um corredor para ir em direção à
sala de treinamento dos monges quando ouviu alguém gritar:
— Ei, rapaz, onde está indo? — perguntou Kevin.
— Estou retornando ao treinamento.
— Treinamento? Agora? Ah, não, após o almoço sempre vamos
à biblioteca.
— É mesmo?
— Claro. Por favor, não me diga que não é adepto da
leitura. Nunca vi, em toda a minha vida, um monge que não gosta de ler.
— Eu adoro a leitura. Meus pais sempre compraram livros,
por isso temos a nossa biblioteca particular.
— Puxa, mas que bacana. E quantos volumes tem em seu
acervo?
— Cerca de quarenta mil. É claro que eles não conseguiram
ler nem a metade, mas o fato é que simplesmente adoram livros e ficaram a vida
toda adquirindo lançamentos novos.
— Caramba, seus pais devem ter muito dinheiro. Já os meus
tiveram sempre que controlar seus gastos. Éramos em quatro irmãos e
significávamos uma despesa muito grande para eles, que não tinham um salário
muito bom. Quando tinha a idade de doze verões, apresentei-me ao rei para ser
incorporado ao grupo de monges, em troca de um pequeno saldo que ele pagasse a
minha família. Os monges não têm salário, mas suas famílias recebem um apoio
financeiro do rei. Com uma só cajadada, consegui matar dois coelhos: tornei-me
uma boca a menos para ser sustentada, na medida em que passei a morar no
castelo, e ainda garanti um dinheiro extra para ajudar minha família. Uma
estratégia inteligente, não? — comentou o rapaz, com um sorriso.
Renam retribuiu o sorriso, mas sentia-se com o coração
partido. Diferente desse rapaz, ele nunca passara necessidades. Não sabia o que
era a pobreza. Seus pais, comerciantes bem sucedidos, garantiam-lhe que sempre
vivesse na abundância. Mesmo assim, Renam tornara-se um monge. Não para ajudar
financeiramente sua família, mas por opção. As artes marciais eram a paixão de
sua vida, desde a sua infância.
— Finalmente chegamos. Você já esteve aqui antes, Renam?
— perguntou o monge, todo empolgado com o momento de leitura.
— Fizemos uma visita rápida, meu sogro, minha mulher e
eu, na companhia do rei.
— Bem, tratemos de escolher logo material de leitura,
antes que termine o nosso tempo.
Renam e Kevin dirigiram-se a uma estante e cada um pegou
um livro. Renam notou que o livro retirado pelo companheiro era bem volumoso e
possuía um marcador de página em seu centro. Sentou-se ao lado dele e começou a
ler o livro, enquanto o outro continuava a leitura do seu. Renam não havia
mentido para Kevin. Ele realmente gostava de ler. O problema era que ali, no
reino de Damaris, ele estava numa missão. Por esse motivo, embora o livro que
estivesse em suas mãos narrasse uma história muito interessante, o monge
simplesmente não conseguia ler com atenção. Enquanto seus olhos percorriam as
páginas, lembrava-se do que havia discutido com Joshua e Naêmia na noite anterior.
Na conversa, os três imaginaram que o único momento que teriam para investigar
seria nas altas horas da noite, quando os moradores do castelo estivessem
dormindo. Mas talvez Joshua e Naêmia pudessem ter tido mais sorte que ele.
Talvez pudessem, mesmo atarefados como deveriam estar, ter descoberto algo. Mas
Renam não os viu na cozinha, e também não se encontravam na biblioteca. Ainda
restaria o café da tarde e a janta. Porém, estava certo quando imaginou que os
veria somente após a última refeição.
Renam estava em seu quarto, sentado na cama, quando
percebeu que a porta se abria para Naêmia entrar.
— Naêmia, finalmente. Conseguiu descobrir algo?
— Não, estive ocupada o dia inteiro. Havia muito trabalho
naquela cozinha.
— Bem, resta-nos saber se Joshua teve mais sorte que nós.
Em caso negativo, teremos que dar prosseguimento ao plano inicial de explorar o
castelo na calada da noite.
— Aparentemente, permanecerá totalmente iluminado. Do
contrário, como os vigias conseguiriam fazer a ronda?
— Sim, concordo com você. Vamos esperar Joshua para
traçar um plano de exploração — concluiu o monge.
Renam e Naêmia permaneceram alguns momentos em silêncio.
Porém, não precisaram esperar muito, pois logo a porta de seu quarto se abria
para que Joshua pudesse entrar.
— Olá, vocês estão bem?
— Sim, Joshua, obrigado — respondeu o monge. — Não
conseguimos descobrir nada ainda. E você?
— Passei o dia todo bancando o auxiliar do bruxo do
reino. Separei ingredientes, preparei poções, este tipo de coisa. Estive muito
ocupado, como podem ver.
— Bem, então devemos seguir o plano original — disse o
monge.
— Sim — concordou Naêmia. — A questão é como iremos
executá-lo.
— Devemos considerar o tamanho da área a ser explorada e
o tempo limitado para isso — falou o bruxo. — Todo o tempo que pudermos ganhar
será bem vindo.
— Certamente — concordou o monge. — Somos três, portanto
devemos nos separar.
— Mas se um de nós for pego, haverá pouquíssima chance de
sobrevivência — disse Naêmia, nervosamente.
— Um risco que teremos
de correr — falou o bruxo. — O que mais podemos fazer?
— Mesmo nos separando,
será muito difícil localizarmos a pedra. O castelo é gigantesco – retrucou
Naêmia.
— Sim, mas infelizmente não temos escolha — disse,
sombriamente, Renam.
— Mas e as portas? Como as trancaremos pelo lado de fora?
— questionou Naêmia.
— Está esquecendo que eu sou um bruxo? Lançarei um
feitiço que permitirá às portas se abrirem ao toque de nossas mãos.
— Resta-nos agora definir a direção que cada um seguirá —
comentou Renam.
— Ao sairmos do quarto, se andarmos à esquerda e
caminharmos até o final do corredor, chegaremos a uma divisão em formato T.
Naêmia poderá seguir para um lado e eu para outro. Você, Renam, pode caminhar à
direita ao sair do quarto. Chegará numa sala ampla que dará acesso a várias
outras.
Renam e Naêmia concordaram com a idéia de Joshua. Os três
ficaram um longo tempo em silêncio, esperando que os ocupantes do castelo
estivessem dormindo profundamente. Então, com um aceno positivo de cabeça,
Joshua falou:
—
Chegou o momento.
Renam e Naêmia concordaram
com um aceno de cabeça. Joshua encaminhou-se para o seu quarto, enquanto Renam
vestia-se no reservado, deixando o quarto livre para Naêmia. Seus trajes de
combate eram vestimentas pretas que cobriam o corpo inteiro e um capuz que
escondia quase todo o rosto, deixando apenas os olhos à vista. Joshua encontrou
seus colegas em frente ao quarto ocupado por Renam e Naêmia e, com um gesto,
selou a porta do quarto do “casal”.
— Tenham cuidado – despediu-se Renam.
— Você também — responderam.
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